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Nova decisão proíbe gestão Doria de retirar usuários de drogas das ruas à força

Após ação policial, nova cracolândia ocupa a praça Princesa Isabel - Bruno Santos/ Folhapress
Após ação policial, nova cracolândia ocupa a praça Princesa Isabel Imagem: Bruno Santos/ Folhapress

Janaina Garcia

Do UOL, em São Paulo

30/05/2017 10h53Atualizada em 30/05/2017 13h25

O desembargador da 13ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, Borelli Thomaz, confirmou e reforçou nesta terça-feira (30) decisão do último domingo (28) que proíbe a Prefeitura de São Paulo de retirar usuários de crack das ruas, à força, para que sejam avaliados e submetidos –ainda que sob autorização da Justiça– a uma eventual internação compulsória. A Prefeitura adiantou que vai recorrer.

A decisão de hoje, monocrática, corrobora a de domingo, assinada pelo desembargador Reinaldo Miluzzi, do TJ, mas em regime de plantão, e extingue o pedido de tutela de urgência formulado semana passada. O despacho novamente atendeu pedidos do Ministério Público e da Defensoria Pública do Estado para barrar liminar de primeira instância que autorizava remoções compulsórias de dependentes químicos para avaliação médica.

O desembargador Borelli Thomaz extinguiu a ação da prefeitura ao alegar que o pedido feito pelo município não tem relação com a ação civil pública de 2012, à qual foi anexada.

Para o relator do processo na 13ª Câmara, "o Município não tem legitimidade para compor o polo passivo daquela ação", além de haver "igualmente dúvida quanto à correlação entre o pedido e a causa de pedir entre este incidente processual e a ação principal e, portanto, a respeito da conexão entre ambos."

Uma vez protocolado o recurso do Município, após a notificação sobre a decisão de hoje, quem analisará a medida, segundo o TJ, será o pleno da 13ª Câmara -- composto por cinco desembargadores. As sessões do colegiado costumam ser às quartas-feiras.

Pedido da prefeitura era "esdrúxulo", segundo MP

Na semana passada, em entrevista coletiva na qual classificaram a tentativa de remoção compulsória das ruas de "caçada humana sem precedentes", os promotores que pediram à Justiça que negasse o pedido da prefeitura questionaram a participação do município nesse processo.

Isso porque a ação em que a administração municipal pediu a tutela, de 2012, fora apresentada pela promotoria contra o Estado por conta de repressão policial contra usuários da região. À época, a repressão causou uma espécie de descentralização da cracolândia do centro, na região da Luz, para concentrações menores e mais dispersas de usuários em outras localidades de São Paulo.

“Esse pedido da prefeitura foi feito em uma ação nossa, de 2012, que tinha por objetivo, liminarmente, impedir que a PM tratasse os usuários de forma ilegal; além disso, se pedia que o Estado reparasse os danos causados na ocasião”, afirmou o promotor Arthur Pinto, de Saúde Pública, na ocasião.

“A prefeitura saltou agora no meio dessa ação e fez um pedido contrário ao objeto da ação, com um pedido contra o autor”, disse. “Foi o pedido mais esdrúxulo que vi em toda a minha carreira; é uma caçada humana que não tem paralelo na história do Brasil e do mundo”, criticou o promotor.

Na decisão expedida hoje, o desembargador reconheceu o pleito da Promotoria sobre o assunto.

"Vai-se a esse objeto e lá está o pedido, colhido na petição inicial da ação: a condenação do requerido na obrigação de não fazer consistente em determinar ao Comando da Polícia Militar de abster-se de empregar ações que ensejem situação vexatória, degradante ou desrespeitosa em face do usuário de substância entorpecente, especialmente, cessando qualquer ação tendente a impedi-los de permanecer em logradouros públicos ou constrange-los a se movimentarem, isoladamente ou em grupo, salvo se houve situação de flagrante delito, sob pena de multa. Ainda, a condenação do requerido a indenizar as pessoas submetidas à operação policial realizadas nas ruas do bairros da Luz, Campos Elíseos e Santa Efigênia, a partir de 3 de janeiro de 2012, e a população total da cidade de São Paulo, por danos morais individuais homogêneos e coletivos, no valor mínimo de R$ 40 milhões", elencou Borelli.

Ele destacou ainda que, na ocasião, requereu-se que a Polícia Militar "se abstenha imediatamente de empregar ações que ensejem situação vexatória, degradante ou desrespeitosa em face do usuário de substância entorpecente, especialmente, cessando qualquer ação de impedi-lo de permanecer em logradouros públicos ou constrangê-los a se movimentarem, isoladamente ou em grupo, salvo se houve situação de flagrante delito, sob pena de multa diária de R$ 10 mil."

O pedido da municipalidade, agora, observa o magistrado, " traz pretensão outra no que chamou de incidente: concessão da tutela de urgência para a busca e apreensão das pessoas em situação de drogadição com a finalidade de avaliação pelas equipes multidisciplinares (social, médica, assistencial) e, preenchidos os requisitos legais (DOC. 09), internação compulsória". "Não há, pois, mínima identidade entre as pretensões, mesmo porque, como se percebe, a alvitrada na ação é excludente do pretendido no incidente, sem que haja autorização processual para o processamento do nominado incidente", definiu.

"O município pode recorrer, mas com chances remotíssimas de reversão. Acho que, nessa batalha, a dignidade humana e o Estado de direto prevaleceram. Agora, com serenidade, devemos retomar a discussão do programa [de tratamento dos usuários de crack] -- pois o verdadeiro cerne é a exclusão social, o crack e seus barões", avaliou o promotor Eduardo Dias Ferreira, signatário do pedido do MP.

Procurada para comentar a decisão, a Secretaria de Comunicação informou que o Município apresentará recurso, mas não deu detalhes sobre o tipo da medida, nem quando deve formalizá-la à Justiça.

Nova cracolândia virou "feirão de drogas", diz Conselho Nacional de Direitos Humanos

A cracolândia que migrou desde a semana passada da rua Helvétia para a praça Princesa Isabel, na região da Luz (centro de São Paulo), se assemelha ora a um “feirão de droga” onde o crack é comercializado e consumido livremente, ora a um “campo de refugiados” sem previsão de solução a quem ali se encontra. É para lá que têm se deslocado dependentes químicos que se concentravam na rua Helvétia com a alameda Dino Bueno, a cerca de 400 metros, após a ação da Polícia Militar e da GCM (Guarda Civil Metropolitana).

As opiniões sobre a nova concentração foram dadas por representantes do Conselho Nacional de Justiça e do Ministério Público Estadual, nesta segunda-feira (29), após uma vistoria deles à praça e às tendas da prefeitura onde usuários são atendidos por agentes de saúde, na região que concentrava a cracolândia ‘antiga’.

“O cenário na praça é assustador. O poder público conseguiu a façanha de ver aumentado, em muito, o fluxo dela em comparação com o que havia na rua Helvétia. Ainda que o objetivo mais militarizado alardeado na ocasião tenha sido o de se combater o tráfico, vimos agora muito mais usuários e vários deles mais violentos, agressivos, afoitos –com vínculos com os agentes de saúde rompidos ou fragilizados, o que é o pior cenário”, constatou o integrante da mesa diretora do Conselho Nacional de Direitos Humanos Leonardo Pinho. O órgão é vinculado à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência.

Pinho entrou no fluxo - como é chamada a concentração de dependentes - juntamente com o promotor Eduardo Dias de Souza Ferreira, da Infância e Juventude, e o deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP), da CDH da Câmara - conduzidos, porém, por dois homens com trânsito entre os usuários. Horas antes, ali em frente, um carro de reportagem da TV Globo, estacionado na avenida Rio Branco, em frente à praça, havia sido apedrejado por crackeiros. Intimidada, a equipe de reportagem precisou se abrigar em um restaurante das imediações que baixou as portas por quase uma hora e também recebeu pedradas.

Para o diretor do Conselho, o consumo da droga, em comparação com o que se passava na rua Helvétia, “está igual ou superior” na praça. “O combate ao tráfico não deu resultado. Vimos muitos grupos de usuários com cachimbos e com o crack sendo comercializado livremente, como que em um feirão de droga com promoções, e ninguém na fissura [abstinência] –sinal de que não tem, de fato, faltado drogas ali, ou estariam nessa condição”, completou Pinho.

“Campo de refugiados”, avalia promotor

Também na inspeção, o promotor da Infância e Juventude reforçou a percepção sobre “a presença de um feirão de drogas” na praça e constatou, sobre a situação dos dependentes químicos: “Isso parece um campo de refugiados. E agora ainda estão baixando a iluminação aqui para que possam ser vistos”, observou.

“A forma como as pessoas se organizaram e o medo que várias demonstraram, ao serem entrevistadas, de deixarem aquela praça –assim como a vigilância à qual estão submetidas --, lembra uma relação própria de campo provisório de refugiados”, comparou. “Assim como o medo e a insegurança estão presentes no campo provisório de refugiados, ali naquela praça medo, consumo e tráfico continuam”, concluiu Dias Ferreira.

Outro lado

Em nota à reportagem, a Secom (Secretaria de Comunicação da Prefeitura) ressaltou que o combate ao tráfico de drogas é uma atribuição da polícia --ou seja, do governo do Estado. No entanto, afirmou que comparar a situação da cracolândia antiga, na rua Dino Bueno, com a nova, na praça Princesa Isabel, "soa absurdo".

"A antiga cracolândia registrava vários abusos contra os direitos humanos --dentre eles, estupro, homicídios e manipulação de dependentes químicos pelo crime organizado. No campo social, os agentes intensificaram as abordagens para tentar fazer com que as pessoas que estão na praça e em outros pontos do centro aceitem ser encaminhadas para atendimento médico e social", diz a nota.

A Secom divulgou também um balanço das operações da Prefeitura na região no último fim de semana. Segundo a Secretaria, as equipes da assistência social realizaram cerca de 1.160 abordagens na região da Nova Luz durante o fim de semana --dessas, 550 pessoas foram encaminhadas para acolhimento no Complexo Prates e no Centro Temporário de Acolhimento (CTA) e 609 recusaram atendimento.

Também por nota, a SSP (Secretaria Estadual de Segurança Pública) informou que equipes das polícias Civil e Militar continuam fazendo o policiamento na região da Nova Luz.
 
"A PM também continua atuando na região com 212 policiais, sendo 92 da Caep (Companhia de Ações Especiais de Polícia) e do Choque – Cavalaria e Rondas Ostensivas com Apoio de Motocicletas (Rocam), além dos 120 PMs que já atuam regularmente na área. A polícia continua prestando apoio às equipes de saúde e assistência social, que providenciam o acolhimento dos usuários", diz a Secretaria.
 
O órgão afirmou também que prendeu 30 pessoas por tráfico e duas por roubo na região desde que a operação policial foi deflagrada, no dia 21 de maio.