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Filho de Picciani é preso em operação da Lava Jato do Rio

Felipe Picciani é suspeito de ter lavado dinheiro de propina a partir de transações envolvendo negócios da família - L. Adolfo/Estadão Conteúdo
Felipe Picciani é suspeito de ter lavado dinheiro de propina a partir de transações envolvendo negócios da família Imagem: L. Adolfo/Estadão Conteúdo

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, no Rio*

14/11/2017 06h36Atualizada em 14/11/2017 12h57

Felipe Picciani, filho do presidente da Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro), Jorge Picciani (PMDB), foi detido na manhã desta terça-feira (14), em uma nova fase da força-tarefa fluminense da Operação Lava Jato. Contra ele havia mandado de prisão temporária expedido pela Justiça. O empresário Jacob Barata Filho e outros oito investigados também são alvos de prisão dentro da ação, realizada pela Polícia Federal no Rio e em outros Estados.

Felipe, um dos quatro filhos do chefe do Legislativo estadual, foi localizado em Minas Gerais, onde a família tem uma fazenda, e recebeu voz de prisão por volta das 6h. Ele será levado para a sede da Polícia Federal no Rio, onde deverá prestar depoimento.

Na versão da PF, Felipe é suspeito de ter lavado dinheiro de propina a partir de transações envolvendo negócios da família. Ele e o pai são sócios em uma empresa do ramo agropecuário.

Em nota, Jorge Picciani negou as acusações e definiu a prisão do filho como “uma covardia” com objetivo de atingi-lo.

A ação, batizada Cadeia Velha, foi articulada a partir de investigações sobre crimes envolvendo empresários do setor de transporte público e deputados da Alerj, tais como corrupção, associação criminosa, lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Segundo representação do Ministério Público, diretores de empreiteiras como Odebrecht, OAS e Carioca Engenharia, entre outras, também teriam pagado propina a deputados em troca de leis favoráveis.

O esquema funcionaria desde a década de 90. Entre 2010 e 2016, teria movimentado quase R$ 349 milhões. Segundo comunicado do TRF-2 (Tribunal Regional Federal da 2ª Região), a cifra vem de uma contabilidade paralela da Fetranspor (Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro), um sindicato empresarial que reúne mais de 200 empresas de transporte por ônibus no Rio.

Os agentes da PF cumprem mandados de condução coercitiva (quando o alvo é obrigado a ir prestar depoimento) contra três deputados estaduais do PMDB: o próprio Jorge Picciani; o atual líder do governo na Alerj, Edson Albertassi; e Paulo Melo, ex-presidente da Casa. Eles são apontados como líderes da suposta organização criminosa, integrada ainda pelo ex-governador Sérgio Cabral, também do PMDB. A mulher de Albertassi, Alice Albertassi, também é alvo de um mandado de condução coercitiva.

Na decisão em que autoriza as prisões e conduções coercitivas, o desembargador Abel Gomes, relator dos processos da Lava Jato no TRF-2, diz que documentos e depoimentos prestados em acordos de delação premiada são provas suficientes da existência dos crimes, assim como de sua autoria. Entre outros elementos, Gomes cita dados do sistema Drousys, usado pela Odebrecht para gerenciar o pagamento de propinas.

Jorge, que estava fora do Rio, desembarcou no aeroporto Santos Dumont na manhã e já chegou à sede da PF, localizada na praça Mauá, na região central da cidade. Esta é a segunda vez que o presidente da Alerj será obrigado a depor à Polícia Federal por força de ordem judicial. A primeira ocorreu em março deste ano, quando ele foi investigado na Operação O Quinto do Ouro.

Jorge Picciani é escoltado por agentes da PF no aeroporto Santos Dumont - Rodrigo Menezes/Futura Press/Estadão Conteúdo - Rodrigo Menezes/Futura Press/Estadão Conteúdo
Jorge Picciani é escoltado por agentes da PF no aeroporto Santos Dumont
Imagem: Rodrigo Menezes/Futura Press/Estadão Conteúdo

De acordo com as investigações, os parlamentares receberam propina para favorecer a Fetranspor.

"A organização, como apurou o MPF, vem adotando práticas financeiras clandestinas e sofisticadas para ocultar o produto da corrupção, que incluiu recursos federais e estaduais, além de repasses da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro", informou o MPF (Ministério Público Federal), em nota.

Já segundo a PF, "A investigação aponta a existência de clara atuação legislativa desses parlamentares em favor dos interesses da Fetranspor, indicando também uma grande evolução patrimonial dos envolvidos desde que ingressaram na atividade política, e incompatível com os rendimentos inerentes aos cargos ocupados", informou a PF.

O MPF informou ter solicitado ao TRF-2 a prisão preventiva contra os três deputados do PMDB, mas o desembargador Gomes decretou a condução coercitiva como alternativa à medida restritiva de liberdade, pois a Constituição do Estado estabelece que os parlamentares só podem ser presos em flagrante de crime inafiançável. 

Os procuradores sustentam, no entanto, que os crimes supostamente praticados pelos políticos do PMDB são inafiançáveis e "seguem em flagrante delito, sobretudo de associação criminosa e lavagem de ativos", defendendo assim que os pedidos de prisão não precisam ser submetidos à avaliação da Alerj. O MPF também pediu o afastamento dos suspeitos de suas funções públicas.

Os procuradores já pediram ao TRF-2 para reconsiderar o pedido de prisão preventiva dos deputados. "Havendo demonstração cabal de ilícitos gravíssimos e até mesmo alguns em estado de flagrância, à vista de sua natureza permanente, e que a liberdade dos referidos alvos implicaria perigo concreto à ordem pública, além da aplicação da lei penal, requer o MPF sejam deferidas prisões preventivas em desfavor dos deputados estaduais ora investigados", diz o MPF em nota.

Gomes entendeu que o pedido deve ser analisado pela Primeira Seção do tribunal, especializada em direito penal e formada por seis desembargadores --entre eles o próprio Gomes. Ele pediu ao presidente da seção, Antonio Ivan Athié, a realização de uma sessão extraordinária, já que o colegiado se reúne apenas na quarta quinta-feira de cada mês.

O ministro do Esporte, Leonardo Picciani (PMDB), filho de Jorge e irmão de Felipe, não é alvo das investigações.

No total da Operação Cadeia Velha, a Justiça expediu seis ordens de prisão preventiva (sem prazo) e quatro temporárias (com prazo inicial de cinco dias), além de quatro mandados de condução coercitiva (três deles contra os deputados do PMDB) e outros 35 de busca e apreensão.

Também são alvos de mandados de prisão: Lélis Teixeira, ex-presidente da Fetranspor; José Carlos Lavoras, ex-conselheiro da Fetranspor; Jorge Luiz Ribeiro, Carlos Cesar da Costa Pereira, Andreia Cardoso do Nascimento, Ana Claudia Jaccoub, Marcia Rocha Schalcher de Almeida e Fábio Cardoso do Nascimento.

"Não há um chefe mor, mas, sim, um comando horizontal de uma grande confraria do crime organizado no Estado do Rio de Janeiro", declarou o superintendente regional da PF no Rio, Jairo Souza da Silva, em entrevista coletiva. "O Estado do Rio vem sendo saqueado por esse grupo há mais de uma década."

Indicação para o TCE-RJ

Na versão do MPF, a indicação de Albertassi para o conselho no Tribunal de Contas estadual pode ter sido uma "manobra" para evitar o avanço das investigações.

O nome de peemedebista foi escolhido pelo governador Luiz Fernando Pezão (PMDB) e enviado para o aval do plenário da Casa. A votação seria feita nesta terça, mas foi suspensa em virtude da Operação Cadeia Velha. Se aprovado, o parlamentar ocuparia a vaga deixada por Jonas Lopes, delator e réu em ação penal da Lava Jato.

No TCE-RJ, Albertassi teria foro privilegiado, e a investigação passaria automaticamente do TRF-2 para o STJ (Superior Tribunal de Justiça), fazendo com que as apurações dependessem de nova autorização. Essa é a primeira vez em que uma ação da Lava Jato no Rio é autorizada por um Tribunal Regional Federal.

"Rei do Ônibus"

Barata Filho, que foi alvo da Operação Ponto Final --cujas investigações originaram a ação realizada hoje--, já havia sido preso em julho por decisão do juiz da 7ª Vara Federal Criminal, Marcelo Bretas.

Herdeiro do "Rei do Ônibus", seu pai, Jacob Barata, dono da maior frota no Estado, Barata Filho é acusado de pagar propina a agentes públicos em troca de vantagens.

O esquema seria, de acordo com o Ministério Público, chefiado pelo ex-governador Sérgio Cabral (PMDB), preso e condenado em ações penais da Lava Jato.

Em agosto, o empresário obteve liminar no Supremo Tribunal Federal e deixou a cadeia. A decisão foi do ministro Gilmar Mendes, que considerou que não havia motivo para a manutenção da prisão preventiva do suspeito.

Segundo noticiou o UOL em 2015, Jacob Barata tinha contas bancárias listadas no HSBC da Suíça nos anos de 2006 e 2007. Os nomes surgiram no maior vazamento de dados bancários da história, conhecido como SwissLeaks.

Os registros do HSBC “private bank” de Genebra indicavam que Jacob mantinha US$ 17,6 milhões em uma conta conjunta com sua mulher Glória e seus filhos Jacob, David e Rosane.

Em outro caso, o Panama Papers, Jacob Barata foi citado, junto com parente, como titular de 3 empresas offshoress. A lei brasileira permite a qualquer cidadão ter uma empresa num paraíso fiscal. É necessário, entretanto, que a operação esteja registrada no Imposto de Renda do proprietário. Quando há envio de recursos para o exterior é também obrigatório informar ao Banco Central sobre a operação, em casos que superem determinado valor.

Prisão de meu filho é covardia, diz Jorge Picciani

Em nota, Jorge Picciani afirmou que acusações contra ele e sua família são falsas. “Em toda a minha carreira jamais recebi qualquer vantagem em troca de favores”, afirmou.

Jorge Picciani definiu a prisão do filho como “uma covardia” com objetivo de atingi-lo. “Felipe é um zootecnista, bom pai, bom filho, bom amigo, que trabalha de sol a sol e não tem atuação política. Todos que o conhecem o respeitam e sabem do seu caráter e correção”, afirmou.

O peemedebista disse ainda que a indicação de Albertassi para o TCE foi feita pelo governador Luiz Fernando Pezão e que determinou sua suspensão por determinação da Justiça.

Outro lado

O deputado Edson Albertassi ainda não se pronunciou sobre as acusações. De acordo com o assessor de imprensa do parlamentar, uma nota será enviada no decorrer do dia.

A Alerj informou apenas que, por decisão de Jorge Picciani, a votação da indicação de Albertassi para vaga de conselheiro no TCE-RJ foi suspensa. A Casa não se manifestou quanto às acusações contra os parlamentares.

Procurada, a defesa de Jacob Barata Filho afirmou que ainda não teve acesso ao teor do pedido de prisão preventiva e, por esse motivo, não tem condições de se manifestar a respeito. Os advogados informaram que pretendem recorrer da decisão a fim de restabelecer as medidas alternativas decretadas pelo ministro Gilmar Mendes --recolhimento noturno domiciliar, entrega do passaporte, entre outras.

A Fetranspor disse em nota que "permanece à disposição para prestar os esclarecimentos necessários às investigações". O UOL procurou também os advogados do presidente do órgão, Lelis Teixeira, mas eles ainda não se manifestaram.

O deputado Paulo Melo ainda não foi encontrado para comentar o caso.

UOL tenta contato com a defesa dos demais suspeitos para que eles possam comentar a investigação.

*Com colaboração de Marcela Lemos, no Rio

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