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Papai Noel curitibano dirige Uber, sonha com Mega-Sena e quer ser vereador

Paulo Duarte se apresenta como Papai Noel e motorista de aplicativos, como o Uber - Theo Marques/UOL
Paulo Duarte se apresenta como Papai Noel e motorista de aplicativos, como o Uber Imagem: Theo Marques/UOL

Rafael Moro Martins

Colaboração para o UOL, em Curitiba

25/12/2017 04h00

Cada vez que encosta o Voyage branco, ano 2011, para atender a uma corrida chamada por um dos aplicativos com que trabalha, Paulo Duarte, 63, abre um sorriso, emposta a voz para o "Ho-ho-ho" e anuncia: "Bem-vindo ao trenó do Papai Noel", badalando um sininho e já oferecendo uma bala ao cliente.

Trata-se de uma rotina que ele iniciou em abril passado, quando começou no serviço, e que só deve surpreender a quem estivesse com a cara enfiada no celular. Barba branca cerrada, rosto bonachão, invariavelmente metido numa camisa vermelha e branca, Duarte é um Papai Noel reconhecível de longe.

A bem da verdade, ele é Papai Noel há bem mais tempo do que é motorista de aplicativo --e para sempre, garante. "Sou Papai Noel por missão", afirmou à reportagem num início de tarde ensolarada, em entrevista num café na região norte de Curitiba, aonde chegou distribuindo balas aos presentes --retiradas de um gorro de cetim vermelho com penacho branco, é claro.

Noel uber - Theo Marques/UOL - Theo Marques/UOL
Papai Noel curitibano em seu Voyage 2011
Imagem: Theo Marques/UOL

Paulista da pequena Iepê, há 40 anos em Curitiba, Duarte já rodou bastante: trabalhou em lanchonete, em empresas de ticket alimentação, foi dono de empresa de refeições coletivas e pequeno empresário do ramo de factoring (operações financeiras). Não acabou: também foi empreiteiro nas obras de construção de duas grandes fábricas de automóveis na região metropolitana de Curitiba, no final dos anos 1990.

"Tem dez anos que deixei a barba crescer para ser Papai Noel. Não foi por negócio. Deus determinou que eu fizesse isso", contou, misterioso.

Em seguida, explicou-se: "Eu andava com depressão, cheguei a pedir a Deus para tirar a minha vida. Um dia, juro, ouvi uma voz: 'Não corte o cabelo nem a barba, e eu te darei um coração novo e tolerante'. Eu era muito bravo e nervoso e odiava criança. Hoje, eu adoro. E há dez anos que sou Papai Noel todos os dias da minha vida."

Papai Noel uber - Theo Marques/UOL - Theo Marques/UOL
Roupa já diz a que vem o motorista Paulo Duarte
Imagem: Theo Marques/UOL

"Em shopping, eu não trabalho"

Atribuições divinas à parte, Duarte aproveita a época do Natal para ganhar algum dinheiro com seu alter ego cotidiano. "A partir do começo de novembro, faço um evento por dia, pelo menos", disse ele, que cobra uma diária de R$ 650 para se apresentar como Papai Noel.

Mas há algumas restrições: Duarte se recusa, por exemplo, a trabalhar em shopping centers. "Não faço", torceu o nariz. "Não dá tempo de interagir com as crianças. É só o tempo de sentarem comigo e tirarem uma foto. Viro uma máquina de fazer dinheiro", justificou-se --para os outros, naturalmente.

"Fora que não deixam nem sair do posto para tomar água ou ir ao banheiro."

Papai Noel uber em ação - Theo Marques/UOL - Theo Marques/UOL
Ele em ação, distribuindo balas em um café em Curitiba
Imagem: Theo Marques/UOL

Assim, Duarte dá preferência a eventos em empresas ou escolas, além de diárias em lojas, quando se instala com uma tenda à porta e passa o dia a receber os clientes.

Por causa de uma dessas, aliás, iria à prefeitura após a entrevista reclamar --a Secretaria de Urbanismo implicou com a barraca dele e negou autorização. "Sem ela, não tem quem aguente ficar no sol o dia todo", protestou.

Ao fim dos 40 dias de trabalho da temporada de festas, de 10 de novembro ao dia de Natal, ganha-se de R$ 12 mil a 15 mil, segundo a contabilidade de Duarte. "No ano passado, fiz R$ 15 mil."

A noite de 24 de dezembro é o filé mignon desse mercado: uma visita de meia hora vale R$ 500. "Dá pra fazer umas sete", calculou.

Balas uber - Theo Marques/UOL - Theo Marques/UOL
Duarte gasta R$ 150 por semana com as balas oferecidas aos clientes
Imagem: Theo Marques/UOL

"Não é um dinheirão", diz. Até porque no resto do ano ele se vira com os aplicativos, com o que faz uns R$ 250, brutos, por dia.

"Mas nada me traz tanta felicidade como ser Papai Noel. Nem se ganhasse na Mega-Sena, meu sonho, eu deixaria de fazer isso", afirmou.

Se serve de incentivo, a recepção natalina nunca lhe rendeu uma nota baixa nos aplicativos com que trabalha. "O pessoal adora", conta.

Três vezes candidato

Além da Mega-Sena, outro sonho há tempos ronda a imaginação de Paulo Duarte: eleger-se vereador. Já arriscou três candidaturas, por PSDC, PPS e PRP, respectivamente.

Não foi longe: na melhor das três tentativas, saiu das urnas com 1.530 votos.

"Gosto de política, não vou desistir. Mas não arrisco jogar meu dinheiro nisso, investir numa campanha", ponderou, ainda que tenha, segundo o site do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), colocado R$ 6.000 do próprio bolso para custear a própria campanha em 2014.

"A política anda desacreditada", refletiu. "Tem os que são honestos, mas esses a mídia não mostra. É como sogra: tem as que são excelentes, mas todo mundo se lembra das que não prestam", comparou Duarte, que já foi filiado a meia dúzia de partidos, inclusive os antigos MDB e PFL --atuais PMDB e DEM, respectivamente. "Sou de centro, mas antiesquerda. Não existe esquerda de bom senso."

Ainda que não tenha realizado o sonho de ser vereador, Duarte consola-se com o fato de já ter tido um cargo no gabinete de um parlamentar --Jorge Bernardi, do PDT, atualmente sem mandato.

Mesmo por lá, contudo, ele não parece ter sido outra coisa que não Papai Noel. "Nunca o vi fazer nada por lá além de distribuir balas. Tinha sessão em que ele chegava, entrava no plenário, dava balinhas a todos e partia. Mas parecia um bom sujeito", relembrou um funcionário da Câmara, que pediu para não ser identificado.

Enquanto nem a Mega-Sena nem as urnas lhe sorriem, Duarte persevera no dia a dia de Papai Noel e motorista de aplicativo.

Não reclama nem dos R$ 150 semanais que lhe custam as balas que distribui generosamente. "Quando eu andava de terno e gravata, trabalhava para pagar o banco. Hoje, meu guarda-roupa é todo vermelho e branco, sem luxo nenhum. Não preciso escolher o que vestir. E sou mais feliz assim", explicou.

"Fora que consigo levar paz, amor, carinho, as pessoas interagem comigo. Não acreditava que fosse ser assim. Mas é, e não só em dezembro."