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MG: Vítima de incêndio em creche aniversariou no dia da tragédia; crianças são veladas

Garoto Luiz Davi Carlos Rodrigues velado na casa da família, durante a madrugada - Mário Bittencourt/Colaboração para o UOL
Garoto Luiz Davi Carlos Rodrigues velado na casa da família, durante a madrugada Imagem: Mário Bittencourt/Colaboração para o UOL

Mário Bittencourt

Colaboração para o UOL, em Janaúba (MG)

06/10/2017 05h10Atualizada em 06/10/2017 11h39

Auxiliar de sala de aula da creche de Janaúba onde ocorreu o incêndio que até o momento deixou 24 feridos e sete mortos  --cinco crianças uma professora e o segurança que provocou as chamas--, Geni Oliveira Lopes Martins completou 63 anos exatamente no dia da tragédia, quinta-feira (5), que mobilizou a cidade de 71 mil habitantes do norte mineiro.

No incêndio, o vigia noturno Damião Soares Santos, 50, ateou fogo ao próprio corpo e depois nas crianças. Gravemente ferido, ele morreu na tarde da quinta.

Geni foi transferida para Belo Horizonte e chegou, de helicóptero ao Hospital João XXIII, às 11h10. Outras duas pessoas, uma professora e uma criança, também chegaram ao hospital, que é referência no tratamento de queimaduras. O quadro de saúde delas é gravíssimo.

“Estávamos com uma festinha surpresa já programada para Geni, que é uma pessoa muito boa, querida por todos na família. Ama o que faz, sempre foi muito dedicada e estava feliz com o trabalho na creche, onde atua há dois anos”, disse a irmã, Maria Aparecida Lopes, 58, que esteve com Geni no hospital regional de Janaúba.

“Ela está muito machucada, toda entubada, inconsciente. Dá pena de ver”, comentou a irmã. “O que podemos fazer agora é rezar para que ela possa conseguir se salvar; a vida dela está por um fio. Estive com ela ontem [quarta-feira], conversamos sobre as crianças da creche, e ela me disse do prazer em trabalhar no local.”

Todos os outros feridos são crianças, a grande maioria delas já transferidas para hospitais de Montes Claros e Belo Horizonte para tratamento especializado em queimaduras. Três crianças estão no Hospital Maternidade sem ferimentos graves.

“Elas tiveram poucas queimaduras e vieram para cá para desafogar o atendimento no Hospital Regional”, disse a assistente social Márcia de Souza, uma das voluntárias que estão realizando trabalho de auxílio no atendimento às vítimas da tragédia. Os hospitais também recebem doações de remédios, fraldas e materiais de limpeza.

Exausto

Por volta das 23h desta quinta, no rosto de muitos estava estampado o cansaço de um dia inteiro na correria por salvar vidas. Na recepção do Hospital Maternidade, uma enfermeira comentava que precisava de um psicólogo para poder se recuperar do que viu. Pela unidade, passaram 18 crianças.

“A gente espera passar por algumas situações, mas igual a esta nunca passou pela minha cabeça, ainda mais envolvendo crianças”, disse a enfermeira, preferindo não revelar o nome. “Mas o que choca mesmo é como tudo aconteceu, por um ato bárbaro de alguém que não pensou nos meninos.”

6.out.2017 - Velório do garoto Juan Miguel Soares Silva, morto no incêndio da creche de Janaúba (MG) - Mário Bittencourt/Colaboração para o UOL - Mário Bittencourt/Colaboração para o UOL
Velório de Juan Miguel Soares Silva, durante a madrugada, em um bairro de Janaúba
Imagem: Mário Bittencourt/Colaboração para o UOL
Os corpos de três deles estavam sendo velados na madrugada desta sexta no bairro Barbosa, que fica a 10 minutos de caminhada da creche que frequentavam. Sentada em uma cadeira de plástico no quintal onde costumava brincar com o neto Luiz Davi, a aposentada Hilda Maria Conceição Rodrigues, 63, se amparava nas próprias palavras.

“Acabou Luiz Davi. Ah, se Deus voltasse ele pra mim, eu ia no lugar dele. O menino tinha uma vida pela frente. Não estou acreditando que ele está naquele caixão, que aquele lá é o meu neto. Fico besta como tem gente que faz maldade com os outros”, ela dizia, enquanto a mãe da criança, inconsolável, estava em prantos num quarto.

Mas a idosa de cabelos acaju e voz rouca não é só luto. Depois de ficar calada por uns instantes pensando, ela fez um comentário que pegou outros parentes de surpresa: “Se ele tivesse vivo [o vigia], nós teríamos o prazer de cuidar da vida dele. Ele era uma pessoa doente, precisava de cuidado. Mas ia ter de pagar na Justiça também”.

No luto, a vida

E enquanto no velório de Luiz Davi se falava em dar vida a quem trouxe a morte, no de Juan Miguel havia uma mistura de tristeza e gratidão - as casas onde ocorrem os velórios são separadas por duas ruas. É que o mesmo fogo que levou o pequeno apenas sapecou o pé direito da prima Laís Emanuely, de 1 ano e seis meses, que estava no berçário.

“Agradeço muito a Deus por estar aqui com minha filha. Nem fumaça ela inalou, o médico disse que o pulmão dela está ótimo. Foi um milagre para mim, pois se o fogo fosse até o berçário iria causar uma tragédia bem maior”, observou a mãe de Laís, a dona de casa Camila Samili Silva de Oliveira, 25, que nem na creche precisou ir.

“Levaram ela para a casa do meu sogro. Fiquei sabendo do fogo e fui para lá correndo, mas no meio do caminho uma prima me disse que ela já tinha sido retirada de lá”, disse Camila. Foi uma realidade bem diferente da que viu Janiqueli da Silva Soares, mãe de Juan Miguel.

“Levei meu filho ontem e hoje para a creche, estava tão feliz, animado com as brincadeiras que estavam tendo nesta semana do Dia das Crianças. Ver meu filho naquela situação, nem tempo de dar socorro teve... uma judiação.”

Os sepultamentos de Juan Miguel e Luiz Davi devem ocorrer, respectivamente, às 9h e 12h no Cemitério do São Lucas, em Janaúba. Os enterros das outras crianças devem ocorrer também pela manhã no mesmo cemitério.