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CE: Defensoria quer indenização a familiares de presos e a sobreviventes de chacinas

Disputa entre facções em Fortaleza deixou 24 mortos entre sábado e segunda - Rodrigo Carvalho/AFP
Disputa entre facções em Fortaleza deixou 24 mortos entre sábado e segunda Imagem: Rodrigo Carvalho/AFP

Janaina Garcia

Do UOL, em São Paulo

30/01/2018 19h17

A Defensoria Pública do Estado do Ceará prepara uma série de ações para pedir indenizações e assistência psicológica aos familiares das vítimas e aos sobreviventes das duas chacinas ocorridas nos últimos dias no Estado. No sábado (27), foram 14 mortos e 18 feridos na ação registrada em uma casa de shows em Fortaleza; nessa segunda (29), dez presos foram assassinados em uma briga de facções rivais na cadeia pública de Itapajé (125km da capital).

O pano de fundo das duas matanças é a disputa entre as facções GDE (Guardiões do Estado), vinculada ao PCC (Primeiro Comando da Capital), e Comando Vermelho, que tem origem no Rio. A linha de investigação da chacina de sábado é a suposta disputa por pontos de tráfico entre os dois grupos; a ocorrência na cadeia, onde havia presos das duas facções, teria sido uma retaliação.

O defensor público Emerson Castelo Branco, do Ceará - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
O defensor público Emerson Castelo Branco, do Ceará
Imagem: Arquivo pessoal

De acordo com o defensor público Emerson Castelo Branco, supervisor do Núcleo de Assistência aos Presos Provisórios e às Vítimas de Violência (NUAPP), da Defensoria Pública do Estado, o objetivo dos procedimentos é reunir dados e informações das duas chacinas a fim de se proporem ações que coíbam, por exemplo, retaliações a sobreviventes ou a familiares deles.

“Uma de nossas maiores demandas hoje diz respeito a problemas de vingança contra essas vítimas da violência: se o sujeito sobrevive, vive sob ameaça; se ele morre, é a família dele que fica nessa condição. Precisamos entrar com ações que não apenas tratem de pedidos de proteção – a fim de que se evitem danos ainda maiores aos já ocorridos nessas chacinas --, como que garantam habitação, indenização e acompanhamento psicológico”, afirmou Castelo Branco, nesta terça-feira (30), em entrevista ao UOL.

Segundo o defensor público, as ações, sobretudo no caso da chacina ocorrida dentro da cadeia pública, serão impetradas contra o Estado. A razão que ele alegou é que a responsabilidade pela segurança dos detentos na unidade prisional é, obrigatoriamente, do poder público. No momento do conflito, a cadeia tinha 113 presos, com capacidade, no entanto, para 25.

Dez presos foram mortos na manhã desta segunda-feira, 29, durante rebelião na Cadeia Pública de Itapajé, a 125 km de Fortaleza - Wellington Macedo / Estadão Conteúdo - Wellington Macedo / Estadão Conteúdo
Dez presos foram mortos na manhã desta segunda-feira, 29, durante rebelião na Cadeia Pública de Itapajé, a 125 km de Fortaleza
Imagem: Wellington Macedo / Estadão Conteúdo

“Toda vez que há um assassinato em que se comprova que ele ocorreu por ação por omissão do Estado, o cidadão merece ser indenizado. Toda violação, seja contra quem for, tem que ser reparada”, disse o defensor.

Em nota, a Sejus (Secretaria de Justiça e Cidadania) do Ceará informou que a Delegacia Municipal de Itapajé indiciou por homicídio qualificado seis internos pelo episódio de ontem. Ainda conforme a pasta, uma vistoria na cadeia apreendeu ontem dois revólveres, 38 munições, duas facas, drogas e aparelhos celulares.

"Situação completamente fora de controle"

Em 15 anos de Defensoria, Castelo Branco classificou o atual momento da segurança pública no Estado, no contexto em que ele atua, como “um dos piores, em termos de se ver sofrimento”.

“Estive com um menino de 12 anos, sobrevivente da chacina de sábado. Ele tomou um tiro na perna. No hospital, ele me disse: ‘O que dói não é o tiro na perna, é não ter meu pai aqui comigo’. É uma situação que foge completamente ao controle. No caso da chacina em Itapajé, é imperdoável uma cadeia superlotada de presos de facções rivais, com um único agente penitenciário para dar conta, ter armas e munições dentro”, criticou.

“A omissão do Estado chega a ser dolosa. Não estamos falando de um grupo criminoso invadir um local, atirar e matar, mas de uma área que deveria estar sob o controle do Estado.”

Dez presos foram mortos na manhã desta segunda-feira (29) durante rebelião na Cadeia Pública de Itapajé, a 125 km de Fortaleza - Wellington Macedo/Estadão Conteúdo - Wellington Macedo/Estadão Conteúdo
Cadeia tinha 113 presos durante rebelião; capacidade é para 25
Imagem: Wellington Macedo/Estadão Conteúdo

Defensor leu a lista de mortos a familiares

Castelo Branco foi o responsável por ler, a familiares do lado de fora da cadeia em Itapajé, a lista com os nomes dos dez presos mortos e dos oito feridos –três deles, em estado grave.

“Não havia assistente social ou psicólogo para prestar esse serviço aos familiares do lado de fora da unidade. Eu lia os nomes dos mortos e dos sobreviventes, e quem estava ao meu lado, de repente, desabava no choro”, relatou.

“Não vou esquecer nunca de uma menina de 10, 12 anos que chorou pelo pai, ao ouvir o nome dele, e de outra, na mesma faixa de idade, que engoliu o choro e queria apenas saber onde o corpo do irmão estava para que ela pudesse enterrá-lo. Um país que naturaliza isso é um país indigno”, concluiu.

Estado transfere 44 presos de duas facções

Também nesta terça, o governo do Ceará confirmou a transferência de 44 presos que estavam na cadeia pública de Itapajé.

Segundo a Secretaria de Justiça e Cidadania do Ceará, os presos foram encaminhados a unidades na região metropolitana de Fortaleza. Por motivos de segurança, não foram especificados os locais de destino dos presos.

Para o Conselho Penitenciário do Estado do Ceará (Copen), vinculado à secretaria, a medida é emergencial, mas não resolve a crise de segurança cearense.