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Justiça decide que PMs devem ser julgados de novo pelo massacre do Carandiru

Corredor ficou alagado de sangue após a intervenção da PM no Carandiru em 1992 - 2.out.1992 - Niels Andreas/Folhapress
Corredor ficou alagado de sangue após a intervenção da PM no Carandiru em 1992 Imagem: 2.out.1992 - Niels Andreas/Folhapress

Mirthyani Bezerra

Do UOL, em São Paulo

11/04/2017 12h53Atualizada em 11/04/2017 14h49

Por quatro votos a um, os desembargadores do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) decidiram, nesta terça-feira (11), levar a novo julgamento os 74 policiais militares que haviam sido condenados pelas 111 mortes de detentos no massacre do Carandiru, ocorrido em outubro de 1992.

Os cinco desembargadores tinham de decidir hoje se aceitavam ou não os embargos infringentes (um tipo de recurso). Na prática, a decisão definiria se os réus seriam levados a novo julgamento ou se seriam absolvidos.

Isso porque, em setembro do ano passado, uma decisão unânime de três desembargadores da 4ª Câmara Criminal do TJ-SP anulou os julgamentos dos PMs.

Entre 2013 e 2014, em cinco julgamentos diferentes, os 74 PMs foram condenados. Em todos eles, o júri votou pela condenação dos réus. As penas variaram entre 48 e 624 anos de prisão. Como a defesa recorreu da decisão, nenhum policial foi preso.

No ano passado, três desembargadores anularam os cinco julgamentos por considerarem que não há provas que demonstrem quais foram os crimes cometidos por cada um dos PMs condenados.

Mas apenas um deles, o desembargador Ivan Sartori, além de votar pela anulação do julgamento, também pediu a absolvição de todos os 74 réus, baseando-se na absolvição de três policiais militares durante um dos julgamentos.

Na ocasião, Sartori declarou que não houve massacre, o que gerou muitas críticas. "Não houve massacre. Houve obediência hierárquica. Houve legítima defesa. Houve estrito cumprimento do deve legal. Agora, não nego que, dentre eles, possa ter existido algum assassino."

Como não houve consenso sobre a absolvição, o TJ-SP precisou decidir se todos os policiais seriam absolvidos ou se deveriam passar por novo julgamento.

Com a decisão desta terça, o processo volta para 2º Tribunal do Júri da capital paulista. Novos júris serão formados. Não há previsão de quando isso deve acontecer.

"Recebi até ameaças de morte", diz desembargador

"Só o júri pode absolver ou condenar. Absolver aqui não é de praxe", afirmou o relator do processo, o desembargador Luis Soares de Mello Neto, ao proferir seu voto a favor de um novo julgamento, nesta terça-feira.

O relator foi seguido pelos desembargadores Euvaldo Chaib Filho, Camilo Léllis dos Santos Almeida e Edison Aparecido Brandão. O único a votar contra foi Sartori. Ele afirmou ter sofrido ataques após defender a absolvição dos réus.

ivan sartori - Eduardo Anizelli/Folhapress - Eduardo Anizelli/Folhapress
Ivan Sartori foi o único a votar pela absolvição dos PMs
Imagem: Eduardo Anizelli/Folhapress

"As críticas são bem-vindas, mas recebi até ameaças de morte. Tenho 36 anos de magistratura e não me curvo a pressões externas, sou independente, julgo de acordo com as minhas convicções", afirmou enquanto lia o seu voto para os demais desembargadores.

Três PMs absolvidos

O principal argumento de Sartori é que os 74 PMs não poderiam ser condenados porque três policiais militares acusados pelo mesmo crime foram absolvidos. “Os três absolvidos falaram que efetuaram disparos. Não há nos autos algo que justifique a condenação. Então qual o parâmetro se eles, assim como os outros, afirmaram que estavam no local e efetuaram os disparos?”, disse ao defender a isonomia para réus acusados nas mesmas condições.

“O PM pediu a absolvição dos três porque eles estavam em condições específicas. É preciso individualizar. Quem fazia parte da tropa do canil efetuou disparos mas não contra os presos e sim contra as barricadas, e o fez em uma escadaria. O MP considerou não pedir a mesma condenação que os demais”, disse procuradora criminal Sandra Jardim, que representa a acusação.

“Quando alguém atinge um magistrado atinge a todos nós"

Apesar de ter votado diferente de Sartori, Mello saiu em defensa do magistrado, citando a evidência do judiciário dada pela Operação Lava Jato e a "censura moral" sofrida pelo desembargador após a decisão.

"O judiciário está em evidência, também por causa da Lava Jato. Com isso, nasceram vários juristas, os juristas médicos, os juristas engenheiros, os juristas estudantes e especialmente os juristas da imprensa. É cada pataquada que se escuta desses juristas de plantão", criticou.

E acrescentou: “quando alguém atinge um magistrado atinge a todos nós. Houve uma censura moral injusta, inclusive aqui dentro por algo que ele julgou, pelo caminho que seguiu. Temos vários caminhos a seguir e nenhum magistrado pode ser intimidado por isso”.

Sandra Jardim afirmou estar “feliz em parte” com o resultado da votação e disse ainda que o MP (Ministério Público) não pode se contrapor à decisão da 4ª Câmara Criminal do TJ-SP.

"Estou feliz por um lado, porque esse resultado é melhor do que a absolvição. O MP [Ministério Público] entende que os fatos foram julgados, analisados e os jurados entenderam que era para condenar os 74 [PMs]. Essa é a sabedoria do júri pleno, a decisão soberana do júri", declarou.

A advogada Ieda Ribeiro de Souza, responsável pela defesa dos policiais militares, afirmou que vai recorrer da decisão. “Vamos às cortes superiores para defender a extensão da absolvição”, disse.

O Ministério Público já havia entrado com recursos no STF (Supremo Tribunal Federal) e no STJ (Superior Tribunal de Justiça), em dezembro do ano passado, contra a anulação do julgamento, argumentando que houve violação do princípio constitucional que garante a soberania do júri popular.

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Bandnews