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"Vamos honrar posição do STF e do papa", diz relator de projeto que legaliza união gay

Casais homossexuais se casam em frente ao Congresso Nacional, em Brasília - Ed Ferreira 28.jun.2015 -/Folhapress
Casais homossexuais se casam em frente ao Congresso Nacional, em Brasília Imagem: Ed Ferreira 28.jun.2015 -/Folhapress

Gustavo Maia

Do UOL, em Brasília

05/12/2017 04h00

Exatos seis anos e sete meses depois de o STF (Supremo Tribunal Federal) ter reconhecido as uniões estáveis entre homossexuais no país, o Senado deve votar nesta terça-feira (5) um projeto de lei que altera artigos do Código Civil para firmar o entendimento na legislação brasileira.

A decisão da Corte, de 5 de maio de 2011, estendeu a casais gays direitos já garantidos a pares heterossexuais como pensões, aposentadorias e inclusão em planos de saúde. Dois anos depois, resolução do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) orientou cartórios de todo o país a celebrar casamentos civis de casais do mesmo sexo e converter em casamento união estável homoafetiva.

O projeto em tramitação no Congresso tem como objetivo acabar com qualquer insegurança jurídica sobre o assunto. A matéria está pronta para votação no plenário do Senado desde maio desse ano, mas enfrenta resistência da bancada evangélica no Legislativo.

Na semana passada, o senador Magno Malta (PR-ES), que é presidente da Frente Parlamentar Mista Permanente em Defesa da Família, chegou a apresentar um requerimento de adiamento da votação, mas seu pedido foi derrotado por 25 votos a 16. Ele diz que pretende “derrubar definitivamente” o projeto, que acabou não sendo votado na última terça (28) por falta de quorum.

O projeto foi apresentado em setembro de 2011 pela senadora Marta Suplicy (PMDB-SP). Relator da matéria, o senador Roberto Requião (PMDB-PR) disse nesta segunda ao UOL que o texto apenas confirma o que o foi decidido pelo STF.

Ele afirmou, no entanto, que aceitaria emendas à redação, como por exemplo a substituição do termo “casamento” por “união civil” --segundo o senador, uma sugestão de evangélicos. “Não muda nada. É uma sociedade entre duas pessoas”, declarou.

Vamos honrar a posição do Supremo e do papa. Não vamos fazer casamento, não estamos obrigando igreja a fazer nada. É uma sociedade que duas pessoas fazem. Não é casamento, não é nada. É o que o Supremo já decidiu”, disse Requião.

Se for aprovado, o projeto seguirá para a Câmara, onde a chamada “bancada da Bíblia” é mais forte que no Senado.

Um dos artigos alterados, segundo a proposta do senador peemedebista, passa a definir como entidade familiar a união estável “entre duas pessoas” ao invés de “entre o homem e a mulher”.

  • Como é hoje:
    Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.”
  • Como pode ficar:
    Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre duas pessoas, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.
  • Como é hoje:
    Art. 1.514. O casamento se realiza no momento em que o homem e a mulher manifestam, perante o juiz, a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal, e o juiz os declara casados.
  • Como pode ficar:
    “Art. 1.514. O casamento se realiza no momento em que duas pessoas manifestam, perante o juiz, a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal, e o juiz os declara casados.”

Em discurso na semana passada, Malta afirmou que não acredita em relação homoafetiva. “É pelos nossos princípios cristãos? Sim. É por nossas convicções? Sim, e de todos aqueles que defendem e acreditam nessas convicções”, declarou.

“Em um país majoritariamente cristão, devemos respeitar todos, como também merecemos respeitos pelas nossas convicções”, completou o senador.

Autora do projeto, Marta Suplicy disse que há milhares de pessoas no Brasil que gostariam de ter a garantia na legislação “para não serem obrigadas a se submeterem a um juiz que pense diferente, a um dono de cartório que ache diferente, para não passarem por humilhações”.

“Isso não tira pedaço de heterossexual, simplesmente dá direito e cidadania a pessoas que são humilhadas, assassinadas, desrespeitadas por este Brasil todo. Está na hora [...] de a gente não virar o farol do atraso”, completou a peemedebista.

Malta rebateu questionando, ironicamente, o que seria o “farol do avanço”. “A ciência mudou? A internet fez o mundo diferente? Mas ressalto que Deus não mudou. Não existe cromossomo homossexual. Existe macho e fêmea, é nisso que nós acreditamos.”

Ao UOL, Requião minimizou a discussão, que segundo ele nem deveria acontecer, já que o Supremo já decidiu sobre o assunto. “Você não pode fazer um casamento civil com uma mulher? Não pode fazer uma sociedade para fabricar sorvete e vender na praça? Pode fazer uma sociedade civil com uma pessoa”, argumentou.

A importância do projeto, para o senador, é a inclusão da garantia na legislação, “para consolidar e para as pessoas saberem exatamente a regulamentação”.

“O Magno Malta está fazendo esse barulho todo, mas provavelmente quer casar com algum rapaz. [Com a lei], ele vai estar liberado. Hoje ele é contra, amanhã pode ser a favor”, brincou Requião.

A reportagem tentou falar com o senador do Espírito Santo pelo telefone celular na tarde e na noite desta segunda, mas as chamadas foram direcionadas para a caixa postal.