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"Sabia que Marcola era informante da polícia", diz fundador do PCC e inimigo do chefe da facção

Vídeo mostra momento em que psicóloga é morta pelo PCC

UOL Notícias

Flávio Costa

Do UOL, em São Paulo

17/12/2017 04h00

"Eu sabia que ele tinha passado [à polícia] os nossos telefonemas. A gente sabe que foi o Marcola. Ele fez isso porque sabia que iria morrer."

As frases foram ditas em maio de 2003 pelo criminoso José Márcio Felício, o Geleião, durante depoimento realizado em uma sala do Deic (então Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado da Polícia Civil de São Paulo). 

Aos 42 anos de idade, ele tinha muito o que contar: vivendo em celas desde os 18, já havia cometido assassinatos dentro dos muros das prisões por onde passou e fundara, com outros sete companheiros da Casa de Custódia de Taubaté, aquela que viria ser a maior facção criminosa do país, o PCC (Primeiro Comando da Capital).

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Quando depôs ao promotor Marcio Sergio Christino e a um grupo de policiais, Geleião já era um colaborador da Justiça. Meses antes, ele e seu amigo, o também fundador do PCC César Augusto Roriz Silva, o "Cesinha", foram destituídos da cúpula da organização pelo assaltante de bancos Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, que ascendia à chefia da facção.

No vídeo do depoimento que durou uma hora, inédito até esse momento e a cujo conteúdo o UOL teve acesso exclusivo, os investigadores do Deic tentam surpreendê-lo: foi por meio de Marcola, dizem os policiais, que eles tiveram acesso aos números de telefones celulares usados por Cesinha e Geleião em suas celas e assim conseguiram grampeá-los.

Geleião responde sem se alterar: "[Marcola fez isso] Porque ele sabia que ia morrer quando nós saísse (sic). Porque em 1986 ele já tinha dado o César [entregado à polícia]". Cesinha e Marcola eram amigos de infância e começaram juntos no mundo do crime.

Catorze anos depois do depoimento de Geleião, um livro recém-publicado trouxe a revelação de que Marcola agiu como informante da polícia com o objetivo de prejudicar os dois concorrentes e se firmar no comando do PCC.

"Depois de ascender à liderança, o vaidoso Marcola, o Playboy, almejou mais. Ele queria ser o líder do PCC. Mas de que maneira ele neutralizaria a Cesinha e Geleião? Ele virou um informante --foi ele quem entregou para a polícia os números dos telefones usados pelo Zé Márcio e por Cesinha. Foi ele também quem indicou a existência das centrais telefônicas [do PCC]", lê-se na obra "Laços de Sangue - A História Secreta do PCC" (editora Matrix), escrita pelo hoje procurador Marcio Sergio Christino em parceria com o jornalista Claudio Tognolli.

"Expostos, os dois [Geleião e Cesinha] foram isolados para o CRP [Centro de Readaptação Penitenciária] de Presidente Bernardes [SP]. Com isso, ele assumiu sozinho a liderança na facção", continuam os autores do livro.

Em conversa com seu advogado, Marcola negou "com veemência" que tenha sido alguma vez informante da polícia (leia mais abaixo). Policiais civis que atuam em investigações sobre o PCC afirmaram à reportagem saber sobre a suposta colaboração do chefe da facção.

"A gente é radical, ele começou a fazer negociação"

O depoimento continua. Os interrogadores afirmam que Ana Maria Olivatto, advogada do PCC e ex-mulher de Marcola, foi a pessoa encarregada de passar os números de telefones de Cesinha e Geleião. Ela é a Ana citada pelos policiais durante a conversa (veja o vídeo acima).

Maio de 2003, São Paulo: José Márcio Felício, o Geleião (à esq.), conversa com o então promotor Marcio Sergio Christino Imagem: Reprodução
Geleião não demonstra surpresa: "Eu já sabia disso", repete.

Na época, Ana Olivatto já estava morta: foi assassinada aos 45 anos de idade na manhã do dia 23 de outubro de 2002. Ela foi baleada ao sair de casa, em Guarulhos, na Grande São Paulo. Um dos matadores era irmão da mulher de Cesinha, chamada Aurinete, também citada no vídeo e que se encontra hoje desaparecida. 

"Ele sabia que tinha que tirar a gente [da facção] porque a gente é radical, e ele começou a fazer negociação [com as autoridades]", diz Geleião em outro trecho do depoimento. 

À época do assassinato, divulgou-se que Ana Olivatto teria passado informações à polícia sobre um possível atentado a bomba à sede da Bovespa (Bolsa de Valores de São Paulo), ordenado por Geleião.

Em depoimento, Marcola nega que seja chefe do PCC

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Após saírem do PCC, Geleião e Cesinha fundaram o TCC (Terceiro Comando da Capital), facção rival que definhou após o assassinato de Cesinha. Aos 39 anos, ele foi assassinado às 10h30 do dia 14 de agosto de 2006 na penitenciária de Avaré (262 km de São Paulo).

Cesinha cumpria pena de 144 anos, seis meses e seis dias por sete roubos e sete homicídios. Soropositivo, ele foi morto por estocadas de uma lança feita de madeira.

A necropsia constatou também um corte de 15 cm de extensão em seu pescoço. O ferimento foi feito, possivelmente, por uma gilete, que nunca foi encontrada. O UOL apurou que ele havia acabado de receber uma visita íntima de sua mulher, Aurinete, que presenciou o crime. Após prestar depoimento à polícia, ela nunca mais foi encontrada. O preso Paulo Henrique Bispo da Silva assumiu a autoria do crime.

Geleião não diz a verdade, diz advogado de Marcola

Em conversa com seu advogado, Marcola negou "com veemência" que tenha sido alguma vez informante da polícia.

"Estado quer colocar mazelas em minhas costas", diz Marcola Imagem: Sergio Lima/Folhapress
"Na época desse depoimento, esse Geleião também estava sendo acusado de alguns crimes que a massa carcerária não aceita. Então o que ele resolveu foi acusar Marcos Willians para fazer um acordo com autoridades, para que ele pudesse se livrar das acusações que pesavam contra ele. E ele conseguiu alguns privilégios por causa do conteúdo de seu depoimento, que não corresponde à verdade", diz o advogado de Marcola, que o representa juridicamente há dez anos. Ele pediu à reportagem que não fosse identificado, para evitar sofrer ameaças.

No diálogo que teve com seu cliente, informou o advogado, Marcola afirmou que o Estado "quer colocar todas as mazelas nas minhas costas".

"Ele nega veementemente. O livro ['Laços de Sangue'] tem datas e horários que não batem. Ele chegou a dizer: 'O Estado quer colocar nas minhas costas todas as mazelas da facção'. Eu, quando fui falar com ele, ele me disse, e me diz, que não tem ligação com a facção, que tudo o que quer é cuidar da família, com os filhos que tem", afirmou o advogado.

Os outros líderes do PCC procuraram defender Marcola das acusações. Em um salve (comunicado) interceptado pelo Ministério Público de São Paulo no dia 13 de novembro, os criminosos afirmam que a informação contra o chefe do PCC é falsa, informou em reportagem a "Folha de S. Paulo".

Após um ano em total isolamento, com apenas duas horas de sol ao dia e sem acesso a nenhum tipo de meio de comunicação, Marcola, 49, voltou para a Penitenciária 2 de Presidente Venceslau, a 600 km da capital paulista, onde se encontra presa a cúpula do PCC, conforme apontam investigações da polícia e denúncias do MP.

Geleião: "Marcola não me venceu. Eu ainda não morri." Imagem: Fernando Donasci/Folhapress
O depoimento de Geleião ajudou ao MP a obter parte da condenação de 232 anos e 11 meses de prisão, em regime fechado, à qual Marcola foi submetido por cometer os crimes formação de quadrilha, roubo, tráfico de drogas e homicídio. Ele está preso há quase 27 anos.

Após passar um período no presídio federal de Campo Grande (MS), Geleião cumpre penas por homicídios na Penitenciária Estadual de Iaras (distante 282 km da capital paulista). Aos 56 anos de idade, ele é o único dos oito fundadores do PCC a permanecer vivo. Durante o depoimento em 2003, ele afirma sobre seu inimigo, Marcola: "Ele não me venceu. Eu ainda não morri".

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