Agentes acobertaram assassinatos, drogas e prostitutas em presídio de Goiás, aponta investigação
O preso João Ricardo Rodrigues Lino, conhecido como Gaguinho, aplicava punições impostas pelo "comando" de Bola, o apelido pelo qual era conhecido no crime o detento Wanderson Rithiele Assis Santana, traficante de drogas e chefe da ala C do presídio de Anápolis (60 km de Goiânia).
Por esta razão, Gaguinho precisava do consentimento do chefe "para dar um jeito" em outro detento, com quem havia perdido a paciência por causa de uma dívida: Washington Magno Martins, ou Nicolau.
"Vamos matar ele logo. Ele dá muito trabalho. Vamos encher a boca dele de remédio", disse Gaguinho para o chefe. Bola assentiu, mas escolheu um método de matar que considerou mais conveniente.
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Por volta das 10h30 de 7 de março de 2016, Nicolau foi asfixiado por Gaguinho com uma teresa --corda feita de lençóis amarrados e usada, geralmente, para os presos escaparem. Com essa mesma estrutura improvisada, o corpo foi amarrado pelo pescoço para simular um suicídio em sua cela.
No relatório policial havia uma testemunha do "suicídio", indicada pelos agentes penitenciários: Gaguinho.
"Os agentes ficaram alegres, eles não estavam nem aí", disse um preso, que sabia das circunstâncias da morte de Nicolau, aos promotores do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) do MP (Ministério Público) de Goiás.
Ao investigar um esquema de corrupção no presídio de Anápolis, os promotores descobriram que o acordo entre agentes penitenciários e presos incluía também o acobertamento de assassinatos dentro da prisão.
Operação Regalia
Nicolau morreu quase três meses antes de o Gaeco começar, em 1º de junho de 2016, a Operação Regalia. Trata-se da investigação de um esquema que colocava agentes penitenciários e presos em "regime de sociedade" no presídio de Anápolis --terceira maior cidade de Goiás, com 375 mil habitantes, de acordo com estimativa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Interceptações telefônicas autorizadas pela Justiça mostraram que o esquema era amplo: tráfico de drogas, presença de prostitutas e venda de produtos como celulares. Havia também saídas noturnas dos presos que chefiavam as alas, autorizadas pelos agentes (Bola saía arrumado e perfumado duas noites por semanas, contou uma testemunha), e saídas bancárias escoltadas pelos servidores para que os detentos sacassem o dinheiro da propina.
"Em síntese, apurou-se que detentos daquele presídio comandam muitos crimes praticados dentro e fora da unidade prisional e contam, para isso, com a conivência e participação de alguns agentes prisionais lotados no local", afirmam os promotores do Gaeco no processo da Operação Regalia.
"Além do tráfico intenso de drogas, advieram ocorrências de roubos, extorsões e até homicídios praticados pelos presos, tanto dentro quanto fora da unidade."
O MP pediu que a Polícia Civil reabrisse o caso da morte de Nicolau e de outro assassinato supostamente simulado como suicídio dentro do presídio de Anápolis. Mais casos semelhantes podem surgir durante a investigação.
A unidade prisional já era conhecida como palco privilegiado para a corrupção. Alguns criminosos elogiavam a vida na cadeia, como relata um preso em gravação feita pela Polícia Federal, durante uma investigação em 2015.
Carnaval na cadeia é melhor do que na rua, pois lá tem cachaça, maconha. A cadeia é uma colônia de férias para quem quer ficar preso. Lá tem academia, DVD, home theather e carne para assar
Preso gravado pela Polícia Federal, referindo-se ao presídio de Anápolis
O presídio também era cobiçado por agentes penitenciários temporários --Goiás tem o segundo maior índice do país (60%) de funcionários nessa situação--, que sonhavam ganhar até R$ 10 mil por mês com os esquemas, como se lê em transcrições de mensagens trocadas por funcionários ou aspirantes a entrar no sistema prisional goiano.
Para os promotores do Gaeco, o presídio de Anápolis era a definição perfeita da expressão "escritório do crime".
Motel, drogas e muito dinheiro
A investigação do Gaeco mostrou que o preso tinha razão neste sentido: o presídio de Anápolis estava longe de ser uma colônia penal. Das quatro guaritas, três eram vigiadas por policiais militares. A quarta, de responsabilidade dos agentes penitenciários, vivia vazia. Era por lá que os presos escapavam. Entre 2011 e 2017, pelo menos 48 fugas foram registradas na prisão.
No domingo, dia de visitas, era comum a entrada de prostitutas no lugar de familiares. Para isso, os agentes penitenciários ligavam para as mulheres dos presos e lhes diziam que os maridos estavam de castigo na prisão, sem autorização para receber visita. Os presos ligavam para as "meninas", que eram levadas para o "motel" do presídio.
Familiares também iam ao locam às quintas-feiras para levar a Cobal, cesta com alimentos e produtos entregue aos presos.
As mulheres dos chefes das alas entravam a qualquer momento no presídio e eram as gerentes do tráfico de drogas fora da prisão. Pelo menos sobre uma delas recai a suspeita de que usava um projeto social de uma igreja evangélica como fachada para aliciar menores de idades que passavam a trabalhar como traficantes.
Era um negócio de lucrativo: somente um caderno de anotações de um chefe de ala mostrou movimentação superior a R$ 1 milhão.
O Gaeco diz acreditar que, quando saíam das prisões durante as noites, os presos cometiam crimes em Anápolis e depois voltavam para a "segurança" do presídio. Essas saídas não eram registradas.
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