Topo

"Nas roupas, vejo dias melhores para meus filhos", diz lavadeira da PB mãe de 6 filhos

Lúcia Ferreira, mãe de seis filhos, trabalha como lavadeira: "Nas roupas, enxergo oportunidade de dias melhores para meus filhos" - Colaboração para o UOL
Lúcia Ferreira, mãe de seis filhos, trabalha como lavadeira: "Nas roupas, enxergo oportunidade de dias melhores para meus filhos" Imagem: Colaboração para o UOL

Colaboração para o UOL, em João Pessoa

15/03/2017 04h00

O dia começa a clarear e a aposentada Maria de Lourdes Oliveira, 76, já está pronta para sair. Depois de um café rápido, coloca a trouxa de roupas na cabeça e caminha até a lavanderia da comunidade onde mora, em João Pessoa (PB). A rotina, que parece cansativa, é repetida por Lourdes há pelo menos 40 anos, desde que lavava roupas em outra lavanderia, menos estruturada que a atual. 

Viúva, Lourdes mora com o filho, a nora e um neto. O dinheiro que recebe das lavagens de roupa serve para comprar o que não consegue com o da aposentadoria. O aspecto de cansaço que se vê no rosto de Lourdes enquanto ela passa cuidadosamente camisas de linho nada mais é que os sinais de quem já enfrentou “muita coisa nessa vida”. Entre uma roupa e outra, a aposentada pensa nas dificuldades, mas não desanima. Logo acima da bancada onde ela passa roupa, há duas imagens de santos católicos, que Lourdes não sabe dizer quais são. Mesmo assim, pede proteção. 
 
Pilha de roupas 1 - Colaboração para o UOL - Colaboração para o UOL
Pilha de roupas na Lavanderia Padre Hildon Bandeira
Imagem: Colaboração para o UOL
 
Lourdes é uma das lavadeiras mais antigas da Lavanderia Padre Hildon Bandeira, no bairro de Tambauzinho. Desde que o local foi reaberto, no ano de 2012, Lourdes marca presença de segunda a sábado. “Um dia que deixo de vir, deixo de ganhar meu dinheirinho”, afirma. É com esse dinheiro que ela tenta oferecer uma vida melhor à família. Bem melhor que a dela.
 
Diariamente, carrega roupas na cabeça e dores no coração. Ainda sofre pelas perdas do marido e de dois filhos. Talvez por isso, além da necessidade financeira, a aposentada não queira ficar em casa, sozinha. “Aqui eu me sinto feliz. Para que ficar em casa?” Tem uma clientela fiel, que, com o passar dos anos, foi indicando os serviços de Lourdes para outras pessoas. Hoje, ela conta com pelo menos quatro encomendas por semana. Cada uma ao preço médio de R$ 70.
 
Pilha 3 - Colaboração para o UOL - Colaboração para o UOL
Imagem: Colaboração para o UOL
 
Embora algumas mulheres tenham outra atividade, a maioria delas tem na lavagem de roupas a principal fonte de renda. Por isso, em períodos de chuva, elas lamentam. Sabem que uma coisa depende da outra. É o caso de Lúcia Ferreira, 42, mãe de seis filhos pequenos. Marido desempregado. Contas para pagar. 
 
Se nas roupas alguém vê sujeira, Lúcia enxerga esperança. “Nas roupas, enxergo oportunidade de dias melhores para meus filhos”, declara, tentando superar a timidez. “Quero que eles estudem para lá na frente ter uma vida confortável.”
 
Lúcia tem quatro clientes certos por semana, o que garante cerca de R$ 130 a cada trouxa de roupa que lava e passa. Ela conta que cada peça de roupa é tratada como se fosse única. “Sei que aqui nessas roupas está o sustento da minha casa, da minha família. Além disso, a dona da roupa espera receber de volta uma peça limpinha e cheirosa, por isso eu capricho”, destaca. 
 
Shirley Maria Gomes  - Colaboração para o UOL - Colaboração para o UOL
Shirley Maria Gomes passa roupa na Lavanderia Padre Hildon Bandeira
Imagem: Colaboração para o UOL
 

“Muita gente não entende minha escolha”

A habilidade de passar as roupas faz de Shirley Gomes uma pessoa admirada na lavanderia pública de João Pessoa. “Gosto de passar, não gosto de lavar. Muita gente não entende minha escolha, porque para a maioria passar roupa é mais difícil, eu acho mais prazeroso”, declara Shirley. Mãe de duas crianças, de 2 e de 6 anos, a história de Shirley na lavanderia começou há dez anos. Ela e a irmã, Shirlene, seguiram os passos da mãe, Maria José, também lavadeira. 
 
Shirley tem uma rotina puxada. Precisa cuidar dos filhos, da casa, ir para a lavanderia e ainda passar roupas em casas de clientes. “Às vezes, se não dá tempo de lavar tudo, eu troco com uma das mulheres daqui. Elas lavam pra mim e eu passo para elas - no fim, todas ficam felizes”, destaca. Além de encontrar um ambiente harmônico, as mulheres não gastam com energia e água. 
 
Já a irmã, Shirlene, chegou na lavanderia há dois anos. O ofício principal dela é florista, mas achou por bem, nas horas livres, seguir os passos da mãe e da minha irmã garantir um dinheiro extra. “Dinheiro nunca é demais, principalmente para quem é mãe de família. Aqui na lavanderia é muito bom, todas são amigas umas das outras”, afirma. 
 
Pilha 2 - Colaboração para o UOL - Colaboração para o UOL
Imagem: Colaboração para o UOL
 

Encomendas 

Desde que foi reaberta, em 2012, a Lavanderia Padre Hildon Bandeira, administrada pela Prefeitura de João Pessoa, movimenta a economia na comunidade de mesmo nome. A coordenadora do local, Claudenice Felipe, conta que são cadastradas 16 mulheres que lavam roupa para fora. São as chamadas “mulheres de ganho”. Essas podem frequentar a lavanderia de segunda a sábado. “Nas quartas, abrimos também para as outras mulheres da comunidade, que lavam as roupas da família”, frisa. 
 
A lavanderia conta com dez máquinas de lavar, sete tanquinhos, tábuas e ferros de passar. Material como sabão, amaciante e água sanitária é levado pelas próprias lavadeiras. O espaço tem ainda um tanque onde as mulheres lavam roupas a mão, quando os clientes exigem ou quando a peça é delicada demais para ser colocada na máquina. “Hoje conseguimos mudar a realidade dessas mulheres. A lavanderia se tornou não apenas uma fonte de renda, mas uma nova forma de ver a vida”, finaliza Claudenice.