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Testemunhas relatam desespero após tiroteio no Rio e descrença com intervenção: "panos quentes"

21.fev.2018 - Área é isolada, e suspeito baleado é atendido após tentativa de assalto e tiroteio em Botafogo, zona sul do Rio - ALESSANDRO BUZAS/FUTURA PRESS/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
21.fev.2018 - Área é isolada, e suspeito baleado é atendido após tentativa de assalto e tiroteio em Botafogo, zona sul do Rio Imagem: ALESSANDRO BUZAS/FUTURA PRESS/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO

Marina Lang

Colaboração para o UOL, no Rio

21/02/2018 21h11

Quando ouviu uma série de disparos de arma de fogo na porta de uma galeria em Botafogo (zona sul do Rio), na manhã desta quarta-feira (21), a lojista Aline Alexandrina, 25, não hesitou: pegou pela mão a cliente a quem estava atendendo e ambas se trancaram no banheiro de uma butique de presentes.

“Parecia que estavam entrando na galeria e atirando. Do nada, vieram tiros, foram muitos, e num volume alto, não sei nem relatar quantos tiros foram. E aí deu um pânico na hora, achei que fosse alguém entrando e atirando aqui dentro”, relatou ela ao UOL.

“Estava atendendo e a cliente entrou no banheiro junto comigo. Ficamos uns cinco minutos lá dentro. Foi horrível, bem assustador e deu bastante medo. Saí e houve outros tiros, corremos para o banheiro de novo, desta vez eu e a dona da loja”, prosseguiu.

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Segundo o relato de testemunhas, por volta das 10h, dois assaltantes tentaram render um vigia de uma galeria na rua Álvaro Rodrigues. Outro segurança disparou ao menos quatro vezes e feriu um deles –o segundo assaltante fugiu.

A PM chegou cerca de 20 minutos depois para atender a ocorrência. Novos tiros aconteceram: uma carabina Taurus CT calibre 40 disparou acidentalmente, ferindo com estilhaços quatro pessoas que estavam no entorno.

O acesso à galeria foi fechado. Aline não chegou a acompanhar o que aconteceu, mas o medo e o susto se transformaram em um desabafo sobre as condições do Rio.

“A gente está desamparado, não tem segurança. Os policiais não têm condições de trabalho. Mas eu acho que eles fazem o que eles podem. Acredito que as pessoas criticam, mas tem uma grande parte dos funcionários [policiais] que está tentando fazer o que pode. Mas eles também estão ao léu. Eles estão iguais à gente”, analisou.

“A gente está muito inseguro e com medo do ir e vir. Porque temos que nos locomover, não podemos deixar de viver por causa da violência. Só que cada dia mais ela está te colocando, te empurrando pra dentro de casa. Do tipo não sair de casa porque não tem jeito”, desabafou a lojista.

A recepcionista Alessandra Lopes, 44, disse que também ouviu muitos disparos. “Não foram poucos. Subimos para a sobreloja com as clientes. Não sei quanto tempo, fiquei nervosa e perdi a noção do tempo. Descemos e ouvimos mais disparos, voltamos para a sobreloja. Esperamos acalmar e descemos”, narrou. “Não sabíamos o que estava acontecendo. Foi algo desesperador”.

Alessandra também relata os momentos de tensão que se seguiram. “O que mais dá nervoso é você não saber o que vai acontecer depois. Você ouve o tiro, de onde está vindo? O que vai acontecer depois? Você só procura se proteger, até porque a gente estava com cliente na unidade e é nossa responsabilidade dar algum tipo de conforto. As clientes ficaram aterrorizadas, todas nós passamos muito nervoso. Esperamos que tudo acalmasse para que elas saíssem em segurança. Ofereci água com açúcar”, disse.

Ceticismo sobre intervenção

Desde 2016, o Rio sofre com uma profunda crise econômica e política que castiga todas as áreas do Estado, inclusive a da segurança. O governo fluminense conta com o auxílio das Forças Armadas, por meio da GLO (Garantia da Lei e Ordem) desde setembro do ano passado na tentativa de contornar a criminalidade.

Na semana passada, o presidente Michel Temer decretou, em conjunto com o governador do Estado, Luiz Fernando Pezão (ambos do MDB), a intervenção federal sob comando do general do Exército Walter Souza Braga Netto.

Consultados pela reportagem, os trabalhadores da região em que ocorreu o assalto hoje se demonstraram céticos quanto à intervenção.

“Já me assaltaram em novembro e acho que era aqui que eles [os assaltantes] estavam visando. Acho que a intervenção não vai melhorar em nada. Por enquanto não vi ação nenhuma. Levaram 20 minutos para chegar aqui hoje, é muito tempo”, declarou um comerciante que testemunhou a tentativa de roubo e que preferiu não se identificar. “Não vai melhorar. Nunca melhora”, completou, também sob anonimato, um funcionário do estabelecimento.

A lojista Aline Alexandrina vê a intervenção com pessimismo. “Eu acho que vai piorar tudo. Foi uma medida para colocar panos quentes, mas não vai adiantar de nada. A tendência é piorar. E, se bobear, vai deslocar os bandidos, o tráfico – seja lá o que eles forem reprimir – para áreas que não estavam tão conturbadas com violência”, opinou.

A criminalidade é tão habitual no Rio que a recepcionista Alessandra Lopes pondera na mesma direção. “Acho que não vai melhorar [com a intervenção], porque aqui é bem recorrente. Sempre acontece aqui atrás assaltos a pedestres. Hoje aconteceu dele estar armado, outra vez vieram armados, mas não houve troca de tiros. Não tem nada de novo”, declarou.

Alessandra acha que a medida será “paliativa”. “Como solução imediata talvez funcione sim, mas não vejo solução a longo prazo. Como outras intervenções que existiram no Rio de Janeiro. Naquele momento gera uma calmaria, um certo respeito à população, mas depois disso eles [criminosos] vão continuar. E não existe um trabalho para que permaneça a eficiência da ação. É paliativo”, resume.

“Acho que [a intervenção] vai ter efeito talvez aqui porque é zona sul. Na semana passada já colocaram tanques no Aterro do Flamengo. Mas eu moro na zona norte e lá não tem tanques. Lá acontece muito roubo a pedestre, não chega a ser à mão armada porque é muito rápido: chega de carro ou moto, pega a bolsa e vai embora”, analisa. “Mas para a zona norte as Forças Armadas não vão. Nunca foram. Não aparece no jornal, não dá ibope, só dá ibope assalto em Botafogo. Isso aí acontece todo o dia na zona norte”, ironiza ela, que mora em Cascadura.

Assustadas com os tiros ocorridos na manhã, a manicure Maria da Silva, 30, e a cabelereira Mariana Lúcia da Silva, 47, conversavam na porta de um salão. Sobre a intervenção federal, a primeira esboçou uma reação incrédula para, em seguida, acrescentar: “tem que pedir a Deus para ir e voltar em paz. Só isso. Porque, do jeito que está, ninguém sabe se vai ficar bom ou ruim".

Moradores do Rio opinam sobre intervenção federal

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