Topo

Professor com salário atrasado pede dinheiro em semáforo do Rio: "Impotência"

O professor Silvio de Oliveira Alves pede dinheiro nos semáforos do Rio - Marco Antonio Teixeira/UOL
O professor Silvio de Oliveira Alves pede dinheiro nos semáforos do Rio Imagem: Marco Antonio Teixeira/UOL

Carolina Farias

Colaboração para o UOL, no Rio

22/12/2017 04h00

Vendedores de água e de panos de chão, pedintes e entregadores de panfletos são vistos com facilidade nos faróis de vias de grande circulação do Rio.

Mas, no cruzamento da rua Felicíssimo Cardoso com a avenida das Américas, na Barra da Tijuca, zona oeste da cidade, há também no semáforo um professor da rede pública de ensino.

Carregando uma placa com os dizeres "Professor sem salário, por favor ajudem" e seu número de telefone, Sílvio de Oliveira Alves, 54, chama a atenção. 

Professor concursado da Prefeitura de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, há 27 anos, ele se viu obrigado a uma medida extrema para não deixar faltar o básico em casa.

Alves, assim como outros servidores do município, estão com dois meses de salários atrasados. A atual administração alega que pegou a prefeitura falida e que a arrecadação caiu por conta da crise.

"Hoje, se a prefeitura me pagasse outubro, novembro, dezembro e o 13º, eu ainda ia ficar devendo porque esse problema se arrasta desde julho. Já peguei empréstimo em financeira e de várias pessoas para não passar fome", contou ao UOL.

O salário do professor é a única fonte de renda da família. Alves tem dois filhos: Alexander, 12, e Jorge Henrique, 20. A mulher, Aleanda, 39, não pode trabalhar por problemas de saúde.

"Depois de uma cirurgia bariátrica, ela teve complicações. Mesmo em casa, ela passa mal. Tem problemas nos rins, estômago. Toma medicamentos caros, faz reposição de vitaminas. Meu filho mais novo tem saúde complicada, é muito alérgico. Pago aluguel. Meu plano de saúde custa R$ 2.500. Pago escola", enumera ele, que mora na Taquara, bairro da zona oeste carioca.

Uma placa para dar coragem

Há cerca de um mês, ele tomou a decisão de ir para o farol pedir dinheiro. A ideia da placa veio para dar coragem.

Professor no farol - Marco Antonio Teixeira/UOL - Marco Antonio Teixeira/UOL
"Achei que meus filhos sentiriam vergonha. Mas não, eles me apoiaram", diz Alves
Imagem: Marco Antonio Teixeira/UOL

"Ficava pensando mil coisas: o que fazer, como fazer. Aí pensei em fazer a placa. A necessidade me obrigou a fazer isso. Se as pessoas me ajudassem, continuaria. Se não, ia tentar outra coisa, mas graças a Deus as pessoas se comoveram com minha história e me ajudam", afirmou o professor, que passa cerca de duas horas diariamente no semáforo antes de ir para a escola dar aulas. 

Realmente, ele arranca declarações de apoio. Enquanto a reportagem esteve no local, ao menos uma motorista parou para elogiar a atitude do professor.

"A maioria das pessoas têm bom coração, mas não têm muito para ajudar, então dão moedas mesmo. Mas consigo comprar as coisas do dia a dia. Às vezes pagar alguma conta. Algumas ficam constrangidas do valor e me pedem desculpas por só ter aquele valor. Ouço muito 'parabéns', 'força', 'não desista'. Dizem que admiram minha coragem", afirma.

Alves leva para o local contas que estão atrasadas. Não para mostrar aos motoristas que param, mas para ter em mãos caso o valor arrecadado seja suficiente para pagá-las.

Certo dia, uma mulher parou e lhe ofereceu emprego. "Como eu falei que já trabalhava, ela se ofereceu para me ajudar e pagou uma conta de luz, de R$ 200. Não tive nem palavras para agradecer. Na hora fiquei emocionado, quase chorei. Ela também ficou muito comovida. A filha foi o anjo. Ela passou de carro e a menina me viu e pediu para passar aqui de novo", contou Alves.

"Meus colegas me receberam como herói"

O professor também teve apoio dos companheiros no trabalho. "Meus colegas me receberam como herói, fiz o que muitos têm vontade, mas não têm coragem. Me tornei referência dos servidores do município", diz.

A família também reagiu bem: "Achei que meus filhos sentiriam vergonha. Mas não. Me apoiaram, disseram que estava fazendo uma coisa necessária e que nunca iriam ter vergonha do pai deles", afirmou Alves.

O lugar escolhido para pedir ajuda não foi decisão dele. Ele havia tentado em um semáforo ao lado do Barra Shopping, do outro lado da avenida das Américas de onde fica atualmente.

"Mas me expulsaram do sinal. Um rapaz que não tem as duas pernas falou para eu procurar outro sinal senão ele ia rasgar meu cartaz. Ficou me ameaçando. Eu o vi quebrando umas pedras", conta. "Aí um outro que estava lá me falou daqui porque passam muitos professores. E aqui tem árvores, consigo me abrigar do sol."

Ele diz não saber até quando essa situação vai durar. O sentimento com a falta de perspectiva de melhora é de revolta. "Jamais imaginei isso, que eu como funcionário público teria meu salário atrasado ou ficaria sem salário. É um sentimento de impotência", afirmou.

Estácio anunciou demissão de 1.200 professores

Estácio - Divulgação - Divulgação
Estácio de Sá anunciou 1.200 demissões de professores
Imagem: Divulgação
Outra situação em escolas causou revolta no Rio. A universidade Estácio de Sá anunciou a demissão de 1.200 professores no início do mês. Eles seriam recontratados nos moldes da reforma trabalhista. A Justiça do Trabalho chegou a barrar as demissões, mas outra decisão manteve a dispensa dos professores.

Reportagem da "Folha de S.Paulo" mostrou que outras instituições de ensino em São Paulo estão discutindo com sindicatos a demissão de centenas de professores. Anhembi-Morumbi e Metodista já demitiram também.

"O professor é um símbolo [da atual situação do país]. Não importa de que município ou Estado eu seja. No Brasil inteiro o professor tem sido desvalorizado, não tem tido apoio e o incentivo que deveria ter. Tenho orgulho de ser professor, a profissão é nobre e tão importante quanto qualquer outra. É a base para todas as profissões. Todos, inclusive os políticos, precisaram ir à escola para aprenderem", afirma Alves.

Segundo ele, a iniciativa de pedir dinheiro na rua não é uma forma de protesto, apesar de ter ganhado essa conotação.

"Não estou aqui fazendo protesto. Estou tentando manter a minha família. Minha intenção inicial não era protestar contra ninguém. As pessoas nem sabem qual é a prefeitura. Me ajudam porque sou um professor e estou em necessidade. Não sou político, não pretendo ser, não sou filiado a partido nenhum, não apoio nem critico. Nem ao meu sindicato sou filiado", afirmou.

No dia 12 de dezembro, a Prefeitura de Duque de Caxias fez o pagamento aos servidores referente ao mês de outubro, de acordo com a assessoria de comunicação.

Receberam os profissionais da educação que ganham até R$ 7.675,36 líquidos. Novos pagamentos serão realizados nos próximos dias, de acordo com a entrada de receita, até que todo o funcionalismo tenha recebido.

Segundo a nota enviada ao UOL, esta é a 14ª folha de pagamento feita pela atual administração --foram dez folhas deste ano e as quatro em atraso de 2016, incluindo os meses de outubro, novembro, dezembro e o 13º salário do ano passado.