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"Primeira-dama" da Rocinha cita Adriana Ancelmo e decisão do STF em pedido de prisão domiciliar

Marina Lang

Colaboração para o UOL, no Rio

06/03/2018 12h16

Os advogados de Danúbia de Souza Rangel, mulher de Antonio Bonfim Lopes, o Nem, apontado como o ex-chefe do tráfico na Rocinha, entraram na Justiça com um pedido de prisão domiciliar. O habeas corpus foi protocolado no STF (Supremo Tribunal Federal) na noite de segunda-feira (5). Cabe ao ministro Edson Fachin a relatoria do pedido. Atualmente, ela cumpre prisão preventiva na penitenciária Nelson Hungria, em Bangu, zona oeste do Rio de Janeiro.

O habeas corpus de Danúbia se baseia em decisão coletiva que concede prisão domiciliar a mulheres grávidas e mães presas com filhos de até 12 anos, concedida pela 2ª turma do STF em 20 de fevereiro.

Conhecida como “primeira-dama” da Rocinha, Danúbia tem uma filha de sete anos.

O pedido da defesa diz que a criança depende emocional e economicamente da mãe que, de acordo com o texto, também possui residência fixa e bons antecedentes. O habeas corpus traz, ainda, um laudo técnico que atesta a dependência emocional da filha em relação a Danúbia.

O documento também menciona outras decisões, como o caso de Adriana Ancelmo, mulher do ex-governador Sérgio Cabral (MDB), cuja prisão domiciliar foi concedida novamente em dezembro pelo ministro do STF Gilmar Mendes.

“O princípio da igualdade visa dar aos cidadãos tratamento isonômico, vedando as diferenciações arbitrárias e imotivadas”, diz o pedido assinado pelos advogados de defesa de Danúbia, Marcelo Cruz e Yuri Cruz. “O atual cenário jurídico aponta, de forma translúcida, pelo direito à convivência familiar --mães e filhos (as) de até 12 anos de idade. Nessa seara, imperioso assinalar a situação fática e jurídica --idêntica-- que se encontra a paciente”, prossegue o texto.

Em setembro, Adriana Ancelmo foi condenada a 18 anos de prisão por associação criminosa e lavagem de dinheiro na Operação Calicute, um dos desdobramentos da Lava Jato no Rio de Janeiro, e estava presa preventivamente desde dezembro de 2016. Em março de 2017, ela passou para prisão domiciliar, mas decisão do TRF-2 (Tribunal Regional Federal da 2ª Região) de novembro determinou que ela voltasse à cadeia.

Na decisão de dezembro que determinou a volta de Ancelmo à prisão domiciliar, Gilmar Mendes cita precedentes do STF que concederam a prisão domiciliar a mulheres com filhos menores de 12 anos. O benefício é previsto no Código de Processo Penal. O filho mais novo de Adriana tem 11 anos de idade.

Na semana passada, Ancelmo foi mais uma vez condenada pelo juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Criminal Federal, por lavagem de dinheiro de R$ 4,5 milhões em joias --a pena estabelecida foi de dez anos e oito meses de prisão.

Prisão no ano passado

A mulher de Nem foi presa em outubro do ano passado. Em 2016, ela foi condenada a 28 anos de prisão pelos crimes de tráfico de drogas, associação para o tráfico e corrupção ativa. Ela estava foragida após ser solta por decisão judicial. Danúbia cumpre hoje prisão por essa condenação, mas a sentença ainda não foi analisada na 2ª instância após apelação da defesa.

Após o racha entre o atual chefe do tráfico na comunidade, Rogério 157, e Nem em razão de desentendimentos relacionados ao comando da favela, o que desencadeou a recente crise de segurança, a favela se tornou um lugar perigoso para Danúbia, que foi detida fora da Rocinha.

A "xerifa" da Rocinha, como é conhecida, deixou a favela em setembro após Rogério 157, ex-guarda-costas de Nem, assumir o tráfico local após a prisão dele em 2011.

Atualmente, tanto Rogério 157 quanto Nem se encontram detidos em um presídio de segurança máxima em Porto Velho (RO). Com a aliança de 157 com o CV (Comando Vermelho), a mulher de Nem teria sido obrigada a deixar a comunidade definitivamente.

De acordo com investigações, a ordem de expulsão de Danúbia foi o estopim para desencadear a guerra entre os traficantes rivais. No dia 17 de setembro, a Rocinha foi invadida por homens do grupo de Nem, ligados à ADA (Amigos dos Amigos), que tentaram retomar o controle das bocas de fumo.

O governo do Rio de Janeiro acionou militares das Forças Armadas no dia 22 de setembro, após um tiroteio levar pânico a moradores na entrada da favela. Os militares, que fizeram um cerco à favela em apoio às polícias do Rio, deixaram a Rocinha uma semana depois. Dias depois, tiroteios continuaram na comunidade. 

Ficha Criminal

Em 2011, a "xerifa" da Rocinha foi encontrada pela polícia num salão de beleza da Rocinha. Acusada de associação ao tráfico, ela foi levada para a Delegacia da Gávea, zona sul, por policiais do Bope (Batalhão de Operações Especiais) para prestar depoimento.

Na ocasião, o delegado Carlos Augusto Nogueira disse que Danúbia recebia presentes de Nem, andava com carro fornecido por ele e não comprovava ter emprego fixo, o que indicava a relação dela com o tráfico. No entanto, Rangel foi liberada tempos depois.

No mesmo ano, Nem foi preso dentro do porta-malas de um carro na Lagoa, bairro nobre vizinho à Rocinha, tentando deixar a favela. A partir daí, ela passou a se dividir entre o Rio e Campo Grande (MS), para onde o marido foi levado. Lá, ela chegou a abrir um salão de beleza.

Três anos após a prisão de Nem, Danúbia foi presa. Em março de 2014, ela foi encontrada com dez telefones celulares e três tablets com conexão à internet e acusada de enviar recados de Nem para traficantes aliados.

Em 2016, ela foi, contudo, absolvida de uma das acusações de associação para o tráfico e acabou solta. Menos de um mês depois, a Justiça a condenou a 28 anos de prisão. O serviço Disque-Denúncia chegou a oferecer R$ 1.000 de recompensa por informações sobre seu paradeiro.

Nascida no Complexo da Maré, conjunto de favelas da zona norte carioca, ela tem outros dois chefões do tráfico no currículo amoroso: Luiz Fernando da Silva, o Mandioca (pai de uma de suas filha) e o substituto dele, Marcélio de Souza Andrade. Ambos morreram em confrontos com a polícia, o que lhe rendeu o apelido de Viúva Negra.

Foi em 2006 que Danúbia conheceu Nem em uma festa e se mudou para a Rocinha. Tempo depois, nasceu a filha do casal. Desde que conheceu Nem, ela mergulhou num mundo de luxo. Ele a presenteava com passeios de lancha, helicóptero e joias, entre elas, um pingente com a letra "n" em referência a ele próprio.

Em 2008, o traficante chegou a organizar para a mulher um show do rapper americano Ja Rule na Rocinha.

No entanto, nem tudo eram flores na relação: escutas telefônicas revelaram que Nem agredia a mulher por ciúme. Em mais de um áudio obtido pela polícia, Danúbia relatou a uma amiga que tinha sido agredida. Apesar disso, desde a prisão de Nem, Danúbia o defendia e fazia juras de amor e fidelidade ao traficante nas redes sociais.