Após rebelião que deixou 7 mortos na PB, governo e juízes trocam acusações de culpa
Após rebelião que deixou sete adolescentes mortos e dois feridos no Lar do Garoto, no município de Lagoa Seca, a 140 km de João Pessoa (PB), Judiciário e Executivo passaram a se atacar mutuamente através de notas, um responsabilizando o outro pela tragédia ocorrida na madrugada deste sábado (3).
Durante a rebelião, pelo menos 17 internos fugiram, segundo a direção da unidade. As visitas deste domingo (4) foram canceladas.
Horas após a tragédia, 35 juízes que atuam em varas da Infância e Juventude na Paraíba emitiram nota pública expressando indignação pela “grave violação dos direitos fundamentais dos adolescentes que estão sob custódia do Estado e preocupação com o atual estado das unidades de internação da Paraíba”. A unidade de Lagoa Seca tem capacidade para 50 internos, mas abriga quase 200.
Na avaliação dos juízes, o massacre ocorrido na unidade de internação é consequência do "descaso do Estado e da sociedade". Os magistrados também acusaram o poder público de não investir efetivamente na ressocialização dos adolescentes.
O que diz o Estado
Também em nota, o governo do Estado da Paraíba informou que vai tomar todas as providências cabíveis para a apuração exata da rebelião e das mortes no Lar do Garoto, e prometeu aplicar punição, em âmbito administrativo, aos responsáveis por eventuais omissões, negligências ou excessos.
Para o Estado, o Poder Judiciário deixa de cumprir seu papel quando, por exemplo, “não respeita os prazos para liberação dos menores infratores com internações cumpridas, combatendo a superlotação nesta e em outras unidades”.
E rebate dizendo que a unidade oferece aulas, atividades ocupacionais e profissionalizantes
Juiz responsável evitou confronto
As críticas do governo do Estado recaem diretamente sob a atuação do juiz Algacyr Rodrigues Negromonte, titular da Vara Privativa da Infância e Juventude de Campina Grande. Pelas mãos dele passam os processos dos adolescentes infratores.
Procurado pela reportagem do UOL, Negromonte evitou falar sobre as críticas do Estado, e concentrou o discurso no trabalho desenvolvido desde que assumiu a Vara, em janeiro deste ano.
Segundo o juiz, todos os pedidos de progressão ou extinção de medidas socioeducativas são precedidos de um requerimento da Fundação de Desenvolvimento da Criança e do Adolescente Alice de Almeida (Fundac), que responde pelas unidades, e de parecer do Ministério Público. Depois, são decididos com a maior brevidade, conforme afirmou o juiz, lembrando que em casos de indeferimento cabe ao requerente entrar com recurso para tentar reverter a decisão.
Negromonte explicou que, uma vez deferido o pedido de progressão ou extinção das medidas socioeducativas, os adolescentes são liberados no mesmo dia. Ele disse também que desde que assumiu a Vara, tem dado preferência na aplicação de medidas socioeducativas em meio aberto. Ao ser questionado se as decisões para o meio aberto visam evitar o agravamento da superlotação na unidade, o juiz disse que não e explicou que o critério adotado é o previsto no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), ou seja, critério legal.
Só decreto internação nos casos cometidos com violência ou grave ameaça, raramente nos casos de reiteração infracional"
Decretei a internação de 17 adolescentes, sendo que grande parte ainda não está sendo executada, e liberei 21 jovens”, destacou. O juiz lembrou também que a comarca de Campina Grande dispõe apenas de uma única unidade de internação, a Lar do Garoto, embora receba adolescentes de outras 23 comarcas.
Também no sábado (3), o Tribunal de Justiça da Paraíba emitiu nota de solidariedade aos familiares das vítimas e de apoio ao trabalho de Algacyr Negromonte, “que tem envidado esforços para fazer cumprir a lei n° 12.594/2012, que institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE)”. O TJ também destacou que “a responsabilidade pela administração de tais unidades é do Poder Executivo, e que o problema da superlotação pode ser resolvido com a construção de novas unidades para cumprimento de medida socioeducativa de internação, nomeação e capacitação de servidores”.
Na unidade Lar do Garoto, a maioria dos internos cumpre medida socioeducativa por roubo qualificado, homicídio e tráfico de drogas. De um total de 197 adolescentes, 152 cumprem sentença definitiva de internação, enquanto outros 48 estão apreendidos provisoriamente, aguardando uma decisão judicial.
A tragédia
O tumulto foi registrado na madrugada deste sábado (3), após internos invadirem o pátio da instituição em uma briga de facções rivais.
Em meio à confusão, colchões e outros objetos foram queimados, o que acabou por carbonizar os corpos dos sete adolescentes.
Pelo menos sete quartos da unidade foram completamente destruídos pelo fogo. Três rapazes foram presos suspeitos de comandarem a rebelião, e um quarto está foragido, segundo informações da Polícia Civil, que continua investigando o ocorrido.
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