Demorou 27 anos: Hospital é condenado por contaminar jovem com HIV
Vinte e sete anos depois de ver o irmão contaminado com o vírus da Aids durante uma transfusão de sangue, uma família de Terra Roxa (interior de São Paulo) conseguiu na Justiça uma indenização que pode chegar a R$ 1 milhão.
A decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, do dia 23 de novembro, condenou um hospital de Ribeirão Preto (82 km de Terra Roxa) a fazer a indenização. O adolescente tinha 17 anos na ocasião e acabou morrendo um ano depois.
Marcos Roberto Amânsio Vieira era portador de uma doença renal crônica que o obrigava a fazer até três sessões de hemodiálise por semana. Para isso, ele deixava Terra Roxa e ia a Ribeirão Preto, onde se tratava
Ele se prepara para fazer o transplante que poderia dar a ele uma vida normal. No processo preparatório, precisou de uma transfusão de sangue, realizada em 5 de janeiro de 1990 no hospital Beneficência Portuguesa de Ribeirão Preto. O procedimento foi feito no hospital e a bolsa de sangue estava contaminada com o vírus.
A família foi informada logo depois da contaminação e, segundo Alessandra Amâncio Vieira, irmã de Marcos, a preparação para o transplante foi interrompida.
“Eu era adolescente e lembro que os médicos chamaram minha mãe em uma sala e contaram que ele tinha sido contaminado. Falaram que uma enfermeira tinha trocado as etiquetas de duas bolsas de sangue, uma contaminada e outra não”, conta.
Com a saúde debilitada e devido à contaminação, o transplante foi cancelado e Marcos acabou morrendo em novembro de 1991. “Ele já tinha até conseguido o doador, mas não pode fazer”, disse.
Marcos morreu por problemas renais, diz hospital
A reportagem procurou a Beneficência Portuguesa para comentar o assunto. O presidente da instituição, Ricardo Marques, disse que iria consultar seu departamento jurídico para se pronunciar sobre o caso, o que não ocorreu até o fechamento da matéria.
No processo, o hospital alegou que a morte de Marcos ocorreu devido a problemas renais, não em decorrência da contaminação.
O argumento foi rejeitado pelo desembargador Fábio Quadros, relator do caso no Tribunal de Justiça, para quem “o fato de ter constado a causa mortis como decorrência de doença renal não desvirtua a culpa da ré ao faltar com as diligências devidas em fiscalizar a qualidade do material sanguíneo por ela recebido e utilizado em seus pacientes”.
“Como é cediço e de conhecimento público, a infecção pelo HIV atinge séria e inexoravelmente o paciente, atingindo duramente seu sistema imunológico, fazendo-o suscetível a outros tantos males oportunistas e agravando o mal que já o debilitavam”, afirmou o magistrado, na sentença.
Mãe morreu antes da decisão
A demora na indenização ocorreu por conta do trâmite judicial. Logo depois da morte de Marcos Roberto, a mãe dele, Maria Aparecida de Castro Vieira, ingressou com uma ação de perdas e danos na qual pedia que o hospital a indenizasse.
Houve condenação em primeira instância, mas, em 1996, ’a sentença, que estipulava o pagamento mensal de dois salários mínimos à família, foi reformada pelo Tribunal de Justiça.
O desembargador que julgou o caso informou que a mãe deveria entrar com outra ação, específica para cobrar esse pagamento.
Alessandra conta que a mãe não foi informada sobre o andamento do processo e só procurou novamente a Justiça em 2007. “Ela não sabia que o pedido havia sido negado, que tinha que fazer outra ação. Quando ficou sabendo, foi atrás”, afirmou.
Apesar disso, Maria Aparecida não viveu o suficiente para ver a causa julgada. Ela faleceu em 2013, quando o processo já estava em curso, mas a sentença de primeira instância foi dada apenas em 2016. Com isso, quem deve receber o dinheiro são três irmãos de Marcos.
Embora seja impossível precisar, antes da execução da sentença, o valor que os familiares devem receber, o valor da causa, no momento, é de R$ 578 mil. Mas o montante pode chegar a até R$ 1 milhão devido aos juros que serão aplicados no momento do pagamento.
Além de uma indenização por danos morais no valor de R$ 40 mil, dos custos do funeral e despesas médicas comprovadas pela família no processo, o hospital Beneficência Portuguesa terá de pagar: dois salários mínimos por cada mês entre a contaminação e a morte de Marcos; dois terços salário mínimo para cada mês decorrido entre a morte do adolescente e a data na qual completaria 25 anos, um período de oito anos; e metade do salário mínimo do momento em que Marcos completou 25 anos até o falecimento da mãe, ocorrido em março de 2013, o que completa 14 anos.
“O valor exato será aferido no momento da execução da sentença, mas os juros são cobrados desde a citação do processo, ocorrida em 2017. São dez anos de juros”, afirma o advogado Marco Antonio de Souza.
Para Alessandra, embora o dinheiro possa mudar a vida da família, representa também uma frustração.
“Meu irmão era o caçula, era tudo para minha mãe. E ela morreu sem ver a Justiça ser feita, sem ver o hospital ser responsabilizado. Nada trará meu irmão de volta, mas eu queria que ela tivesse visto essa decisão”, conta.
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