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Tem se comportado ao volante? Ouvir pancadão e cão na janela dão multa

Motorista coloca o braço para fora do veiculo na avenida Santos Dummont - Marcelo Justo/UOL - Marcelo Justo/UOL
Motorista coloca o braço para fora do veiculo na avenida Santos Dumont
Imagem: Marcelo Justo/UOL

Marcos Sergio Silva

Do UOL, em São Paulo

25/06/2017 04h00

Fábio (nome fictício) tem duas possibilidades quando sai com sua moto do local onde trabalha, um delivery de coxinhas na Vila Cisper (zona leste de São Paulo), se a entrega for na região do Jardim Keralux. Uma, legal, faz com que percorra 8,3 km. Outra, fora da lei, tem uma quilometragem menor (2,1 km), mas exige uma ilegalidade: passar com sua motocicleta por cima da passarela que atravessa a avenida Assis Ribeiro e a linha férrea da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos). Ele sempre prefere a segunda hipótese.

“A gente precisa muito fazer a entrega rápido porque o cliente exige”, afirma. “Ou você faz muita volta para um caminho curto. Se optasse por não passar pela passarela, levaria meia hora. Por esse caminho, faço em dez minutos.”

Percorrer passarelas de pedestres é uma das multas previstas no Código Nacional de Trânsito de difícil aplicação (não pode ser detectada por radares, por exemplo). A infração é considerada gravíssima, com sete pontos na carteira de motorista e multa de R$ 880,41.

Os registros por excesso de velocidade lideram o total de multas, com 40,6% das 3.405.317 aplicadas até março deste ano. Outras não são tão frequentes. São gestos simples como o colocar de um braço para fora do veículo ou ter o cachorro para o lado de fora do vidro do carro. Ou até mesmo agressivas, como jogar água em um pedestre na calçada.

“Nunca ninguém terá saco para sentar e ler o Código de Trânsito todo, pois é um catálogo minucioso para tentar normatizar mil transgressões possíveis. São quase 300 artigos e quase ilegível”, afirma o especialista em comportamento de trânsito Eduardo Biavarti. “Na raiz da questão, está que somos muito violentos. Nossa alegria esfuziante esconde uma violência cotidiana muito brutal. No trânsito, damos licenças que custam a vida do outro --e o cotidiano as transformam em coisas opressoras.”

O caso de Fábio, por exemplo, embora seja inconcebível pensar em uma moto em uma passarela de pedestres, expõe um outro lado: o de como certas áreas ficam isoladas de outras, embora sejam bem próximas. O caminho que ele percorre entre a casa de coxinhas e o local de entrega seria melhor, para quem dirige, se um plano de engenharia de tráfego enxergasse que não há comunicação viária entre os dois trechos. É muito mais rápido chegar a pé em alguns pontos do que por meio de um automóvel.

Isso explica por que a passarela que atravessa a avenida Assis Ribeiro seja a com mais aplicação de multas por esse motivo em São Paulo. Foram cinco casos neste ano, o que representa pouco perto do que acontece com frequência. “Tem dia que a gente precisa fazer isso umas dez vezes”, diz Fábio.

“O correto é desmontar da motocicleta”, afirma Biavarti. “Para proibir, coloca um cone, um concreto, um obstáculo para a moto não passar.”

Ele afirma que a passarela de pedestre em si já é um absurdo, um erro de design humano, que é piorado com o tráfego ilegal. “É uma invasão do espaço de pedestre. É um exemplo extremo da apropriação de espaço público de uso exclusivo. A legislação não proíbe que atravesse empurrando, mas montado. É um jeito de ‘deixar eu me dar bem, chegar logo’. Mas você não vai fazer isso se você tiver vias com retornos próximos.”

Costumes expõem riscos

Colocar o braço para fora do veículo ou botar o cachorro na janela não significa colocar em risco a vida dos outros, diz Biavarti, mas pressupõe um descaso com a própria segurança. “O cachorro é uma questão da segurança de quem está dentro do veículo. Não chega a ameaçar a vida de alguém fora do veículo. No caso de uma colisão, pode matar quem está na frente. Usar o braço para fora não é o mesmo fenômeno. No máximo, pode bater em outro pedestre, perder o braço se encostar em um ônibus. É comportamento infracional que diz respeito à segurança de quem está no veículo.”

Em São Paulo, essas infrações são mais comuns na região do parque Ibirapuera (zona sul de São Paulo), no caso dos cães que saem para tomar um ventinho, e na avenida Alcântara Machado, trecho inicial da Radial Leste.

Outros, no entanto, expõem uma espécie de crise de cidadania --nem sempre do motorista. “Existem as agressões da buzina ou de quem se lixa para o pedestre e para em cima da faixa. São pequenas violências que se fazem à custa de pequenas brechas. Como não tem ninguém vendo, pisoteiam as regras o tempo todo”, diz Biavarti.

A esquina das ruas Oscar Freire e Haddock Lobo, nos Jardins (zona oeste), é onde mais os radares flagram a travessia na faixa de pedestres no sinal vermelho, por exemplo. Entre janeiro e março, foram 1.943 infrações cometidas na região. As de buzina intermitente (aquela com tom de bronca) têm menor índice, já que são aplicadas por agentes de trânsito (DSV, CET ou PM), e a recordista é a avenida Giovanni Gronchi, no Morumbi (zona oeste), com 17 multas.

Som alto e água no pedestre

A avenida Tenente Amaro Felicíssimo da Silveira, no Parque Novo Mundo (zona norte), é uma via de pavimentação recente. Também é a de maior registro de multas por som alto.

Reclamações de moradores, já levadas inclusive até a Câmara Municipal, apontam que a avenida, após o asfaltamento, virou um ponto de “pancadões”: festa ao ar livre com som alto vindo dos carros. Nos três primeiros meses do ano, foi onde mais a Polícia Militar autuou por essa infração: 14 vezes.

“As pessoas acham que só existem um impedimento para isso em torno de hospitais e igrejas”, avalia Biavarti. “O povo não imagina que existe um limite em qualquer via pública."

"É um modo troglodita de lidar com a coisa pública: pago o som, o IPVA e o meu carro. O carro é seu, realmente, mas não está na sua casa, no espaço privado. Nem só porque você comprou o carro se tornou um espaço privado. Tem que se submeter a uma regra que existe. Esses carros viraram máquina de som ambulante. Você não conhece ninguém que teve o carro retido por isso”, diz.

Outra multa por atitude pouco amistosa é a de jogar água em pedestres. Durante o ano, foram cometidas 98 infrações do tipo --a avenida Inajar de Souza, na Vila Nova Cachoeirinha (zona norte), tem mais registros, embora ainda modestos: três.

“Há um velho trato de não jogar objetos, lama, isso está codificado desde o século 19. Mas a drenagem das vias públicas é pobre. No Rio, choveu para caramba. E não tem uma via pública que não fique entupida. Por que há uma via com uma poça tão extensa que faça o motorista molhar o pedestre? Tem o dono da rua e o abandono do espaço pelo poder público”, diz Biavarti.