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Bibi Perigosa real teme pelo futuro dos netos na Rocinha: "É um barril de pólvora"

18.set.2017 - Casa na Rocinha crivada de balas após tentativa de invasão de traficantes rivais - Reprodução/Polícia Civil do Rio de Janeiro
18.set.2017 - Casa na Rocinha crivada de balas após tentativa de invasão de traficantes rivais Imagem: Reprodução/Polícia Civil do Rio de Janeiro

Carolina Farias

Colaboração para o UOL, no Rio

18/09/2017 19h52

Assim como os milhares de moradores da Rocinha, comunidade da zona sul do Rio de Janeiro, Fabiana Escobar, 37, mulher que inspirou a novelista Glória Perez a criar a personagem Bibi Perigosa, de "A Força do Querer, não tem condições financeiras de deixar a favela para morar em outro lugar. Uma disputa de traficantes rivais pelo controle de venda de drogas levou o terror aos moradores no último domingo (17), com um tiroteio que durou ao menos cinco horas pela manhã.

“Não posso ter vontade de morar em outro lugar porque não tenho condições. Vou onde a mão alcança, não posso sonhar. É aqui que moro”, disse Fabiana, que inspirou o papel interpretado pela atriz Juliana Paes. Fabiana já foi a “Baronesa do Pó” na época em que foi casada com Saulo de Sá Silva, o traficante Saulo da Rocinha, conhecido como o "Barão do Pó", que está preso desde 2008. Ela tem dois filhos e dois netos que também vivem na comunidade.

Na manhã desta segunda-feira (18), quando 400 policiais entraram na comunidade após a tentativa de invasão, ela ficou preocupada quando sua filha foi trabalhar.

“Ela trabalha em uma loja em um shopping que é ela quem abre. Muita gente tem que ir trabalhar porque o patrão não quer saber [do que acontece na favela]”, afirmou Fabiana, que hoje trabalha como roteirista de cinema.

A situação na comunidade foi tensa na segunda-feira. A operação policial deixou ao menos um suspeito morto --segundo a polícia, ele foi encontrado com uma pistola e trocou tiros com agentes. Entre domingo e hoje, confrontos entre traficantes rivais e de criminosos com a polícia deixaram ao menos quatro mortos.

Foram localizados dois corpos carbonizados. A presença da polícia gera ainda mais apreensão entre os moradores.

Bibi Perigosa Real Fabiana Escobar - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
"A gente vive uma paz momentânea, qualquer coisa abala, é um barril de pólvora", diz Fabiana Escobar
Imagem: Arquivo Pessoal

“Na verdade, a gente vive uma paz momentânea, qualquer coisa abala, é um barril de pólvora. Não é de hoje que é assim. Hoje não aconteceu nada, mas está aquela tensão. São três 'canhões virados' para a gente”, afirmou Fabiana, com uma metáfora sobre a presença da polícia além das duas quadrilhas que disputam o domínio do tráfico.

A violenta troca de tiros teria ocorrido porque aliados de Antônio Francisco Bonfim Lopes, o Nem, preso desde 2011, tentaram tirar da chefia do tráfico Rogério Avelino da Silva, o Rogério 157, que subiu ao posto com a prisão de Nem. O ex-chefe do tráfico na Rocinha não estaria satisfeito com a atuação de 157.

Para Fabiana, disputas entre traficantes são ainda piores que confrontos entre policiais e criminosos. “Traficante com traficante é mais tenso. Eles conhecem todo mundo da comunidade. Sabem quem é amigo de quem, quem fala com quem. Dividem a comunidade como em torcidas organizadas”, afirmou ela.

Ela diz que, na época, em que seu ex-marido era o principal traficante da Rocinha a situação não era tão violenta.

“Era diferente porque não tinha polícia, não havia risco de conflito. Era raro ter tiroteio. Mas é um tranquilo entre aspas. Uma coisa pautada em violência, na base do medo, nunca é calma. Havia umas ameaças e tentativas de invasão, mas nunca aconteceu”, contou Fabiana.

Segundo ela, os boatos de tentativa de invasão ao morro para a tomada do poder do tráfico na comunidade começaram no último sábado (16). Nesse dia, parte da comunidade já ficou sem luz. A casa de Fabiana ficou sem energia até domingo (17).

“Tem gente até hoje sem energia e sem água também. É muito triste. As crianças sem irem à escola, todo mundo apavorado trancado em casa”, comentou Fabiana, que tem o desejo de ver seus netos, de três e um ano, crescerem em outro lugar.

“Apesar de droga e crime não serem específicos das favelas, pois tem gente criada no asfalto e com escola boa que entra para o crime, eu não quero que eles cresçam achando que isso é normal. Tráfico, violência não são normais. Se continuarem aqui, isso vai fazer parte do cenário do dia-a-dia deles”, concluiu Fabiana.

Apesar de ter sido casada por 14 anos com Saulo e ter praticado atos ilícitos para ajudar o marido, Fabiana nunca foi presa por associação com o tráfico. Ela respondeu a processo, mas não foi condenada.

O traficante foi condenado a 18 anos por tráfico de drogas e associação com o tráfico. Antes disso, ele havia fugido da prisão, com outros 13 detentos, em dezembro de 2005.