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"Lentidão da Justiça estimula muitos outros Diegos por aí", diz vítima de abusador em 2013

2.set.2017 - Diego Novais após ser preso em flagrante por estupro na região da Paulista - Marcelo Gonçalves/Sigmapress/Estadão Conteúdo
2.set.2017 - Diego Novais após ser preso em flagrante por estupro na região da Paulista Imagem: Marcelo Gonçalves/Sigmapress/Estadão Conteúdo

Janaina Garcia

Do UOL, em São Paulo

06/09/2017 13h19

Quando saíram as primeiras notícias sobre um homem que havia sido preso após ejacular em uma passageira de ônibus na avenida Paulista, região central de São Paulo, a economista Karen, de 23 anos, até gelou. Em um primeiro momento não saíram as imagens dele, apenas a idade. “Eu fiz as contas: com 27 anos, ele tinha 23 em 2013. Desconfiei que pudesse ser o meu agressor, e quando vi a cara dele na imprensa, seguida da notícia de que ele havia sido solto por um juiz, não teve como não bater uma revolta muito grande.”

Karen --que preferiu não expor o nome completo, tampouco a imagem-- foi a mulher atacada sexualmente em setembro de 2013 pelo ajudante de serviços gerais Diego Ferreira de Novais. Pelo crime, ele foi condenado esta semana a dois anos de prisão, pena que representa metade só do tempo em que a jovem aguardava desde que o denunciou.

Novais está preso desde sábado (2) depois de encostar o pênis em mais uma passageira de ônibus; quatro dias antes, havia sido notícia pela ejaculação em outra vítima. Em todos os casos, mais o da economista, os registros foram feitos em linhas de ônibus que circulavam pela região da Paulista.

O ataque a Karen aconteceu quando ela voltava da faculdade, na região da rua da Consolação. Com o ônibus lotado e distraída falando ao celular com uma amiga, ela não percebeu má intenção quando sentiu uma mão tocar seu joelho. Estava de saia. De repente, sentiu que a tocavam por baixo da peça e na vagina, por cima da roupa íntima.

“Sei que o correto a fazer nessas horas é dar um escândalo, gritar, chamar a atenção. Não dá para ficar quieta. Mas, na hora, eu pensei: ‘o que eu vou fazer? Estou no meio do ônibus, vou me expor desse jeito?” Como não consigo ser impulsiva, fiquei morrendo de vergonha, mas liguei para a polícia, relatei o que estava acontecendo e o policial falou que eu precisava passar um endereço onde o ônibus estava. Então, eu tinha que parar o veículo; falei com o motorista”, recorda-se.

À época, Novais foi preso e ficou três meses na cadeia. No ano anterior, 2012, passara outros dez meses na prisão por ataque semelhante a outra mulher, também em ônibus.

Quatro anos depois, a Justiça entendeu que a agressão dele à economista, confessada por Novais em depoimento judicial, não configurou estupro, crime cuja pena varia de seis a dez anos de prisão, nem importunação ao pudor, contravenção penal (tipo de delito mais leve) passível de multa. Os dois anos de prisão foram a pena mínima imposta pelo juiz Antonio de Oliveira Angrisani Filho, da 27ª Vara Criminal do fórum da Barra Funda, pelo crime contra a dignidade sexual previsto no artigo 215 do Código Penal --que alude a casos em que haja conjunção carnal ou atos libidinosos “mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação a vontade da vítima”.

Com o caso de Karen, Novais tem ao menos 17 denúncias oficiais, registradas, por ataques sexuais como estupro ou assédio sexual.

“Quatro anos para o meu processo chegar a uma sentença é um absurdo. A Justiça brasileira é um absurdo. Ele ficou todo esse tempo livre mesmo que o sistema soubesse não só o que ele havia feito comigo, mas o histórico que ele tinha”, disse.

“A lentidão da Justiça estimula a ação de muitos outros Diegos por aí e, infelizmente, existem muitos outros como ele à solta no transporte público. Com certeza esse tempo de quatro anos serviu para que ele cometesse outros crimes contra outras mulheres. Nem o culpo, porque já não acho mais que ele seja uma pessoa normal. O ataque dele sábado, dias depois de ter ejaculado em uma mulher, comprova, para mim, que ele tem algum problema mental. Mas não pode, portanto, ficar livre na sociedade”, defendeu.

Indagada sobre a decisão do juiz José Eugênio do Amaral Souza Neto, que mandou soltar Novais, semana passada, por considerar que o ato de ter ejaculado na passageira era contravenção penal, e não estupro, Karen disse ter acompanhado o desdobramento do caso “muito revoltada”.

“Achei ridícula a decisão. Será que aquele juiz não tem mãe, filha ou mulher para imaginar o que é deixar um homem nessas condições solto? É muito fácil dar essa sentença quando não é ninguém da própria família. Fiquei mesmo muito revoltada”, relatou.

Qual o sentimento hoje em relação ao agressor?

“Fiquei aliviada com a sentença, mas admito que a raiva que eu senti dele, à época, passou. Por mais que eu tenha sido uma vítima, tenho dó do ser humano completamente problemático que ele é. Ele precisa de apoio, de internação, não pode ficar na sociedade à solta. Mas nós, mulheres, não temos nada a ver com os problemas dele. Só que não pode demorar quatro anos para um juiz constatar isso. Quantos crimes ele cometeu nesse tempo? Era novidade para a Justiça que ele fazia isso? Cada Diego vai demorar quatro anos para ser julgado? Tenho receio das respostas”, concluiu.

Apesar da demora no julgamento, porém, e economista aconselha que outras eventuais vítimas de ataques sexuais no transporte público não se calem. “A sensação de não estar protegida é permanente. Os riscos continuam. Mas não dá para ficar quieta com uma violência dessas. Não dá mais.”