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Após rebelião que deixou 7 mortos na PB, governo e juízes trocam acusações de culpa

Fachada do Centro Socioeducativo Lar do Garoto, onde rebelião deixou sete mortos neste sábado (3), na Paraíba - Reprodução
Fachada do Centro Socioeducativo Lar do Garoto, onde rebelião deixou sete mortos neste sábado (3), na Paraíba Imagem: Reprodução

Colaboração para o UOL, em João Pessoa

04/06/2017 17h49

Após rebelião que deixou sete adolescentes mortos e dois feridos no Lar do Garoto, no município de Lagoa Seca, a 140 km de João Pessoa (PB), Judiciário e Executivo passaram a se atacar mutuamente através de notas, um responsabilizando o outro pela tragédia ocorrida na madrugada deste sábado (3).

Durante a rebelião, pelo menos 17 internos fugiram, segundo a direção da unidade. As visitas deste domingo (4) foram canceladas.

Horas após a tragédia, 35 juízes que atuam em varas da Infância e Juventude na Paraíba emitiram nota pública expressando indignação pela “grave violação dos direitos fundamentais dos adolescentes que estão sob custódia do Estado e preocupação com o atual estado das unidades de internação da Paraíba”. A unidade de Lagoa Seca tem capacidade para 50 internos, mas abriga quase 200.

Na avaliação dos juízes, o massacre ocorrido na unidade de internação é consequência do "descaso do Estado e da sociedade". Os magistrados também acusaram o poder público de não investir efetivamente na ressocialização dos adolescentes.

 

O que diz o Estado

Também em nota, o governo do Estado da Paraíba informou que vai tomar todas as providências cabíveis para a apuração exata da rebelião e das mortes no Lar do Garoto, e prometeu aplicar punição, em âmbito administrativo, aos responsáveis por eventuais omissões, negligências ou excessos.

Para o Estado, o Poder Judiciário deixa de cumprir seu papel quando, por exemplo, “não respeita os prazos para liberação dos menores infratores com internações cumpridas, combatendo a superlotação nesta e em outras unidades”.

E rebate dizendo que a unidade oferece aulas, atividades ocupacionais e profissionalizantes

Juiz responsável evitou confronto

As críticas do governo do Estado recaem diretamente sob a atuação do juiz Algacyr Rodrigues Negromonte, titular da Vara Privativa da Infância e Juventude de Campina Grande. Pelas mãos dele passam os processos dos adolescentes infratores.

Procurado pela reportagem do UOL, Negromonte evitou falar sobre as críticas do Estado, e concentrou o discurso no trabalho desenvolvido desde que assumiu a Vara, em janeiro deste ano.

Segundo o juiz, todos os pedidos de progressão ou extinção de medidas socioeducativas são precedidos de um requerimento da Fundação de Desenvolvimento da Criança e do Adolescente Alice de Almeida (Fundac), que responde pelas unidades, e de parecer do Ministério Público. Depois, são decididos com a maior brevidade, conforme afirmou o juiz, lembrando que em casos de indeferimento cabe ao requerente entrar com recurso para tentar reverter a decisão.

Negromonte explicou que, uma vez deferido o pedido de progressão ou extinção das medidas socioeducativas, os adolescentes são liberados no mesmo dia. Ele disse também que desde que assumiu a Vara, tem dado preferência na aplicação de medidas socioeducativas em meio aberto. Ao ser questionado se as decisões para o meio aberto visam evitar o agravamento da superlotação na unidade, o juiz disse que não e explicou que o critério adotado é o previsto no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), ou seja, critério legal.

Só decreto internação nos casos cometidos com violência ou grave ameaça, raramente nos casos de reiteração infracional"

Decretei a internação de 17 adolescentes, sendo que grande parte ainda não está sendo executada, e liberei 21 jovens”, destacou. O juiz lembrou também que a comarca de Campina Grande dispõe apenas de uma única unidade de internação, a Lar do Garoto, embora receba adolescentes de outras 23 comarcas.

Também no sábado (3), o Tribunal de Justiça da Paraíba emitiu nota de solidariedade aos familiares das vítimas e de apoio ao trabalho de Algacyr Negromonte, “que tem envidado esforços para fazer cumprir a lei n° 12.594/2012, que institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE)”. O TJ também destacou que “a responsabilidade pela administração de tais unidades é do Poder Executivo, e que o problema da superlotação pode ser resolvido com a construção de novas unidades para cumprimento de medida socioeducativa de internação, nomeação e capacitação de servidores”.

Na unidade Lar do Garoto, a maioria dos internos cumpre medida socioeducativa por roubo qualificado, homicídio e tráfico de drogas. De um total de 197 adolescentes, 152 cumprem sentença definitiva de internação, enquanto outros 48 estão apreendidos provisoriamente, aguardando uma decisão judicial.

Familiares se aglomeram na entrada do Centro Socioeducativo Lar do Garoto, na Paraíba - Lauriceia Barros/Folhapress - Lauriceia Barros/Folhapress
Familiares se aglomeram na entrada do Centro Socioeducativo Lar do Garoto, na Paraíba
Imagem: Lauriceia Barros/Folhapress

A tragédia

O tumulto foi registrado na madrugada deste sábado (3), após internos invadirem o pátio da instituição em uma briga de facções rivais.

Em meio à confusão, colchões e outros objetos foram queimados, o que acabou por carbonizar os corpos dos sete adolescentes.

Pelo menos sete quartos da unidade foram completamente destruídos pelo fogo. Três rapazes foram presos suspeitos de comandarem a rebelião, e um quarto está foragido, segundo informações da Polícia Civil, que continua investigando o ocorrido.