Topo

'Olha a idade que estou hoje', diz mulher de 66 anos que está há 30 na fila por casa própria

Conjunto habitacional em Itaquera, zona leste de São Paulo - Danilo Verpa/Folhapress
Conjunto habitacional em Itaquera, zona leste de São Paulo Imagem: Danilo Verpa/Folhapress

Gabriela Fujita

Do UOL, em São Paulo

02/05/2017 04h00

Quando se cadastrou na Cohab (Companhia Metropolitana de Habitação) para poder comprar um imóvel popular em São Paulo, Nilmar do Carmo Dias tinha 37 anos e era casada. Ela se lembra de ter enfrentado uma fila na rua São Bento (centro da cidade), onde o atendimento era feito na época, que virava o quarteirão.

“Me mandaram uma cartinha, com um cartãozinho, como se fosse o desenho de uma casa, e fiquei aguardando”, diz.

Isso aconteceu em outubro de 1987, 30 anos atrás. Mas até hoje, aos 66 anos de idade, ela paga aluguel.

“Em 2008, fiquei viúva, voltei lá e renovei o cadastro. Eles me disseram para aguardar porque iam me chamar. E até hoje não me chamaram.”

Nilmar do Carmo Dias, 66, espera há 30 anos na fila da Cohab de São Paulo - Gabriela Fujita/UOL - Gabriela Fujita/UOL
Nilmar do Carmo Dias, 66, espera há 30 anos na fila da Cohab de São Paulo
Imagem: Gabriela Fujita/UOL

Nilmar já passou quase metade da vida na lista de “demanda habitacional”, mas nunca recebeu uma explicação sobre o motivo para ainda não ter sido beneficiada pelo programa de moradia.

“Você esperar 30 anos por uma moradia e a pessoa não te dar uma satisfação, não é fácil. Eu acho injustiça. Quando eu fiz essa inscrição, eu era jovem. Olha a idade que eu estou hoje”, diz. “Eu fiz a inscrição para pagar [pelo imóvel], não é grátis. Eles têm que ver que nós não estamos pedindo nada de graça.”

Sem filhos, sua fonte de renda é o salário mínimo que recebe de aposentadoria. Gasta R$ 542 de aluguel para morar em Itaquera, na zona leste de São Paulo, e faz bicos para cobrir o que falta. "Passo uma roupa, faço doces e salgados para vender..."

Sem condições de dar entrada em um financiamento na planta --que geralmente é mais barato--, pagar aluguel e ainda se manter, sua preocupação é ao pensar no que fazer quando o corpo não aguentar mais fazer faxina.

Hoje ainda posso trabalhar, mas vai chegar uma hora que não vou aguentar

Nilmar do Carmo Dias, sobre como vai pagar o aluguel no futuro

Mãe de 5 filhos reclama de atendimento

Inscrita na Cohab há quase dez anos, desde outubro de 2007, Mônica Sueli Costa da Silva, 40, diz que já perdeu as contas do número de vezes que precisou mudar de endereço por causa do valor do aluguel. Mãe de cinco filhos (quatro são menores de idade), ela sustenta a casa sozinha com a renda de auxiliar de enfermagem autônoma.

Mônica Sueli Costa da Silva, 40, auxiliar de enfermagem, espera na lista da Cohab de São Paulo desde 2007 - Gabriela Fujita/UOL - Gabriela Fujita/UOL
Mônica Sueli Costa da Silva, 40, espera na lista da Cohab de São Paulo desde 2007
Imagem: Gabriela Fujita/UOL

“Já fui na Cohab, não só uma vez, fui várias vezes. Eles não atendem, te maltratam na porta, falta educação com a gente. Parece que a gente está ali pedindo um favor para eles, e não é um favor”, reclama.

“A gente quer informação: por que não nos chamam? Tem pessoas que têm inscrições novas, de dois ou três anos, e já ganharam seus imóveis”, diz sobre o longo tempo de espera para ter direito a um apartamento.

Para a auxiliar de enfermagem, os programas habitacionais falham com aqueles que não podem comprovar renda formalmente, caso dos autônomos, mas que têm condições de honrar um financiamento popular.

A sensação é de humilhação. É frustrante. Você se sente excluída da sociedade

Mônica Sueli Costa da Silva, que espera há dez anos por uma casa própria

Assim como elas, muita gente espera pela chance de ter o imóvel próprio. De acordo com a Cohab, ligada à Prefeitura de São Paulo, são 107.518 pessoas cadastradas na capital.

Golpe levou mais de R$ 10 mil

Mônica afirma que, antes de fazer o cadastro na Cohab, tinha sido vítima de um golpe em um apartamento da CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano), ligada ao governo do Estado. Dizendo ser o dono do imóvel, que estava desocupado, um golpista (ou “invasor”) o vendeu para a família dela e desapareceu em seguida com o dinheiro.

“Quando a gente descobriu, faltava dar a última parcela para essa pessoa. Fizemos em sete parcelas de R$ 1.700. Isso foi em 2004. E esse dinheiro eu não recuperei. A pessoa sumiu e a gente descobriu que ele era estelionatário”, lamenta.

Desempregada na época, ela pediu ajuda para a mãe, que fez um empréstimo bancário para pagar as prestações do apartamento.

Mônica morou no local por nove anos e tentou negociar a regularização com a CDHU, mas não houve acordo e ela foi obrigada a sair.

A gente vai pulando aqui e ali, e quando não dá para pagar, você sai, porque o aluguel acaba sendo o preço de um apartamento particular

Mônica Sueli Costa da Silva, autônoma

A esperança passou a ser a inscrição na Cohab, de quem nunca recebeu retorno.

“A Cohab não é para todos. Acho que eles selecionam para quem realmente são os programas sociais. Tem muitas pessoas [beneficiadas] que não precisam. Eu conheço pessoas que estão nesses programas, que ganham esses apartamentos, vendem, entram no programa de novo, e a gente vai ficando para trás.”

Sonhava com casa e vive de favor na sogra

Aos 20 anos de idade, Priscilla ainda morava na casa da mãe quando fez o cadastro na Cohab. Queria se programar para quando estivesse casada e, assim, ter seu lar.

Priscilla Portela Lopes, 38, espera na fila da Cohab de São Paulo desde 1999 - Gabriela Fujita/UOL - Gabriela Fujita/UOL
Priscilla Portela Lopes, 38, espera na fila da Cohab de São Paulo desde 1999
Imagem: Gabriela Fujita/UOL

O tempo foi passando, ela se casou, teve três filhos e, aos 38 anos, vive em um cômodo cedido pela sogra. O marido trabalha como garçom e ela cuida dos filhos.

“Ajudamos com despesa de água e luz. Se tivesse que pagar aluguel, hoje não dá. Está muito difícil, porque só ele trabalha, mas o dinheiro não está rendendo”, afirma.

A inscrição foi feita em 1999, mas o site da Cohab indica uma data do início de 2008, quando ela possivelmente fez uma atualização.

“A burocracia em si já fala tudo. Colocam um monte de obstáculos para a gente ter essa dificuldade de conseguir algo nosso. A gente fica à mercê do sistema. Eu queria uma solução e uma resposta. É isso que deixa a gente revoltado."

Lista de demanda habitacional da Cohab de São Paulo mostra nomes de inscritos que ainda não têm casa própria - Arte UOL - Arte UOL
Entrevistadas pelo UOL têm cadastro ativo, segundo o site da Cohab de São Paulo
Imagem: Arte UOL

Resposta da Cohab

A Cohab informou que, atualmente, “não possui imóveis disponíveis para entrega devido à desaceleração no ritmo de construção ocorrida nos últimos anos” e que hoje tem “107.518 cadastros habilitados a participar do processo de seleção, que é realizada eletronicamente de acordo com os critérios exigidos para cada programa ou unidade habitacional”.

De acordo com a companhia, para ser considerado “habilitado”, o inscrito deve atualizar seus dados anualmente ou sempre que houver alguma alteração nas informações declaradas, “como endereço, renda ou composição familiar”. Chega a 1,3 milhão o total de cadastros já feitos na Cohab.

A companhia atende demandas de programas do município de São Paulo, tem parcerias com o governo do Estado (convênio com a CDHU) e com o governo federal (Minha Casa, Minha Vida).

Sobre a situação das três entrevistadas pela reportagem do UOL, a Cohab disse que não é possível informar em detalhes por que a espera pelo atendimento é tão longa, mas que, de forma geral, um dos motivos é a alta demanda por imóveis.

Da esq. para a dir.: Mônica, Nilmar e Priscilla, que esperam há anos por um imóvel - Gabriela Fujita/UOL - Gabriela Fujita/UOL
Da esq. para a dir.: Mônica, Nilmar e Priscilla, que esperam há anos por um imóvel
Imagem: Gabriela Fujita/UOL

Segundo a Cohab, somente quando os imóveis são disponibilizados para a entrega, os cadastrados são analisados e então se verifica se o interessado está socioeconomicamente apto a participar da seleção. “O preenchimento da ficha de demanda não obriga ou garante o atendimento por parte da Cohab-SP.”
 
Ter ficado muito tempo com o cadastro desatualizado, por exemplo, pode ter algum efeito no tempo de espera, mas existem vários critérios de avaliação, que variam de programa para programa. A Cohab informou que eles estão disponíveis para consulta em seu site.
 
Para 2017, deve ser iniciada a construção de 11.626 unidades habitacionais, por meio do programa Minha Casa, Minha Vida, e de mais 9.197 em 2018. Em toda a sua existência, a Cohab entregou cerca de 250 mil unidades habitacionais.