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"Bem-vinda ao Iraque": moradora do Alemão acusa PMs de atacarem casa com tiros de fuzil

Carolina Farias/UOL
Imagem: Carolina Farias/UOL

Carolina Farias

Colaboração para o UOL, no Rio

09/06/2017 04h00

A madrugada do último domingo (4) foi de terror para uma moradora da rua Sete de Setembro, na localidade de Nova Brasília, no Complexo do Alemão, zona norte do Rio. Ela ouviu e viu tiros de fuzil sendo disparados contra sua casa e atingir as paredes dos quartos onde seus seis filhos dormiam. 

“Bem-vinda ao Iraque”, gritou um dos atiradores, policiais militares da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) Nova Brasília, segundo a moradora, que tem medo de se identificar. No final de abril, nessa mesma localidade, confrontos entre PMs e traficantes durante a instalação de uma torre blindada da polícia deixaram ao menos cinco mortos.
 
“Começou era mais de 1h e terminou quase 6h. Fiquei abraçada na sala com meus filhos, pedindo a Deus que parassem. Foi uma noite de terror. Pedi socorro a todo mundo pelo ‘zap’, mas ninguém podia me socorrer. Quem ia passar no fogo cruzado”, conta.
 
Segundo a moradora, ela acordou com barulhos de alguém batendo no portão. Como ela não atendeu, eles tentaram arrombar. Sem conseguir, atiraram no portão. A reportagem do UOL contou três furos no portão, além dos diversos nas paredes dos dois quartos da casa.
 
“Eles bateram e não atendi. Eu sozinha com meus filhos, de madrugada, tenho medo de covardia. Tem uns que respeitam, mas outros que não. Aí vieram os tiros, que eram [ouvidos] só aqui. Depois que começaram de outra direção. Eu vi que eram eles [PMs] pela janela”, explicou a moradora.
 
Diarista, com filhos entre seis e 20 anos, ela está no imóvel há duas semanas. A casa já havia sido invadida por policiais militares, assim como outras cinco na mesma área, desde o mês de fevereiro. Os imóveis foram usados como base para os agentes, já que a região da rua Sete de Setembro e do Largo do Samba, onde foi instalada a torre blindada, é considerada estratégica pelo tráfico de drogas na localidade.
 
A proprietária, que também não quis se identificar, conta que os policiais deixaram o imóvel imundo e com danos em paredes e encanamento. “Eu disse a eles: ‘Aluguei a casa e peço encarecidamente que vocês não voltem mais’. Estava tranquilo até sábado”, contou a dona do imóvel.
 
Os policiais deixaram esse e outros quatro imóveis no fim do mês de abril após determinação da Justiça que aceitou pedido da Defensoria Pública, em ação na 15ª Vara de Fazenda Pública.
 
Uma das casas, da comerciante Maria Cristina da Silva, continua ocupada por policiais. O imóvel fica sobre sua loja de móveis. “Eles falaram que vão desapropriar, mas até agora ninguém me procurou”, disse a comerciante, que alugava a casa por R$ 600.
 
O caso da moradora que teve a casa atacada será acompanhado pelo ouvidor-geral da Defensoria Pública, Pedro Strozenberg, que entrou com a ação pedindo a desocupação das casas pelos policiais.
 

Tropa do terror

A moradora que denunciou a tentativa de invasão e os tiros contra sua casa disse acreditar que os PMs suspeitos são conhecidos como uma espécie de “tropa do terror”. Moradores dizem que a equipe é violenta e desrespeita moradores.
 
“A filha da minha vizinha, de 12 anos, ouviu de um deles: ‘De madrugada, eu estupro ela’. Tenho uma neta de 13 anos que ouviu isso e está apavorada, não deixo ela sair na rua”, afirmou Marinete Martins Machado.
 
“É só esse turno. Quando troca o plantão, a gente dorme em paz. Eles picham a parede botando TCP (sigla para a facção Terceiro Comando Puro) porque aqui é CV (Comando Vermelho) para colocar os traficantes contra a gente. Já vi quebrar telefone. A pessoa está falando no ‘zap’ e eles: ‘Tá falando com quem? Passando informação para quem?’. Pegam o telefone e jogam no chão”, disse a moradora que fez a denúncia de ataque à sua casa.
 
“Não é à toa que tem um ‘plantão do terror’ e um que é calmo. Eles mesmo se organizam assim. O fato é que você tem um comando que é responsável por eles. Temos feito as reuniões semanais com o Ministério Público para discutir as situações que acontecem aqui”, disse o defensor.
 
A moradora registrou ocorrência na corregedoria interina da 8ª Delegacia de Polícia Judiciária Militar.
 
O presidente da associação de moradores de Nova Brasília, Júlio César Ribeiro Camilo, afirma que o comando da UPP e a CPP (Coordenadoria de Polícia Pacificadora) têm conhecimento das queixas dos moradores contra a atitude de alguns policiais.
 
“Tudo o que acontece aqui relatamos na UPP local e na CPP, mas não temos nenhum retorno. Nunca fui procurado pelo comandante. O próprio secretário disse [em uma entrevista] que a gente era ‘garotinho de recado do tráfico’, então ficamos com medo. As crianças estão ficando com terror da PM. Só queríamos que eles nos respeitassem. Infelizmente, os policiais saem daqui mutilados também. Nessa guerra eles também estão perdendo”, afirmou Camilo.
 
Por meio de nota, a assessoria de imprensa das UPPs informou que a denúncia da moradora está sendo apurada com rigor e que, na madrugada de domingo, criminosos atacaram policiais na Nova Brasília e um PM chegou a ser atingido na perna.