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Após AVC, ele só piscava os olhos; hoje dirige e revela o poder do otimismo na recuperação

Carro adaptado permite que Norberto dirija; comandos como seta e buzina ficam concentrados na mão direita  - Marcela Sevilla/UOL - Marcela Sevilla/UOL
Carro adaptado permite que Norberto dirija; comandos como seta e buzina ficam concentrados na mão direita
Imagem: Marcela Sevilla/UOL

Juliana Carpanez

Do UOL, em São Paulo

30/07/2017 04h00Atualizada em 30/07/2017 14h01

A síndrome de encarceramento é descrita na medicina como uma condição na qual o paciente está “preso” em seu próprio corpo: completamente paralisado, mas consciente.

O horror da situação fica mais palpável quando descrito por Norberto Takahashi, 57, que viveu meses neste estado após um AVC (acidente vascular cerebral). “Meu corpo parecia preso em um barril de concreto: não sentia nada, não mexia nada, não interagia. Síndrome de cativeiro é estar concretado, mas consciente. Meu cérebro continuava funcionando e meus olhos também: eu via tudo.”

Norberto Takahashi sofreu um AVC em 2007, durante as férias em Bariloche e ficou meses imobilizado - Marcela Sevilla/UOL - Marcela Sevilla/UOL
Norberto Takahashi sofreu um AVC em 2007, durante as férias em Bariloche. Ele ficou meses imobilizado, porém consciente
Imagem: Marcela Sevilla/UOL
A lembrança foi narrada à reportagem pelo próprio Norberto, no apartamento onde vive com a mulher e a filha em São Paulo. No encontro, o engenheiro relatou os muitos desafios físicos e emocionais por ele enfrentados, mas o tom da conversa passa longe da lamentação.

Hoje ele consegue conversar, falando de maneira bastante pausada e igualmente bem-humorada: contou, por exemplo, como foi carregado em sua cadeira de rodas por quatro bombeiros, “como um sultão”, quando o elevador para o cinema do shopping quebrou. Recuperou os movimentos do lado direito do corpo. Usa computador e smartphone, que manuseia com agilidade. Viaja de avião com a família. Trabalha em seu escritório, para onde vai dirigindo o próprio carro adaptado.

"Não decidi escrever o livro, ele já estava escrito"

Dez anos separam esta realidade do AVC que o paralisou, quando passava férias em Bariloche (Argentina). O que aconteceu neste período foi descrito em detalhes por Norberto no livro “Bariloche, 10 Anos de AVC”, com primeira tiragem já esgotada (é possível reservar um exemplar no site do projeto).

Uma campanha de financiamento coletivo concluída em 19 de julho bateu R$ 56,6 mil para o lançamento da obra --a meta era de R$ 33 mil, e o montante arrecadado será doado à AACD, onde ele realizou parte de seu tratamento.

“Não decidi escrever o livro, ele já estava escrito. Quando comecei a movimentar o braço, passei a digitar no notebook e treinava muito. Seis, oito horas, o dia inteiro. Logo fiquei sem assunto e comecei a escrever passagens sobre o AVC, sobre minhas internações. Fiz isso durante anos. Escrevia para mim, para não esquecer os acontecimentos, os nomes, os lugares”, conta Norberto, que tem mais de mil folhas preenchidas com estes relatos. Algumas pessoas o incentivaram a publicar os registros, e foi isso o que fez após selecionar e resumir as principais passagens.

Antes de conseguir falar, digitar e se movimentar, ainda no início da recuperação, ele se expressava de maneira pontual com a ajuda de um quadro de letras. Diante do acessório, piscava para selecionar os caracteres. Seu acompanhante formava assim palavras e frases como no filme “O Escafandro e a Borboleta”, baseado na biografia de um jornalista que também teve a síndrome do encarceramento.

Uma história com muitos capítulos

Conhecer só o último capítulo da história de Norberto é ignorar inúmeras dificuldades enfrentadas por uma década. Hoje existe aceitação, bom humor e livro publicado. Mas também já houve revolta, primeiros socorros em um hospital sem equipamentos para identificar danos neurológicos, o desafio da transferência em um avião, internações em UTIs (Unidade de Terapia Intensiva), inúmeros tratamentos, disputas com plano de saúde, situações de muita dor, o desconforto da traqueostomia e da gastrostomia (depois retiradas), feridas na pele e um longo caminho de adaptação para uma vida limitada.

Norberto (dir) é engenheiro e tem um escritório, para onde vai dirigindo. Computador e smartphone são aliados  - Marcela Sevilla/UOL - Marcela Sevilla/UOL
Norberto (à dir.) é engenheiro e tem um escritório, para onde vai dirigindo. Computador e smartphone são aliados
Imagem: Marcela Sevilla/UOL
Em todo esse processo, o engenheiro reconhece como essencial uma mudança em sua forma de pensar: foi quando parou de se lamentar, aceitou as sequelas e realmente empenhou-se na reabilitação. “Aprendi, ao longo desses penosos anos, que a reabilitação não tem fim, é eterna. [...] Eu não morri e a vida está aí para ser aproveitada, mesmo com limitações, sendo que a maioria pode ser contornada. Sobretudo, elas não me impedem de viver a vida”, escreveu Norberto. “Sequelado sim, mas com a cabeça boa”, brinca no livro.

A tecnologia mostrou-se uma ferramenta importante diante da postura otimista. Além do computador que permitiu a escrita de suas memórias, ele destaca o telefone celular. Como ficou sem usar este tipo de aparelho entre 2007 e 2013, a retomada deixou evidente o grande salto tecnológico causado por aplicativos e telas sensíveis ao toque. Outro aliado é o carro adaptado, que deu autonomia ao engenheiro --ele precisa de auxílio só para entrar e sair do automóvel. “Dirigir foi, talvez, a minha maior conquista da reabilitação. Parece que essa liberdade de ir e vir a qualquer hora, para onde eu quiser, supera todas as demais.”

Norberto tem, sim, uma história de superação. E tem também uma crítica à forma como esse tipo de conquista é tratada. “Geralmente ressaltam-se os casos excepcionais, como o de um sujeito sem braços que dirigia o carro com os pés. É uma façanha, claro. Mas essa ação pode ter o mesmo valor que balançar um dedo, dependendo das limitações de cada um. Não gosto que comparem superações, pois todas têm o mesmo mérito”, conclui.