'Olha a idade que estou hoje', diz mulher de 66 anos que está há 30 na fila por casa própria
Quando se cadastrou na Cohab (Companhia Metropolitana de Habitação) para poder comprar um imóvel popular em São Paulo, Nilmar do Carmo Dias tinha 37 anos e era casada. Ela se lembra de ter enfrentado uma fila na rua São Bento (centro da cidade), onde o atendimento era feito na época, que virava o quarteirão.
“Me mandaram uma cartinha, com um cartãozinho, como se fosse o desenho de uma casa, e fiquei aguardando”, diz.
Isso aconteceu em outubro de 1987, 30 anos atrás. Mas até hoje, aos 66 anos de idade, ela paga aluguel.
“Em 2008, fiquei viúva, voltei lá e renovei o cadastro. Eles me disseram para aguardar porque iam me chamar. E até hoje não me chamaram.”
Nilmar já passou quase metade da vida na lista de “demanda habitacional”, mas nunca recebeu uma explicação sobre o motivo para ainda não ter sido beneficiada pelo programa de moradia.
“Você esperar 30 anos por uma moradia e a pessoa não te dar uma satisfação, não é fácil. Eu acho injustiça. Quando eu fiz essa inscrição, eu era jovem. Olha a idade que eu estou hoje”, diz. “Eu fiz a inscrição para pagar [pelo imóvel], não é grátis. Eles têm que ver que nós não estamos pedindo nada de graça.”
Sem filhos, sua fonte de renda é o salário mínimo que recebe de aposentadoria. Gasta R$ 542 de aluguel para morar em Itaquera, na zona leste de São Paulo, e faz bicos para cobrir o que falta. "Passo uma roupa, faço doces e salgados para vender..."
Sem condições de dar entrada em um financiamento na planta --que geralmente é mais barato--, pagar aluguel e ainda se manter, sua preocupação é ao pensar no que fazer quando o corpo não aguentar mais fazer faxina.
Hoje ainda posso trabalhar, mas vai chegar uma hora que não vou aguentar
Nilmar do Carmo Dias, sobre como vai pagar o aluguel no futuro
Mãe de 5 filhos reclama de atendimento
Inscrita na Cohab há quase dez anos, desde outubro de 2007, Mônica Sueli Costa da Silva, 40, diz que já perdeu as contas do número de vezes que precisou mudar de endereço por causa do valor do aluguel. Mãe de cinco filhos (quatro são menores de idade), ela sustenta a casa sozinha com a renda de auxiliar de enfermagem autônoma.
“Já fui na Cohab, não só uma vez, fui várias vezes. Eles não atendem, te maltratam na porta, falta educação com a gente. Parece que a gente está ali pedindo um favor para eles, e não é um favor”, reclama.
“A gente quer informação: por que não nos chamam? Tem pessoas que têm inscrições novas, de dois ou três anos, e já ganharam seus imóveis”, diz sobre o longo tempo de espera para ter direito a um apartamento.
Para a auxiliar de enfermagem, os programas habitacionais falham com aqueles que não podem comprovar renda formalmente, caso dos autônomos, mas que têm condições de honrar um financiamento popular.
A sensação é de humilhação. É frustrante. Você se sente excluída da sociedade
Mônica Sueli Costa da Silva, que espera há dez anos por uma casa própria
Assim como elas, muita gente espera pela chance de ter o imóvel próprio. De acordo com a Cohab, ligada à Prefeitura de São Paulo, são 107.518 pessoas cadastradas na capital.
Golpe levou mais de R$ 10 mil
Mônica afirma que, antes de fazer o cadastro na Cohab, tinha sido vítima de um golpe em um apartamento da CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano), ligada ao governo do Estado. Dizendo ser o dono do imóvel, que estava desocupado, um golpista (ou “invasor”) o vendeu para a família dela e desapareceu em seguida com o dinheiro.
“Quando a gente descobriu, faltava dar a última parcela para essa pessoa. Fizemos em sete parcelas de R$ 1.700. Isso foi em 2004. E esse dinheiro eu não recuperei. A pessoa sumiu e a gente descobriu que ele era estelionatário”, lamenta.
Desempregada na época, ela pediu ajuda para a mãe, que fez um empréstimo bancário para pagar as prestações do apartamento.
Mônica morou no local por nove anos e tentou negociar a regularização com a CDHU, mas não houve acordo e ela foi obrigada a sair.
A gente vai pulando aqui e ali, e quando não dá para pagar, você sai, porque o aluguel acaba sendo o preço de um apartamento particular
Mônica Sueli Costa da Silva, autônoma
A esperança passou a ser a inscrição na Cohab, de quem nunca recebeu retorno.
“A Cohab não é para todos. Acho que eles selecionam para quem realmente são os programas sociais. Tem muitas pessoas [beneficiadas] que não precisam. Eu conheço pessoas que estão nesses programas, que ganham esses apartamentos, vendem, entram no programa de novo, e a gente vai ficando para trás.”
Sonhava com casa e vive de favor na sogra
Aos 20 anos de idade, Priscilla ainda morava na casa da mãe quando fez o cadastro na Cohab. Queria se programar para quando estivesse casada e, assim, ter seu lar.
O tempo foi passando, ela se casou, teve três filhos e, aos 38 anos, vive em um cômodo cedido pela sogra. O marido trabalha como garçom e ela cuida dos filhos.
“Ajudamos com despesa de água e luz. Se tivesse que pagar aluguel, hoje não dá. Está muito difícil, porque só ele trabalha, mas o dinheiro não está rendendo”, afirma.
A inscrição foi feita em 1999, mas o site da Cohab indica uma data do início de 2008, quando ela possivelmente fez uma atualização.
“A burocracia em si já fala tudo. Colocam um monte de obstáculos para a gente ter essa dificuldade de conseguir algo nosso. A gente fica à mercê do sistema. Eu queria uma solução e uma resposta. É isso que deixa a gente revoltado."
Resposta da Cohab
A Cohab informou que, atualmente, “não possui imóveis disponíveis para entrega devido à desaceleração no ritmo de construção ocorrida nos últimos anos” e que hoje tem “107.518 cadastros habilitados a participar do processo de seleção, que é realizada eletronicamente de acordo com os critérios exigidos para cada programa ou unidade habitacional”.
De acordo com a companhia, para ser considerado “habilitado”, o inscrito deve atualizar seus dados anualmente ou sempre que houver alguma alteração nas informações declaradas, “como endereço, renda ou composição familiar”. Chega a 1,3 milhão o total de cadastros já feitos na Cohab.
A companhia atende demandas de programas do município de São Paulo, tem parcerias com o governo do Estado (convênio com a CDHU) e com o governo federal (Minha Casa, Minha Vida).
Sobre a situação das três entrevistadas pela reportagem do UOL, a Cohab disse que não é possível informar em detalhes por que a espera pelo atendimento é tão longa, mas que, de forma geral, um dos motivos é a alta demanda por imóveis.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.