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Promessa de vestibular vira "ritual natalino", e irmãos distribuem brinquedos para crianças carentes

A dentista Lorena de Souza e o irmão dela, Leandro, distribuem brinquedos para crianças carentes em Salvador - Alisson Louback/UOL
A dentista Lorena de Souza e o irmão dela, Leandro, distribuem brinquedos para crianças carentes em Salvador Imagem: Alisson Louback/UOL

Alexandre Santos

Colaboração para o UOL, em Salvador

17/12/2017 04h00

A dentista Lorena de Souza, 34, e o irmão dela, o cardiologista Leandro de Souza, 32, repetem neste domingo (17) um gesto que mantêm há pelo menos 13 anos: a uma semana do Natal, trocarão o jaleco branco pela tradicional vestimenta vermelha, composta de calça, blusão e gorro, com seus detalhes brancos aveludados.

Caracterizados como Mamãe Noel e Papai Noel, os dois irão às ruas de Salvador com a missão de distribuir brinquedos para crianças carentes. Nos dias que antecedem essas ocasiões, os irmãos costumam varar a madrugada arrumando e embalando os presentes.

Cumprida a primeira parte da tarefa (embrulhar os presentes), os irmãos tiram um cochilo e, antes de o sol nascer, já estão a postos para fazer as vezes do bom velhinho em alguma comunidade da periferia da capital baiana.

Neste ano, o local escolhido é a região de Alagados, área tomada por um sem-número de palafitas que flutuam sobre uma água turva e fétida. Trata-se da mesma Alagados cantada nos anos 1980 pelos Paralamas dos Sucessos acerca da situação de extrema pobreza do lugar. Realidade que ainda persiste, mas que, ao menos por hoje, será minimizada diante da iniciativa dos irmãos.

“Eu fico emocionada. Ainda mais com essas reações vindas de um ser puro. Cada evento é uma emoção diferente. Cada evento é um amor, um carinho. Tem criança que se emociona, outras são mais fechadas. Agradecem a gente, perguntam quando vamos voltar. Como a maioria não está acostumada, fica só observando. Depois, vai se aproximando”, afirma Lorena.

“É uma sensação única. Fazer isso dá o maior prazer. É cansativo? É. Mas só em chegar lá e ver a alegria de uma criança, ela sorri pra você, vestido de Papai Noel. Ela te pedir um abraço. Às vezes, ela só quer um abraço, uma foto. Só quer isso. É gratificante. Não tem coisa melhor. Você sai do local satisfeito. E essa alegria toma você por muito tempo, só por ter feito aquele simples gesto”, descreve Leandro.

“Temos que saber a quantidade certa de brinquedos”

Lorena e Leandro afirmam que, se não fosse o apoio de familiares e pessoas próximas, seria impossível dar conta da tarefa. Isso porque a logística começa três ou quatro meses antes do grande dia.

Papai Noel Salvador - Alisson Louback/UOL - Alisson Louback/UOL
Uma promessa de vestibular fez com que os irmãos se envolvessem com as doações
Imagem: Alisson Louback/UOL

Primeiro, há a mobilização de amigos, que enviam os presentes de onde quer que estejam. Muitos deles, contam os irmãos, vivem fora do Brasil, em países como Portugal, França, Angola, Estados Unidos e Israel.

Por causa da distância geográfica, estes podem mandar quantias em dinheiro para a aquisição das lembranças --nesse caso, abre-se uma exceção, uma vez que a ideia é a pessoa escolher brinquedos que desejar. Ao fim das compras, eles receberão cópias de notas fiscais, a título de prestação de contas.

No dia de entregar os mimos, o apoio logístico fica sob a responsabilidade dos pais, os advogados Nivaldo, 62, e Bernadete, 59. De carro, o casal os acompanha em comboio. Quando chega no ponto previamente escolhido da localidade escolhida, ajuda a distribuir os presentes.

Enquanto uma fila de crianças ansiosas pela chegada do Papai Noel é organizada, o som de um dos veículos entoa músicas natalinas.

Em geral, a Mamãe Noel, assistente do bom velhinho, chega primeiro, uma vez que ele tende a despertar mais o imaginário dos pequenos.

“Antes de ir à comunidade, uma liderança já terá colhido informações importantes. É preciso, por exemplo, ter ideia de quantas crianças têm ali. Eles também mostram a comunidade pra gente. Quando estamos lá, explicamos às pessoas o que fomos fazer ali. Temos que saber quantos presentes teremos que levar. Não podemos chegar lá, 50, 70, 80 crianças receberem, e uma não receber. Temos que saber a quantidade certa de brinquedos. Por isso sempre levamos um pouco a mais. Geralmente, sempre tem uma criança que leva o primo, uma mãe que leva o sobrinho”, explica Leandro.

Segundo ele, nos últimos cinco anos, foram arrecadados cerca de mil brinquedos, entre bolas de futebol, carrinhos, bonecas, bicicletas, patinetes, velotrois e skates. “Caso sobrem, ficam guardados para a comunidade que for escolhida no ano seguinte. No início, distribuíamos brinquedos usados, alguns a gente mesmo consertava. Mas, depois, decidimos que só faríamos com brinquedos novos.”

Papai Noel Salvador - turma - Alisson Louback/UOL - Alisson Louback/UOL
A turma toda que ajuda na entrega de presentes natalinos; bolas são os favoritos
Imagem: Alisson Louback/UOL

Bolas de couro são os presentes preferidos. “Hoje em dia, as meninas nem querem tanto boneca, só as pequenas”, conta Leandro. “As maiores querem bola de vôlei e até bola de futebol. Às vezes, querem um diário.”

"Promessa feita é promessa cumprida"

Em 2004, Leandro aguardava apreensivo o resultado do vestibular que prestou para medicina. Apaixonado pela profissão desde criança, o então estudante já havia sido aprovado dois anos antes para odontologia, curso que sua irmã já frequentava.

O caçula, entretanto, não quis seguir o mesmo caminho. “Até briguei porque ele não levou em frente, pois só queria medicina. Foi aí que ele insistiu. Abdicou do cursinho e decidiu estudar em casa. Ficou preso dentro do quarto. Não ia pra festa, pra lugar nenhum”, recorda o pai, Nivaldo.

Às vésperas da divulgação da lista final do curso, Leandro resolveu fazer uma promessa: doaria todos os seus carrinhos se fosse aprovado. Empolgada, Lorena comprou a ideia e também se comprometeu a passar adiante as bonecas que colecionava.

O resultado saiu. Leandro foi aprovado. “Promessa feita é promessa cumprida. Doei meus carrinhos, e minha irmã, as bonecas dela. Isso foi na porta da igreja da Piedade [no centro da cidade]. Lembro-me que no dia foi uma confusão danada, com um monte de pessoas em cima da gente. Nossa sorte é que a polícia estava próximo e nos ajudou a distribuir. A partir de então, gostamos tanto da ideia que no ano seguinte fizemos a mesma coisa, só que em outro lugar”, detalha Leandro, que em pouco tempo moraria em Nova Iguaçu (RJ), onde concluiria os seis anos de faculdade.

“Entrei na faculdade antes do meu irmão, mas a iniciativa de doar veio dele”, conta Lorena. “Eu vi a importância em relação ao esforço dele com os estudos. Isso só fez me motivar e aderir à causa. Então, resolvi doar as bonecas que tinha desde pequena.”

Leandro diz que só vinha a Salvador uma vez por ano --não por acaso no período natalino. “Desembarcava uma semana antes do dia distribuição. Chegava e era aquela correria para arrumar os brinquedos”, diz.

“Quando meu filho vem pra cá, sempre pergunta se tem espaço pra dormir. Porque fica tudo empilhado no quarto”, conta a mãe, Bernadete.