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Vale ou não vale? Em 2016, TJ anula mais de 700 leis em São Paulo

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Imagem: iStock/BernardaSv

Gabriela Fujita

Do UOL, em São Paulo

14/03/2017 04h00

O município de Cananeia (300 km de São Paulo) aprovou, em 2013, o “Dia Municipal do Evangélico”, a ser celebrado todo ano no último domingo de setembro, e a “Semana Municipal de Cultura Evangélica”, comemorada na primeira semana do mesmo mês. A pedido do prefeito da cidade, a lei deixou de valer em 2016 após ser considerada inconstitucional pelo TJ-SP (Tribunal de Justiça).

Criada e aprovada pela Câmara Municipal, a lei deveria ter sido proposta pelo Executivo (prefeito), e assim o TJ-SP avaliou que ocorreu violação da “separação de Poderes”, prevista na Constituição. Além disso, a lei determinava que as despesas da comemoração seriam pagas pela prefeitura.

O exemplo de Cananeia é apenas um entre os 774 casos de leis que foram questionadas por prefeitos e pelo MP-SP (Ministério Público) e julgadas inconstitucionais pela Justiça paulista. No total, o Tribunal julgou 905 leis por este motivo, em 2016.

Horário para asfaltar ruas e foie gras polêmico

Situação semelhante aconteceu em Santana de Parnaíba (Grande São Paulo). O prefeito da cidade entrou com ação contra o presidente da Câmara Municipal por causa de uma lei aprovada em 2015 que fixava horários para serviços de asfaltamento nas vias públicas. Como esta seria uma atribuição do Executivo, a lei também foi considerada inconstitucional.
 

Em São Paulo, uma lei aprovada pela Câmara Municipal e sancionada pelo prefeito em 2015 proibiu a produção e a comercialização de foie gras – ou fígado gordo de ganso, típico da culinária francesa. A Associação Nacional de Restaurantes pediu a revogação da lei, e o TJ-SP aceitou a contestação em 2016, com o argumento de que a lei fere a Constituição, por proibir práticas na iniciativa privada.

leis julgadas inconstitucionais -  -

Nomes de ruas colocam cidade em 1º lugar no ranking

As cidades que tiveram a maior quantidade de leis questionadas aparecem em um ranking do “Anuário da Justiça São Paulo 2017”, uma publicação do Conjur (Consultor Jurídico) lançada na última quarta-feira (8).

Presidente Prudente (560 km de São Paulo) tem a primeira posição na lista. Uma única ação movida pelo MP-SP apontou problemas em 95 leis, aprovadas entre 2001 e 2015 por vereadores e prefeitos. (veja no quadro abaixo)

Em 2001, uma mudança na Lei Orgânica do município passou a autorizar vereadores a nomearem ruas e prédios públicos com nomes de pessoas vivas, desde que estas tivessem mais de 65 anos de idade. Em 2004, a Câmara usou o nome do então prefeito, Agripino de Oliveira Lima Filho (85 anos agora), para renomear a Cidade da Criança, um complexo recreativo na cidade. 

Em sua ação, o MP-SP criticou a alteração na Lei Orgânica, e o Tribunal de Justiça aceitou o pedido de inconstitucionalidade, levando em conta que é atribuição do Executivo nomear ruas e prédios públicos e que os nomes não podem ser de pessoas vivas. A decisão teve efeito, de uma vez só, para 95 leis aprovadas a partir de 2001.

Prefeito homenageia colega de partido e seu pai

Faz parte deste “pacote” de 95 leis inconstitucionais a nomeação do Parque Ecológico de Presidente Prudente. Em 2010, os vereadores aprovaram uma lei que dava o nome de Nelson Bugalho ao parque. O então prefeito, Milton Carlos de Mello (PTB), sancionou a nomeação e, desta forma, permitiu uma homenagem a um colega de partido e ao pai dele, já que os dois têm o mesmo nome.

Em 2015, o governo do Estado divulgou a inauguração do parque, uma vez que obras no local foram financiadas pela Secretaria da Justiça. Na época, Nelson Bugalho (o filho) era vice-presidente da Cetesb (Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental). Hoje, ele é o prefeito de Presidente Prudente, eleito em outubro de 2016.

Segundo informações da assessoria da prefeitura, houve tentativa de recurso, mas não foi possível reverter a decisão do TJ-SP. Por isso, “o Executivo deverá encaminhar projetos de lei para dar denominação a esses logradouros”.

Quanto ao parque, a assessoria afirma que “o nome referido foi sugerido, mas não oficializado”, embora constem nos sites da Câmara Municipal e do governo do Estado a nomeação e a referência ao pai do atual prefeito.

De acordo com a Câmara Municipal, não foram realizadas novas aprovações de projetos de iniciativa parlamentar com a nomeação de logradouros públicos desde a decisão judicial, e alguns chegaram a ser arquivados quando ela foi publicada.

Cartão vermelho - iStock/BrianAJackson - iStock/BrianAJackson
Imagem: iStock/BrianAJackson

Temas recorrentes

No levantamento apresentado pelo “Anuário da Justiça”, aparecem como temas mais recorrentes nas leis inconstitucionais:

1. Não cumprimento de exigência de concurso para contratação de servidor

2. Criação de obrigações para o poder público

3. Criação de vantagens para servidores

Em entrevista ao UOL, o secretário-geral parlamentar da Câmara Municipal de São Paulo, Breno Gandelman, afirma que existem recursos variados e suficientes para evitar erros como os citados na reportagem. Comissões técnicas das Câmaras, dos partidos políticos e até mesmo de assistência aos prefeitos têm a responsabilidade de filtrar e corrigir os projetos de lei.

“Toda Câmara tem que ter uma comissão que avalia a legalidade e a constitucionalidade do projeto de lei”, ele diz. “Tanto é que, geralmente, a primeira comissão pela qual o projeto passa é essa. Se a Comissão de Justiça avaliar que existe inconstitucionalidade, o projeto já é arquivado.”

Segundo Gandelman, as leis podem ser consideradas inconstitucionais (em desacordo com a Constituição – estadual ou federal) ou ilegais (em desacordo com o código de leis municipais), assim como podem apresentar falhas em ambas as situações.

“Cada município tem a sua Lei Orgânica, que não deixa de ser uma Constituição municipal. Quando faz uma lei, o vereador deveria obedecer à Lei Orgânica do município, à Constituição Estadual e à Constituição Federal, que também são a base para as comissões”, afirma.

Às vezes, para fazer média com alguma categoria, projetos são apresentados no âmbito do legislativo, e isso não pode, tem que partir do prefeito.

Breno Gandelman, secretário-geral parlamentar da Câmara de São Paulo

Para assuntos (matérias) que gerem dúvidas sobre em que esfera devem ser discutidos e aprovados, é comum que o Tribunal de Justiça, por exemplo, tenha que opinar. Mas há temas para os quais a competência é mais óbvia, como a segurança pública.

“Sabemos que é uma matéria estadual. Às vezes, pode acontecer de o político já ter sido deputado ou ligado a uma corporação militar, e ele insiste nessa temática, que não é da cidade. Ele é capaz de fazer um projeto que realmente seja de âmbito estadual, afrontando a Constituição estadual e, indiretamente, a Constituição federal, que coloca a segurança como um tema próprio de Assembleia Legislativa, e não de Câmara de Vereadores.”

De forma geral, o que tem a ver com a administração deve partir do Executivo: salário de servidores públicos, estruturação das secretarias, criação de cargos, destinação de verbas e outros. Cabe ao Legislativo aprovar ou não, mas nunca propor a lei nessas áreas.