Gêmeos separados há 40 anos se reencontram: 'A felicidade que faltava era ele'
A distância que separava os irmãos gêmeos Luciene Aparecida Alves e Luiz Fernando Alves era de apenas cinco minutos: o intervalo de tempo entre o nascimento dela, às 23h, e o dele, às 23h05 do dia 26 de abril de 1974, no hospital São Caetano, no município de São Caetano do Sul, no ABC paulista. Os cinco minutos, porém, viriam a se transformar num afastamento por muitos anos e até de país.
Foi assim até o início da madrugada desta quarta-feira (29), quando, pela primeira vez depois de cerca de 40 anos, conversaram pelo Skype: ela, de São Caetano, ele, de Portland (EUA).
"Foi emocionante, uma conversa muito boa. Eu sempre quis reencontrá-lo, mas nunca tive recursos para isso. O queixo dele é furadinho como o meu, o nariz, a frente da boca é igualzinha, não tem como não ser meu irmão gêmeo", reconheceu Luciene, hoje aos 42 anos de idade, ao ver a foto do irmão no perfil da conversa online.
"Você não sabe o que é passar a vida inteira sabendo que tem um irmão gêmeo e nunca encontrá-lo. Na escola, na rua, todo mundo perguntava: 'Você é gêmea, mas gêmea de quem? Cadê ele?'. E chegava aniversário, Natal, passava o tempo e nunca nada dele", descreve Luciene. "A gente que é gêmea tem uma ligação, mesmo sem entender isso direito."
Os gêmeos bivitelinos (que não vieram do mesmo embrião e podem ou não ser parecidos) são filhos de Lazara Alves dos Santos e não há registro do nome do pai, conforme consta das certidões de nascimento de ambos. A mãe era viúva e já tinha outros quatro filhos, quando os gêmeos vieram. Luiz nasceu, segundo contaram para a irmã, com um problema de saúde, um caroço nas costas, e a necessidade de cuidados médicos especiais. A família era pobre.
Um agravante era a relação difícil de Lazara com o álcool, feita de excessos. A soma dos fatores acabou resultando na perda da guarda do menino. "Os vizinhos acharam que ela não poderia ficar com ele, então fizeram um abaixo-assinado e levaram ao fórum", explica Luciene. Os outros cinco filhos continuaram com a mãe.
"Não culpo minha mãe. Ela foi boa, não abandonou nenhum dos filhos, nos criou sozinha, deu educação, sem um homem dentro de casa. Cresci sem um pai, sem meu irmão gêmeo, foi muito sofrimento para todos nós. Minha mãe chorava no dia de aniversário da gente."
Luciene, que trabalha como funcionária pública, conta que está casada há 17 anos, um "encontro feliz" que se deu logo após a morte da mãe, e diz não querer ter filhos por uma opção pessoal. "Deus colocou o Genival [o marido] na minha vida e não podia ter pessoa melhor do meu lado."
Mudança de mãe, de nome e de país
Depois de ser afastado da mãe, Luiz Fernando, o irmão gêmeo, foi primeiro morar em um orfanato. Depois foi adotado por uma norte-americana, chamada Linda Ann Wheeler, e teve seu nome formalmente alterado para Andy Wheeler.
Pela conversa com o irmão, Luciene diz acreditar que ele tenha se mudado para os Estados Unidos aos seis anos de idade, mas pode ser que tenha sido alguns anos mais tarde. Há relato de que a adoção do garoto foi concluída em 1985.
Luiz acabou por rejeitar o nome de Andy e optou por voltar a seu nome original. Vive com a mãe adotiva na cidade de Portland, no Estado do Oregon (EUA).
Ainda não se casou, não tem filhos e trabalha como assistente na cozinha do aeroporto local, segundo contou à irmã, em português, apesar da longa distância do Brasil: "um português meio enrolado", segundo Luciene descobriu.
Na conversa, quando questionada sobre como estava a família, a irmã teve de contar que dona Lazara havia morrido em 2002, de aneurisma cerebral. "Ele ficou muito triste porque tinha esperança de vê-la outra vez."
Mas projetou um futuro bom para si: uma família grande, com cinco filhos. Segundo a irmã, ele quer vir para o Brasil. "Daqui ele disse que se lembra do arroz, do feijão, do café e do Carnaval", sublinha. "Falei do calor que faz aqui, ele falou do frio, da neve de lá."
Com uma população de cerca de 600 mil habitantes, Portland fica no noroeste dos Estados Unidos, próximo à fronteira com o Canadá, onde as temperaturas caem, no inverno, muitas vezes abaixo de zero.
Uma busca de anos
Esse reencontro começou a se desenhar há cerca de 15 anos, em setembro de 2002, quando a estudante brasileira Márcia Regina Bernardi da Cunha foi fazer parte do seu doutorado nos Estados Unidos e se hospedou na casa de Andy, em Portland, que naquela ocasião já retomara o nome de Luiz.
O rapaz lhe revelou que era adotivo, nascera no Brasil e tinha família lá, incluindo uma irmã gêmea. Queria reencontrá-la. Márcia Regina, que vive em Itatiba, no interior de São Paulo, disse ter se sensibilizado com a história e tentado encontrar a irmã gêmea à época, mas sem sucesso. A história dele, contudo, ficou “dormindo” dentro dela por muitos anos, até dias atrás, quando despertou após ter sonhado com Luiz.
No último domingo (26), ela buscou "Luiz Fernando Alves e irmã gêmea" na internet, e o resultado terminou no site brasileiro Good Angels, que oferece serviço especializado e gratuito de localização de pessoas. A página de destino era a postagem de Luciene, de 25 de julho de 2008, pedindo ajuda exatamente para encontrar o irmão perdido. Pronto, as pontas da história se juntavam.
Márcia escreveu no Good Angels que conhecia e sabia onde estava o irmão. Assim relatou ela: "A história de vida de Luiz Fernando é muito comovente e meu sonho desde 2002 é ajudá-lo a encontrar sua família, coisa que ele quer muito e que já tentei, mas sozinha é impossível. Mas, há cerca de uma semana, parece que uma voz soprava em meu ouvido 'busque, busque', além de um sonho que tive nesta semana com Luiz Fernando. Assim, hoje digitei no Google 'Luiz Fernando Alves e irmã gêmea' e como resultado saiu o site do Good Angels e o nome de Luciene Aparecida Alves. Neste momento, comecei a tremer. Lendo os dados deixados por Luciene, tremia mais ainda, pois concluía que era irmã de Luiz Fernando".
Daí para a reconexão entre os irmãos foi uma questão de horas, mediada pela própria Márcia e o fundador do Good Angels, Walter Peceniski. Luciene diz ter compartilhado a boa-nova do irmão em sua página no Facebook e pessoas que têm parentes também desaparecidos lhe escreveram perguntando como tinha feito, cheias de esperança. Recebeu ainda muitos "parabéns" pela história "incrível".
Fé
"As pessoas não acreditam que histórias como essa aconteçam", aponta. "Mas nunca mais descreiam de nada. Eu coloquei a questão do meu irmão na mão de Deus, e Ele é fiel", diz, agradecendo a "bênção".
"A felicidade que faltava era o meu irmão gêmeo. O livro da minha vida estava em branco", conclui.
O telefone vai voltar a tocar nesta noite na casa da Luciene, conforme combinado. Adivinha quem é?
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