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Ativistas criticam delegado e cobram apuração de morte a pauladas de trans em SC

A ativista transexual Jennifer Celia Henrique, que foi morta a pauladas no último dia 10 no bairro dos Ingleses, em Florianópolis - Reprodução/Facebook
A ativista transexual Jennifer Celia Henrique, que foi morta a pauladas no último dia 10 no bairro dos Ingleses, em Florianópolis Imagem: Reprodução/Facebook

Aline Torres

Colaboração para o UOL, em Florianópolis

19/03/2017 04h00

A ativista transexual Jennifer Celia Henrique, 38, foi morta a pauladas no último dia 10. Ela tinha ferimentos profundos, principalmente, na cabeça. O corpo foi encontrado pela Polícia Militar em uma obra inacabada em uma região movimentada pelo turismo, no bairro dos Ingleses, em Florianópolis.

Antes de iniciar a investigação, o delegado designado para o caso, Ênio de Oliveira Mattos, disse ao jornal local "Hora de Santa Catarina" que ela havia sido morta por ser "prostituta", que usava um "nome de guerra" e que o crime deveria ser cobrança por uma "transa mal acertada". Jenni, como era conhecida, não era profissional do sexo. Ela trabalhava revendendo cosméticos. Ele também chegou a dizer que Jenni era "um homem, não uma mulher".

As declarações revoltaram amigos e parentes e originaram protestos no final de semana do crime. Cerca de 70 pessoas, incluindo integrantes do movimento LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros), se manifestaram contra o assassinato brutal e criticaram a atitude do responsável pela investigação. A manifestação foi em frente ao Cemitério do Santinho, onde Jenni foi sepultada, e também em frente à delegacia do bairro dos Ingleses.

A ativista transexual Jennifer Celia Henrique, que foi morta a pauladas no último dia 10 no bairro dos Ingleses, em Florianópolis - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
Imagem: Reprodução/Facebook

Delegado é afastado

Sem se retratar, Oliveira Mattos foi substituído. A Polícia Civil nega que a mudança tenha tido relação com as falas do servidor. O delegado não foi repreendido nem passará por nenhum processo administrativo disciplinar pela conduta.

Seu superior, o diretor de polícia da Grande Florianópolis Verdi Furlanetto disse que “não cabe a polícia fazer qualquer investigação sobre a postura do delegado Ênio de Oliveira Mattos”.

Quem assumiu o caso foi o delegado Eduardo Matos. Ele disse já ter ouvido testemunhas e coletado imagens nas câmeras de monitoramento. O material está sob análise. Matos não descarta nenhuma hipótese como motivação do crime, podendo ter sido passional, motivo fútil ou homofobia; ainda não há suspeitos.

"Ódio que não cessa nem quando somos mortas"

Lirous K'yo Fonseca Ávila, presidente da ADEH (Associação em Defesa dos Direitos Humanos com Enfoque na Sexualidade), que atende há 24 anos transexuais no município, conhecia Jenni. Já haviam viajado diversas vezes pelo Brasil para congressos sobre violência relacionada ao gênero.

"O irônico é que, apesar de toda a brutalidade, Jennifer era ingênua. Ela acreditava na Justiça. Jamais poderia imaginar que sua morte seria desdenhada pelas autoridades", diz Ávila.

Jennifer já havia registrado dois boletins de ocorrência por agressões. Um foi em 2013, quando foi agredida na rua por desconhecidos até desmaiar, e outro no ano passado, contra um vizinho.

No BO, consta que "o autor costuma frequentar os mesmos lugares que ela e sempre tenta impedir a entrada da comunicante, xingando-a e expulsando-a, sendo que já chegou a agredi-la fisicamente".

"Não somos aceitas. Temos que viver escondidas. À noite, nas esquinas, de preferência. É tanto ódio que ele não cessa nem quando somos mortas. Somos corpos sem valor social. Tanto faz quem nos agrediu, quem se importa?", diz Ávila.

"Mesmo quando somos enterradas negam nossa existência e colocam nas lápides os nomes de registro. Diferentemente da maioria das trans, Jennifer conseguiu na Justiça o direito do próprio nome. Não vai ter que suportar a vergonha de ser renegada até no túmulo."

Seus pais, no entanto, ainda a chamam de João Geraldo. Jenni é a caçula de seis irmãos, filha de um pescador e de uma dona de casa. Com seu trabalho, ajudava financeiramente a família.

O delegado afastado não quis comentar o caso. A Secretaria de Segurança Pública nomeou Verdi Furlanetto como o porta-voz. Sua justificativa, no entanto, foi breve. Ele apenas disse que "a opinião do delegado não reflete a da Polícia Civil". O novo delegado explicou que não concorda com as declarações. Lirous, que foi ouvida por ele, o considerou “mais respeitoso”.

"Assassinam. Nos assassinam"

Diversos ativistas se posicionaram contra as difamações do delegado e em solidariedade a Jenni. Selma Light, uma das ativistas mais conhecidas de Florianópolis, disse que “Jenni merecia respeito, que era querida pela comunidade, trabalhadora e pacífica”.

Fabrizia Souza, também ativista, considerou a postura da polícia como um “escárnio final”. “O que me choca é que por mais brutal que seja o assassinato de uma trans, e eles seguem um padrão, que é o espancamento, não causa comoção. Na verdade gera até uma justificativa. Ela não era mulher, era um mutante, uma anomalia, merecia morrer”, lamenta. A cartunista Laerte publicou no seu Facebook: "Assassinam. Nos assassinam".

Durante os protestos, Dandara também foi lembrada. Um vídeo do dia 15 de fevereiro mostra o assassinato brutal da transexual, em Fortaleza. O crime se tornou um dos mais comentados do Brasil como o uso da hastag #pelavidadaspessoastrans. Segundo a Rede TransBrasil, que monitora os homicídios, desde Dandara, outras 16 trans foram mortas a facadas, tiros ou por espancamento.