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Juiz autoriza retirada à força de usuários de drogas em SP para internação compulsória

24.mai.2017 - Usuários de droga ocupam a Praça Princesa Isabel, na região central, depois da desocupação da Cracolândia - Bruno Santos/ Folhapress
24.mai.2017 - Usuários de droga ocupam a Praça Princesa Isabel, na região central, depois da desocupação da Cracolândia Imagem: Bruno Santos/ Folhapress

Janaina Garcia

Do UOL, em São Paulo*

26/05/2017 19h04Atualizada em 26/05/2017 21h45

A Justiça de São Paulo concedeu autorização liminar à Prefeitura da capital para retirar à força dependentes químicos que vaguem pelas ruas da cidade. O despacho do juiz Emílio Neto atendeu o pedido de tutela de urgência da administração para que agentes públicos façam "busca e apreensão" dos usuários e os encaminhem para avaliação de uma equipe multidisciplinar e consequentemente, em casos extremos, a uma internação compulsória. A decisão sobre a hospitalização, no entanto, ainda caberá a um juiz, conforme prevê o artigo 6º da lei federal 10.216, de 2001.

Pelo trecho, a internação psiquiátrica "somente será realizada mediante laudo médico circunstanciado que caracterize os seus motivos". O parágrafo único do artigo considera como tipos de internação psiquiátrica a "internação voluntária: aquela que se dá com o consentimento do usuário", a "internação involuntária: aquela que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro"; e a "internação compulsória: aquela determinada pela Justiça." Com isso, os usuários poderão ser conduzidos à força por agentes de saúde e do serviço social com acompanhamento da GCM (Guarda Civil Metropolitana).

O pedido foi feito na quarta-feira (24) pela Procuradoria-Geral do Município três dias após a operação policial que prendeu traficantes na Cracolândia e dispersou os dependentes químicos na região.

No pedido formulado pela Procuradoria, era requerida a tutela de urgência "para busca e apreensão de pessoas em situação de drogadição com a finalidade de avaliação pelas equipes multidisciplinares (social, médica, assistencial) e, preenchidos os requisitos legais, internação compulsória".

Na petição protocolada na última quarta, a Procuradoria lembra que as operações policiais realizadas no último domingo (21) na região da cracolândia dispersaram os dependentes por ruas paralelas à rua Helvetia, onde ficava a concentração maior de usuários. O texto diz que o acesso para assistência a esses dependentes, dado seu grau de vício, é praticamente impossível. "Os novos “FLUXOS” impedem qualquer aproximação assistencial, mesmo porque o domínio desses locais continua com os traficantes. Se antes a venda de drogas possuía um ponto fixo, agora as “bocas de fumo” encontram-se flutuantes", diz o texto.

O pedido conclui que o atual estado de saúde dos viciados os impede de recorrer espontaneamente a um tratamento e deixa como última alternativa a internação compulsória, isto é, o envio à força do cidadão para uma equipe de médicos e assistentes sociais que fazem uma avaliação e encaminham, à Justiça, a necessidade de hospitalização.

"Ocorre, porém, que devido a total impossibilidade de se conduzir por vontade própria, considerada a situação extrema de drogadição, as pessoas que se encontram em dependência química e frequentam o local vêm sendo cooptadas por novos “FLUXOS”, nas ruas laterais da intervenção policial realizada", informa o documento. "Talvez seja necessário e providencial a internação compulsória que pode ser realizada nas hipóteses extremas, nos termos da Lei federal nº 10.216/01".

A decisão do juiz Emílio Neto contraria posicionamentos do Ministério Público de São Paulo e da Defensoria Pública do Estado, que haviam se manifestado ao juiz, nessa quinta-feira (25), contrariamente ao pedido do Município. O MP está analisando o teor da sentença, de acordo com a assessoria de imprensa, mas já adiantou que vai recorrer. A Defensoria informou que também apresentará recurso.

Por meio da assessoria do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo), o magistrado informou que não daria detalhes sobre a sentença porque o processo corre sob segredo de justiça. "A 7ª Vara da Fazenda Pública deferiu o pedido da Prefeitura. Como o processo está em segredo de Justiça, apenas as partes têm acesso ao teor da decisão", resumiu o TJ.

Em documento assinado por um colegiado de promotores das áreas de saúde pública, infância e adolescência e direitos humanos, o MP defendeu ontem que o pedido da Prefeitura deveria ser negado sob o risco de, em decisão contrária, se promover “o caos” na cidade. Para a promotoria, a proposta de internação compulsória em massa, além de vaga e genérica, equivaleria a uma espécie de “caçada humana sem precedentes”.

“O pedido é de tal forma amplo que, em tese, qualquer pessoa da cidade, tida pelos agentes públicos como ‘em situação de drogadição’, poderia ser conduzida para avaliação médica. A Municipalidade faz um pedido de tal forma abrangente que coloca em risco todos os moradores de nossa cidade”, informou trecho da manifestação.

A administração se manifestou sobre a decisão por meio de nota da Secretaria de Comunicação da Prefeitura: "O pedido de liminar da Prefeitura de São Paulo foi deferido, permitindo a abordagem individualizada dos dependentes químicos, inicialmente por um prazo de 30 dias. O juiz decretou segredo de justiça. A Prefeitura reitera que este é um instrumento a ser utilizado em última instância e com total respeito aos direitos humanos", finalizou a pasta.

Decisão "é mais uma violência", diz antropóloga ativista

Para a antropóloga Roberta Costa, 30, ativista há cinco anos da ONG "A Craco Resiste" --que lida com usuários da cracolândia --, a decisão judicial representa um retrocesso no trabalho social com os dependentes químicos.

"Essa é a iminência de mais um absurdo da gestão Doria --porque a intervenção militar com polícias e GCM [Guarda Civil Metropolitana] já foi um absurdo, domingo e segunda", avaliou. "Querem fazer higienismo pessoal, quando, na verdade, quem está na rua e no crack o faz por várias situações. A ação policial já foi uma violência, e agora essa decisão da Justiça será mais uma violência", lamentou.

Fazem parte da ONG desde moradores de rua a profissionais autônomos como médicos, psicólogos, advogados e antropólogos.

Para Luis Fernando Prudente do Amaral, professor do Instituto de Direito Público de São Paulo (IDP), a liminar é "uma decisão equivocada do ponto direito civil e constitucional". Prudente do Amaral classifica o pedido feito pela gestão Dória como "um pedido genérico de internação compulsória que nega todos os preceitos de interdição de um indivíduo" e que a medida é "absurda e arbitrária".

O professor acrescenta que "não existe possibilidade ou regulamentação de interdição administrativa como foi feito nessa decisão" e que "o processo de internação deve passar por um processo judicial e pela aferição do grau de capacitação individual". Para ele, entidades médicas e outras envolvidas com o tratamento de usuários de drogas "devem se manifestar, porque é um retrocesso em medida de tratamento de dependentes".

Em nota, o Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo) não comentou a decisão desta sexta-feira, apenas orientou seus psiquiatras a continuarem fundamentando "minuciosa e individualmente" suas decisões em caso de sugestão de internação compulsória encaminhados à Justiça.

"Cracolândia física"

Na última quinta (25), o prefeito João Doria (PSDB) minimizou, em entrevista coletiva, as declarações do MP sobre suposta "caçada humana". "Há um excesso na linguagem do promotor --que é uma boa pessoa. Mas não é uma colocação razoável a um promotor", reagiu o prefeito, para quem isso "não inibe nossa relação e a altivez com que ela vai prosseguir".

Segundo a Secretaria de Saúde do município, “não há nenhuma ação da Prefeitura no sentido de internação em massa, muito menos ‘caçada humana’, como afirmam os promotores. Prova disto é a implantação de um Centro de Apoio Psicossocial no local, a partir de sexta-feira, com dois psiquiatras de plantão, que irá atender a maior parte da demanda”, diz a pasta, via assessoria.

* Com colaboração de Saulo Lourenço