Antes de encontrar Torquato Jardim, Perillo criticou ministro em reunião com Cármen Lúcia
Após o início das rebeliões no complexo prisional de Aparecida de Goiânia, provocadas pela guerra entre as maiores facções criminosas do país, o governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), e o ministro da Justiça e da Segurança Pública, Torquato Jardim, culparam um ao outro pela crise do sistema penitenciário do Estado.
Após uma troca de farpas públicas, os dois se encontraram na terça-feira (9) no gabinete do ministro, em Brasília. Ao deixar a sala de Jardim, o governador goiano classificou de "amigável" a conversa que tiveram.
"Tivemos uma conversa importantíssima com o ministro da Justiça. Eu apresentei a ele um dossiê de todos os investimentos que o Estado fez. Falei com ele sobre a necessidade ter presídios federais em todos os Estados para custodiar criminosos que realizam crimes transnacionais."
Porém, no dia anterior (segunda, 8), em Goiânia, Perillo desferiu uma série de críticas a Jardim, durante reunião com a presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) e do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), ministra Cármen Lúcia.
"Eu estou defendendo há tempos polícia na fronteira, Exército na fronteira, Forças Armadas na fronteira. Estou defendendo há tempos a criação de um fundo nacional... e ele [Torquato Jardim] não ouve", disse Perillo, segundo apurou o UOL com pessoas presentes à reunião.
"Eu sei da sensibilidade que a senhora tem e, sinceramente, eu não vejo essa mesma sensibilidade [em Torquato Jardim], essa mesma disposição de enfrentar junto", afirmou Perillo a Cármen Lúcia. "[O ministro diz] 'mas a responsabilidade é do governo estadual', é muito fácil, é muito cômodo dizer que é nossa. Constitucionalmente é nossa, mas também não é nossa, nós não somos responsáveis pelos presos federais."
A criação de um fundo nacional de Segurança Pública com recursos não contingenciáveis foi descartada pelo ministro da Justiça, em entrevista publicada na sexta-feira (5) pelo jornal "O Globo".
O ministro foi além: afirmou que a responsabilidade da União pela rebeliões em Goiás era "zero" e que o governo do Estado havia infringido a LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) e a LOA (Lei Orçamentária Anual) ao receber verba Funpen (Fundo Penitenciário Nacional) e deixar de transferir o dinheiro para contas específicas. Perillo só havia utilizado 18% do que recebeu do ministério para construir e reformar prisões.
Não foram as primeiras palavras de Jardim a atingir Perillo. Dois dias depois da primeira rebelião no complexo prisional de Aparecida de Goiânia, que aconteceu no dia 1º e resultou em nove mortes, 14 feridos e na fuga de 99 presos, o ministro disse à "BBC Brasil" que havia "desleixo" dos governadores em relação ao sistema prisional e que Goiás não aplicava como devia no sistema prisional as verbas federais que recebia.
"Tem que ter mais verba federal em presídios", diz Perillo
A reunião entre Cármen Lúcia e Marconi Perillo ocorreu na sede do TJ-GO (Tribunal de Justiça de Goiás) e foi dividida em duas partes. A primeira, mais reservada, teve lugar no gabinete do presidente da corte, desembargador Gilberto Marques Filho. O governador e a presidente do STF sentaram-se lado a lado em um sofá, rodeados por assessores e algumas autoridades goianas.
Perillo foi o primeiro falar e discursou, durante sete minutos, a respeito de suas ações na área de Segurança Pública e Administração Penitenciária. "Somente em 2017, nós investimentos R$ 501 milhões."
Além de Jardim, o governador havia recebido críticas de representantes do Justiça estadual, do MP (Ministério Público) e da OAB (Ordem dos Advogados) por sua gestão no sistema prisional e também por estar numa praia em Pernambuco enquanto o maior presídio de Goiás sediava assassinatos de presos. Mais tarde, aos jornalistas, ele diria que cobrar-lhe por passar o Réveillon na praia "era muita hipocrisia".
O governador estava interessado em defender sua gestão diante da presidente e do STF e em mostrar-se chateado com o ministro Torquato Jardim.
"O ministro agora tá colocando no jornal: 'o governador deixou de mandar policiais para as Olimpíadas e recebeu dinheiro'. Não, nós não recebemos e fizemos um acordo. Já tá tudo certo."
Marconi defendeu mais recursos federais para presídios: "Tem que ter mais dinheiro, tem que ter dinheiro federal. Planejamento a gente tem".
Cármen: "não vamos resolver um problema de 30 anos em um ano"
Quando foi a sua vez de falar, ainda no sofá, a ministra Cármen Lúcia começou a fazer cobranças: o cadastro de todos os presos feito pelo TJ-GO deveria começar dali a dois dias --isto é, nesta quarta-feira (10), e ser entregue ao governo de Goiás o quanto antes e não até maio como estava anteriormente previsto; exigiu a realização de um mutirão para avaliar a progressão de penas dos presos goianos e criticou o MP por permitir que promotores faltassem a júris populares marcados com antecedência de meses.
"Nós temos que procurar dar um choque nesta situação", afirmou Cármen Lúcia. Depois, completou: "Nós não vamos resolver um problema de 30 anos em um ano, ainda mais em um ano eleitoral."
Terminada essa parte da reunião, todos se dirigiram para um sala do plenário do TJ-GO, onde as autoridades discursaram, diante de uma quantidade maior de assessores, por mais de duas horas, e eram interrompidos, vez ou outra, por Cármen Lúcia.
A ministra disse, por exemplo, ser "inaceitável" que um presídio goiano permitisse uma festa de presos com bebidas e drogas, ao interromper uma juíza que relatava o fato.
Aconselhada pelo presidente do TJ-GO, a ministra decidiu voltar para Brasília e não visitar o complexo prisional de Aparecida de Goiânia, "por questões de segurança." Prometeu voltar em 30 dias para averiguar quais as medidas tinham sido tomadas pelo governo e o judiciário goianos para resolver crise do sistema prisional.
Houve quem saísse com um sentimento de frustração do encontro: "O sentimento de frustração decorre da inexistência de algo que seja duradouro, de algo que seja permanente. As medidas que foram decididas são boas, mas elas têm caráter provisório, de efeito de curto prazo", disse o promotor de justiça Luciano Miranda Meireles, coordenador do Centro de Apoio Operação Criminal do MP de Goiás.
"Só se decidiu medidas paliativas; nenhuma novidade; nenhum movimento político efetivo. Essa será não a última, mas apenas mais uma rebelião em presídios de Goiás e do Brasil", diz o presidente da OAB-GO, Lúcio Flávio de Paiva.
Horas depois da reunião, mais de dez adolescentes fugiram do Case (Centro de Atendimento Socioeducativo) de Goiânia após tomarem como reféns dois servidores.
* colaborou Felipe Amorim, de Brasília
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