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Gari rapper viraliza com vídeos de 'papo reto' sobre falta de educação e assédio em Copacabana

Gari Jota Jr. - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Imagem: Arquivo Pessoal

Carolina Farias

Colaboração para o UOL, no Rio

16/01/2018 04h00

A partir de observações cotidianas, um gari que trabalha nas praias de Copacabana e Leme, na zona sul do Rio de Janeiro, resolveu fazer vídeos em que critica atitudes como falta de educação, machismo e desrespeito a idosos. O “papo reto” de João José Luiz Júnior, o Jota Jr., como gosta de ser chamado, já alcançou quase duas milhões de visualizações no Facebook.

O gari de 28 anos trabalha originalmente em uma escola em Brás de Pina, na zona norte carioca, mas está atuando nas praias da orla da zona sul carioca durante a chamada Operação Verão, montada pela prefeitura para intensificar os serviços na área.

Sob título “Tá de sacanagem com a cara do gari”, o vídeo mais visto de seu perfil (publicado em 29 de dezembro) teve mais de 1 milhão de visualizações. Nele, Jota mostra lixeiras na praia de Copacabana com lixo sobre a tampa.

“Você chegou até aqui e colocou o lixo em cima. Era só abrir a p... do lixo. Guardar o lixo bonitinho sem sujar a cura. (...) A galera tem a visão de que tem que sujar tudo para a gente trabalhar”, afirma o gari no vídeo, que viralizou.

Na mesma postagem, ele relata outras situações de falta de educação dos frequentadores da praia de Copacabana. “Estou trabalhando aqui há uma semana e vejo as coisas mais ridículas (...) já achei absorvente usado na ciclovia”, relata ele no vídeo.

Em outro vídeo, de 4 de janeiro, com mais de 800 mil visualizações, Jota diz que o recado é para os “amigos heterão” que assediam mulheres. Ele relata uma cena, por ele vista naquele dia, em que um homem fazia comentários sobre os seios de uma adolescente que passava na rua.

“Se coloca no lugar da mina, cara. Imagina um cara no estilo The Rock [ator Dwayne Johnson, de 1,96 m), do ‘Velozes e Furiosos’, chegar em você na rua e dizer: ‘maior volumão hein!?' Ou um mesmo cara de quase 2 m de altura ficar sarrando em você no ônibus”, critica o gari.

Jota diz que, além dos comentários na página, recebe mensagens de quem viu os vídeos e sentiu a “indireta”. “Falo do que vejo durante meu trabalho e que me incomoda e que incomoda muita gente. É para alertar a galera. Tem gente que manda retorno, diz que está repensando. Agradecem dizendo que eu ajudei."

“A cada 20 pessoas, só duas jogam lixo na lixeira", diz Jota Jr.

Jota não é novato em vídeos. Ele é produtor audiovisual e rapper há dez anos, com cinco clipes lançados com parceiros no projeto “Mancine”. Começou como backing vocal da rapper Nega Gizza, lançou CD próprio e até cantou em propaganda política. A carreira estava deslanchando quando sua então namorada ficou grávida.

“Travei os trabalhos entre 2013 e 2014. O sonho é de ser rapper, mas preciso que alcance para viver disso. Exige investimento. Não podia viver do sonho e esperar o dinheiro cair. Precisava bancar minha filha”, afirmou Jota, que entrou na Comlurb (Companhia Municipal de Limpeza Urbana) em 2014.

Mas, pouco depois de começar a trabalhar, em uma visita que fez à prefeitura, tirou uma fotografia com um secretário de governo à época. O então prefeito Eduardo Paes (PMDB) viu a imagem e perguntou por que o secretário fez o registro e então soube do trabalho do gari como rapper.

“Ele me chamou para ser articulador cultural do Instituto Eixo Rio, fiquei lá um tempão. Fizemos trabalhos legais como rodas de rap e o projeto ‘112 Barras’ sobre a chacina de Costa Barros [cinco jovens foram mortos em 2015 com 111 tiros]. Era com música e performance, com um carro circulando com o som dos tiros”, afirmou Jota.

A atual administração da prefeitura fechou o Eixo Rio, projeto que identificava vocação cultural dos moradores das regiões da cidade e desenvolvia atividades socioculturais. Com isso, o rapper Jota voltou ao trabalho de gari.

“Tenho o maior orgulho desse trabalho. Pela primeira vez tenho um trabalho que realmente faço diferença. Ajudar a limpar um ambiente é ajudar a saúde pública. Faço a diferença, me sinto bem", afirma o gari.

Na orla das praias, Jota faz a varrição da calçada e da ciclovia. Na escola onde atua em Brás de Pina, ele e outros garis fazem todo o serviço de limpeza. Mas, na zona sul, ele sente o que as pessoas veem os garis.

“Até rola preconceito. Mas as pessoas gostam da gente. Tem uns que abraçam, vendedores dão comida, refrigerante. Acho incrível”, disse Jota. Entretanto, ele também percebeu outro comportamento dos frequentadores da orla.

“A cada 20 pessoas, só duas jogam lixo na lixeira. É um absurdo gritante. Gringo não. Vê um amendoinzinho no chão e nos dão ou jogam no lixo”, afirmou.

Os vídeos e suas impressões do trabalho na Operação Verão vão virar um documentário que Jota fará com seus parceiros do rap, com quem também mantém uma produtora de vídeos.

“Administro outros artistas de hip hop, faço websérie, atiro para todos os lados. Na minha casa fica a produtora Jungle About Home”, explicou Jota, que mora na Penha, zona norte do Rio.

Além do documentário, o gari rapper também será protagonista de um filme média metragem feito pelo ator Jonas França. “Quando ele me viu nos vídeos foi atrás de mim e falou de fazer um [filme] média [metragem], com um roteiro da história da minha vida e eu vou fazer a trilha musical”, disse o gari.

Depois da Operação Verão, Jota deve voltar a trabalhar na escola, mas quer continuar com os vídeos no Facebook.

“Quero lançar uns dois por semana e outros mais elaborados a cada 15 dias, como uma websérie com o trabalho de gari, sobre separar lixo, descarte. Vai ser o ‘Gari papo reto’, com encenações de situações, usando atores”, concluiu Jota, que também vai continuar o trabalho como rapper.