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Ex-Guantánamo é barrado pela 2ª vez no Brasil em 'saga' para reencontrar família

Ex-preso de Guantánamo Jihad Ahmad Diyab - Enrique Marcarian/Reuters
Ex-preso de Guantánamo Jihad Ahmad Diyab Imagem: Enrique Marcarian/Reuters

Eduardo Carneiro e Renan Prates

Colaboração para o UOL

14/09/2017 18h57

Jihad Ahmed Mujstafa Diyab é um sírio que passou 12 de seus 46 anos preso em Guantánamo acusado de terrorismo, mas conseguiu ser exilado. Só que ele ainda não se sente em liberdade e encara uma verdadeira saga na tentativa de reencontrar sua família. Esta história, que inclui greves de fome e deportações, passa pelo Brasil, com duas tentativas frustradas de entrada no país – a última delas em agosto.

Pouco foi divulgado sobre a vida de Ahmed Diyab antes de 2002 – ele nasceu no Líbano e cresceu na Síria, de onde é sua nacionalidade oficial. Mas sua trajetória começou a vir à tona a partir do momento em que ele foi preso há 15 anos no Paquistão por autoridades norte-americanas.

Em meio à Guerra ao Terror, como ficou conhecida a reação do presidente George W. Bush aos atentados de 11 de setembro nos Estados Unidos, o sírio foi acusado de ligação com a Al-Qaeda e acabou enviado para a prisão militar mantida pelos EUA em Cuba: Guantánamo, que se tornou morada de tantos outros suspeitos de países árabes.

Mas fato é que o suposto terrorista não chegou a ser acusado formalmente por nenhum crime e, consequentemente, nem foi a julgamento durante o período. Muito por causa disso, em meio ao plano de esvaziar e fechar Guantánamo (posto em prática, mas não concluído pelo presidente Barack Obama), ele foi autorizado a deixar a prisão após análises dos seis departamentos e agências do governo dos Estados Unidos envolvidos na força-tarefa.

Seu destino foi o Uruguai. Junto a outros três sírios, um tunisiano e um palestino, Ahmed Diyab teve o pedido de exílio aprovado pelo governo do então presidente José Mujica e pousou em Montevidéu em 7 de dezembro de 2011. Ele pode ter deixado a temida Guantánamo, mas não se sente livre até hoje.

O ex-prisioneiro de Guantánamo Jihad Diyab, que morava em Montevidéu - Matilde Campodonico/Associated Press	 - Matilde Campodonico/Associated Press
Ex-Guantanamo é barrado pela 2ª vez no Brasil em 'saga' para reencontrar família
Imagem: Matilde Campodonico/Associated Press

Barrado no Brasil

O sírio desembarcou no Uruguai com estado de saúde debilitado e muito abaixo do peso – ele chegou a fazer greve de fome na prisão em Cuba e foi alimentado à força, fato que foi até investigado por autoridades americanas.

Recuperado e com direito a uma bolsa por ser refugiado (o valor foi caindo conforme o tempo de estadia e hoje está em 7.500 pesos uruguaios, cerca de R$ 805), passou a viver com os outros cinco ex-presidiários. Como amplamente reportado pela imprensa local nos últimos anos, do sexteto, foi ele o que menos se adaptou à nova vida.

Ahmed Diyab enfrentou dificuldades para arrumar trabalho e aprender o espanhol. Além disso, seria o único dos seis que é casado e tem filhos. A saudade da família, que hoje vive na Turquia, fez o sírio iniciar uma série de tentativas para fugir do Uruguai para lá.

E as tentativas incluem o Brasil. Em junho de 2016, ele tentou entrar por Chuí, mas acabou descoberto. O roteiro se repetiu mais recentemente, no último dia 19 de agosto, em Santana do Livramento, também no Rio Grande do Sul.

"Ele foi impedido de entrar no Brasil porque não tinha visto, só tinha visto do Uruguai, não do Brasil. Ele tentou o visto aqui, mas como foi negado, teve que voltar", explica ao UOL Alessandro Lopes, delegado da Polícia Federal da cidade gaúcha que acompanhou o caso, ressaltando que as autoridades já tinham conhecimento da condição de refugiado do sírio no país vizinho.

"Ele foi barrado por nós, que somos a autoridade de controle da cidade. O controle de imigração não é separado, fica no centro. Por isso, ele foi pego a poucos metros da fronteira. Ele já tinha até se estabelecido em um hotel. Recebemos a informação, fomos atrás e ele foi autuado".

O delegado também esclareceu que o sírio não foi detido na outra vez em que tentou entrar no Brasil. Era época de Jogos Olímpicos, o paradeiro de Ahmed Diyab se tornou desconhecido por duas semanas e até a companhia aérea Avianca lançou um alerta interno (que vazou para a imprensa) de que este suposto terrorista poderia estar no país.

"Não cabe prisão para ele nesse caso. Até disseram da outra vez que ele foi preso no Brasil, mas ele nunca foi preso. Só foi impedido de entrar", explica Lopes.

Deportações e indefinições

A última tentativa de entrada no Brasil repercutiu na imprensa uruguaia – embora Christian Mirza, responsável pela relação entre os seis ex-detentos de Guantánamo e o governo do país sul-americano, tenha assegurado que a intenção de Ahmed Diyab era encontrar um trabalho em Rivera, cidade perto da fronteira. Segundo ele, o sírio se hospedou no Brasil apenas porque o preço do hotel era mais barato.

Mas a suspeita de querer deixar o Uruguai é difícil de ser evitada em virtude do passado recente de Ahmed Diyab. Em agosto de 2016, ele conseguiu chegar à Venezuela, mas acabou descoberto e deportado. O mesmo aconteceu em dezembro de 2016, na África do Sul, e em julho de 2017, no Marrocos. Em março do ano passado, ele tentou embarcar para Moscou, capital da Rússia, mas não passou do aeroporto em Montevidéu.

Em todas estas vezes ele usou passaporte e outros documentos falsos para driblar (ou tentar driblar) as autoridades. Também voltou a fazer greves de fome e ser internado para ganhar a permissão de deixar o país sul-americano. Um grupo de apoio a ele chegou a ser criado no Uruguai, chamado "Grupo de Apoyo a Jihad Diyab".

Em seu pronunciamento mais recente sobre o caso, Christian Mirza afirmou, segundo o jornal "El Pais", que o Ministério das Relações Exteriores se preocupa com o caso e que uma possível definição para o fim da saga do sírio voltará a ser discutida. A chancelaria assegura que tentou buscar soluções com países de religião e do idioma do refugiado em 2016, mas que as negociações não avançaram.

Numa rara entrevista, que foi concedida ao jornal "La Diaria" e reproduzida pela agência de notícias "EFE" em agosto de 2016 (após voltar da Venezuela), Ahmed Diyab avisou. “Sei o que estou fazendo e vou continuar até o final. Quero me reunir com a minha família, e no lugar onde eu quiser". E concluiu: "Nada pode me parar".