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Sob intervenção, Rio é o Estado brasileiro que menos investe em inteligência

Paula Bianchi

Do UOL, no Rio

21/02/2018 12h32Atualizada em 24/02/2018 19h37

Sob intervenção federal na área de segurança pública, o Rio de Janeiro aparece em último lugar no país quando se trata de investimentos em informação e inteligência policial. O desmantelamento da área, vista como estratégica na atuação das Forças Armadas no Estado, é apontado como um dos fatores que levaram o Rio à atual crise.

Em 2017, ano em que foi registrado o maior número de mortes violentas em oito anos no Rio, foram gastos R$ 2.469,50 na área.

Em 2016, o orçamento fluminense previa R$ 10 mil para inteligência e informação, mas nenhuma verba foi utilizada.

Em 2015, dado mais recente do anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Rio destacou R$ 23,5 mil para a área. Trata-se de 55% a menos que o penúltimo colocado, o Tocantins, que gastou R$ 52,5 mil --Distrito Federal, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Piauí, Rio Grande do Norte, Rondônia, Sergipe e Santa Catarina não informaram gastos ao Fórum.

No mesmo período, São Paulo e Minas Gerais, 1º e 2º colocados no ranking, investiram R$ 366,6 mil e R$ 128,5 mil, respectivamente, em ações de informação e inteligência.

A antropóloga Jacqueline Muniz, professora do departamento de Segurança Pública da UFF (Universidade Federal Fluminense) e uma das criadoras do Instituto de Segurança Pública do Estado, considera que, apesar da crise financeira no Estado, houve um corte de investimentos intencional na área.

“As informações de inteligência, tanto do Disque Denúncia quanto da Polícia Civil, são intencionalmente subtilizadas. Não tem-se investido na melhoria da tecnologia dessas bases de dados nem na capacitação dos analistas de inteligência”, afirma.

Segundo ela, atualmente a informação produzida pela inteligência policial tornou-se uma mercadoria. “As pessoas pegam a informação da polícia para vender para o crime. Por isso que parte das operações da polícia são um desastre.”

A Polícia Civil e a PM têm sido leiloadas. A corrupção não começa na polícia. Hoje o policial vai para rua no escuro, o investigador não tem meios para investigar.

Jacqueline Muniz, antropóloga e especialista em segurança pública

Uma polícia inteligente, diz a antropóloga, é uma polícia menos custosa, que faz mais com menos. Segundo ela, o investimento em inteligência tem um custo muito baixo e resultados diretos tanto na vitimização policial quanto no número de mortos pela polícia, além de otimizar o trabalho das forças de segurança.

“Informação não custa caro. Planilha de Excel, Office, tablet... A construção de bancos de dados é baratíssima”, diz Jacqueline, citando as experiências do ISP (Instituto de Segurança Pública) e o Disque Denúncia, mecanismo da sociedade civil ligado à Secretaria de Segurança que recolhe e repassa denúncias sobre criminalidade ao governo.

Não que o orçamento fluminense de segurança seja pequeno. O Rio é o segundo Estado em gastos per capita com segurança pública no país e a Segurança tem a segunda maior verba entre as secretarias do Estado, atrás apenas da Fazenda.

No ano passado, relatam policiais civis, a empresa responsável pela manutenção do sistema de dados da Polícia Civil passou seis meses sem receber e chegou a suspender o serviço, interferindo tanto no registro de ocorrências quanto no acesso dos agentes às bases de dados de informação.

O sistema, diz o presidente do Sindelpol-RJ (Sindicato dos Delegados de Polícia do Rio de Janeiro), Rafael Barcia, já é por natureza lento e cai com frequência. Segundo ele, o Rio abandonou o investimento em inteligência e investigação em prol de uma política de segurança baseada no policiamento ostensivo. 

Inteligência não traz dividendos políticos para o gestor. Vale mais a pena colocar uma viatura na esquina do que investir em investigação, que é sigilosa e leva tempo. Apenas uma viatura na rua não tem efetividade. O policial fica ali como um espantalho.

Rafael Barcia, presidente do Sindelpol-RJ

Questionada sobre o orçamento destinado às áreas de investimentos e inteligência e o suposto desmonte da área, a secretaria estadual de Segurança respondeu ao UOL no sábado (24), três dias depois da publicação desta reportagem, com uma nota em que menciona um valor gasto ao longo de um período de sete anos, sem detalhar quanto foi aportado em cada um deles.

Segundo o órgão, "no período de 2010 a 2017, houve um aporte de cerca de R$ 15,2 milhões em Inteligência. O valor contribui não só para aquisição de equipamentos e na manutenção de serviços essenciais, como no acompanhamento sistemático de ações que resultaram, por exemplo, na apreensão recorde de 499 fuzis ao longo do último ano, assim como na prisão de Marcelo Fernando Pinheiro Veiga, o Marcelo Piloto, em dezembro último".

A secretaria também citou na nota que "o maior fornecedor de armas, munições e drogas do país foi preso em uma operação conjunta" entre órgãos de segurança estaduais, federais e estrangeiros.

Forças Armadas e inteligência

Jacqueline critica a ideia de que as Forças Armadas seriam capazes de produzir uma inteligência melhor que a das forças de segurança fluminenses --em diversos pronunciamentos desde que a União enviou militares para reforçar a segurança no Rio em julho, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, defendeu que os agentes teriam foco em ações integradas e de inteligência.

“A inteligência policial só pode ser produzida pela polícia, que está todos os dias na rua. Achar que as Forças Armadas, por mais bem-intencionadas que sejam, desfrutam de um conhecimento estratégico superior ao da polícia, é ingênuo. Eles não estão na rua. Quando eles saem do quartel o crime já mudou”, diz.

“O nível em que os militares trabalham é um nível estratégico mais amplo. E essa informação da rua, da esquina, é preciosa, tanto para a polícia quanto para as Forças Armadas. E quem tem é o cidadão que passa para a polícia através das denúncias, dos registros de ocorrência. É o próprio policial em campo que observa e mapeia em seu trabalho de investigação.”

Já Barcia diz acreditar que a intervenção possa trazer resultados, caso tenha foco em ações planejadas e com os equipamentos e tecnologias de inteligência das Forças Armadas utilizados em conjunto com as polícias, deixando alguma espécie de legado posterior.

"Nós não precisamos de mais ostensividade, isso só incentiva conflito, mas de apoio na investigação. Os militares têm equipamentos que podem nos ajudar, podem ajudar no treinamento. Botar tanque do Exército na praça Mauá não ajuda em nada", diz.

Ainda não está claro se os militares atuarão no policiamento ostensivo --por enquanto, as tropas presentes no Estado se ativeram ao cerco em favelas em algumas operações da polícia local e a ações de revista de veículos nas entradas do Rio em conjunto com a Polícia Rodoviária Federal.

Levantamento realizado pelo UOL com base nos dados do ISP mostra que a presença dos militares teve pouco impacto nos indicadores de criminalidade do Estado. As mortes violentas, por exemplo, encerraram 2017 com o maior número de casos registrados nos últimos oito anos. 

Já a própria apreensão de fuzis --anunciada como uma das principais metas da União-- diminuiu em comparação com o mesmo período de 2016. Foram 194 fuzis apreendidos no segundo semestre do ano passado contra 223 entre julho e dezembro de 2016.

Apesar de o decreto já estar valendo após sua publicação, o CML informou que as ações da intervenção começam após a aprovação pelo Congresso. 

A exoneração do secretário de Segurança Pública do Rio, Roberto Sá, foi publicada nesta segunda (19) no Diário Oficial do Estado. Sá havia protocolado o seu pedido na sexta-feira (16) e, até então, o governo não tinha se manifestado sobre o pedido de afastamento.

Com o decreto, o interventor militar nomeado pelo governo federal assume todas as forças de segurança do Rio, não cabendo mais a Pezão nenhuma atribuição na área. O "governador" da segurança no Estado será o general do Exército Walter Braga Netto.

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