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Rio tem 15 homicídios dolosos por dia em 2018; especialista acusa "lógica do confronto"

Comunidade Bateau Mouche, na zona oeste do Rio de Janeiro - Jose Lucena/Estadão Conteúdo
Comunidade Bateau Mouche, na zona oeste do Rio de Janeiro Imagem: Jose Lucena/Estadão Conteúdo

Hanrrikson de Andrade e Luis Kawaguti

Do UOL, no Rio

04/04/2018 04h00

Ao menos 15 pessoas foram assassinadas por dia no Rio de Janeiro nos dois primeiros meses deste ano. É o que mostra o último relatório do ISP (Instituto de Segurança Pública do RJ), divulgado na segunda-feira (2). O período analisado contempla 12 dias de intervenção federal --o decreto foi assinado pelo presidente da República, Michel Temer, em 16 de fevereiro.

O dado abrange homicídios dolosos, isto é, quando há intenção de matar. Foram, no total, 906 ocorrências nas delegacias da Polícia Civil fluminense em janeiro e fevereiro deste ano. No primeiro bimestre de 2017, o ISP havia verificado 982 registros quanto ao mesmo indicador.

Apesar de uma leve queda (7,7%) em relação ao ano anterior, os números indicam que a situação do Rio permanece caótica, segundo especialistas.

Na avaliação do doutor em Ciência Polícia João Trajano Sento-Sé, um dos coordenadores do LAV (Laboratório de Análise da Violência), da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), a pequena redução observada pelo ISP não pode servir de "consolo".

"Se não ficou acima, também não está muito abaixo. A verdade é que voltamos a um patamar incômodo que aponta para uma tendência de crescimento", disse.

Trajano atribui o grande volume de mortes violentas ao que ele chama de "retomada da lógica da guerra às drogas".

Segundo cientista político, com a falência do projeto das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), o Estado voltou a focar na "lógica do confronto", o que, consequentemente, elevou não só o número de vítimas civis, mas também de policiais.

"Com as UPPs, você tinha dois princípios orientadores que prometiam um horizonte interessante. Abdicar da lógica da guerra ao tráfico, como, por exemplo, as incursões que eram anunciadas justamente para evitar tiroteios, e o plano de metas, que premiava as iniciativas de redução de homicídios na polícia. Ambos foram abandonados. O Estado retomou a lógica da guerra ao tráfico e, assim como o Comando Vermelho e as milícias, torna-se mais um vetor de produção de homicídios."

Para o professor Lenin Pires, diretor do Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos da UFF (Universidade Federal Fluminense), o ideal é que o Rio tivesse taxas de homicídio de primeiro mundo, com 15 mortes ao ano e não em um mês, mas por enquanto não é possível usar essa meta como parâmetro.

"O número de 15 homicídios por dia é mais que alarmante. Ele é inconcebível em qualquer contexto. Mas temos que perseguir metas que sejam possíveis", afirmou.

Segundo ele, uma meta mais real seria chegar a uma estatística de um a três homicídios por dia. Ele afirmou que no período da implantação das UPPs, o estado ficou perto dessa meta. 

Outra possibilidade, disse ele, seria tentar chegar aos índices obtidos no estado de São Paulo, que registrou uma média de oito mortes por dia no mesmo período.

Para Pires, a reversão dessas estatísticas de homicídios não será possível com uma intervenção federal na segurança, mas sim com uma renovação do panorama político do país que integre instituições do Poder Judiciário, do Ministério Público e das polícias no combate à crise de segurança.

Cresce número de mortos em ação policial

As tabelas do Instituto de Segurança Pública mostram que, em relação a janeiro e fevereiro de 2017, cresceu o indicador de mortes decorrentes de intervenção policial. Somente no mês passado, foram cem vítimas, contra 85 casos em fevereiro do ano passado --elevação de 17,6%.

Quando comparado o primeiro bimestre do ano, o crescimento é ainda maior. Foram registradas 254 mortes em janeiro e fevereiro de 2018 contra 183 no mesmo período do ano passado, um aumento de 38,8%.

Roubos

O relatório do ISP faz ressalva referente ao registro de crimes contra o patrimônio no período de janeiro a abril de 2017, quando ocorreu a paralisação nas atividades de várias delegacias, período em que só eram registrados casos de crimes contra a vida e roubo de carros.

Neste sentido, o ISP diz que não se deve comparar, por exemplo, o número de roubos de rua deste ano com o do ano passado, a fim de não haver distorções.

Em fevereiro último, houve 10.451 roubos de rua, que englobam roubo a transeunte, de aparelho celular e em transporte coletivo. O total significa que os moradores e turistas em todo o estado do Rio foram vítimas de roubo 373 vezes por dia, ou 15 roubos por hora, o que dá um roubo a cada quatro minutos.

Confira abaixo os principais dados do ISP de fevereiro:

  • Homicídios dolososqueda de 503 casos em fevereiro/2017 para 437 em fevereiro/2018
  • Latrocíniosqueda de de 26 em fevereiro/2017 para 21 em fevereiro/2018
  • Homicídios em operação policialaumento de 85 em fevereiro/2017 para 100 em fevereiro/2018
  • Lesão corporal seguida de mortequeda de 4 em fevereiro/2017 para 3 em fevereiro/2018
  • Letalidade violenta (os quatro itens acima somados)queda de 618 em fevereiro/2017 para 561 em fevereiro/2018
  • Roubo de veículoaumento de 4.286 em fevereiro/2017 para 4.792 em fevereiro/2018
  • Roubo de aparelho celular*aumento de 551 em fevereiro/2017 para 2.157 em fevereiro/2018
  • Roubo a transeunte*aumento de 2.260 em fevereiro/2017 para 7.278 em fevereiro/2018
  • Roubo em coletivo*aumento de 487 em fevereiro/2017 para 1.016 em fevereiro/2018
  • Roubo de carga*aumento de 452 em fevereiro/2017 para 742 em fevereiro/2018
  • Roubo a resistência*aumento de 49 em fevereiro/2017 para 113 em fevereiro/2018
  • Roubo a estabelecimento comercial*aumento de 277 em fevereiro/2017 para 552 em fevereiro/2018
  • Estupro*aumento de 324 em fevereiro/2017 para 446 em fevereiro/2018
  • Policiais militares mortos em serviçoaumento de 1 em fevereiro/2017 para 2 em fevereiro/2018

*Os dados de Janeiro e Fevereiro de 2017 desses itens estão impactados em virtude da paralisação da Polícia Civil.