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"Acabou o Dia das Mães", diz aposentada que busca filha e netos em desabamento

Janaina Garcia/UOL
Imagem: Janaina Garcia/UOL

Janaina Garcia

Do UOL, em São Paulo

10/05/2018 04h00Atualizada em 10/05/2018 09h18

Acostumada a uma vida sem luxos em Riacho de Santana, no interior da Bahia, a aposentada Romelita Almeida Alves, 66, vai ter um Dia das Mães diferente no próximo domingo (13). Em mais de 20 anos, esta deve ser a primeira vez em que ela não receberá os presentes enviados pela filha Selma Almeida, 40, pelos Correios.

“Nunca teve um presente favorito. Eu gosto de tudo que ela já me deu porque eu sei que era tudo dado com muito amor”, disse a aposentada, ao UOL, nessa quarta (9), a poucos metros de onde equipes do Corpo de Bombeiros escavavam em busca de Selma e de seus filhos gêmeos, Wendel e Werner, 10.

Os três estão entre os seis desaparecidos no desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida, no largo do Paissandu, região central de São Paulo. Eles viviam havia quatro anos na ocupação de sem-teto que ocupava o prédio que pertence à União desde 2008.

A aposentada chegou a São Paulo na última terça (8) após 26 horas de viagem de ônibus. A passagem foi bancada pela prefeitura da cidade onde ela vive com a família. Romelita foi ao IML Central (Instituto Médico Legal) da capital paulista fornecer material para comparação genética com as ossadas encontradas no local do desabamento. Ela também foi ao 3º Distrito Policial, onde o desabamento é investigado.

A mãe de Selma diz que falou com a filha pela última vez no sábado passado (28), três dias antes da tragédia. “Conversamos por bastante tempo, ela me contou que havia comprado várias coisas para me mandar de presente pelo Dia das Mães. Tinha comprado calçados e perfumes”, disse. “Mas agora acabou o Dia das Mães. Não acredito que minha filha e meus netos estejam vivos.”

Além dos gêmeos, Selma é mãe de um menino de 9 anos e de uma adolescente de 14 anos. Ambos vivem com a avó em Riacho de Santana.

“Minha preocupação agora é com eles. A Selma mandava todo mês um dinheirinho para ajudar na criação dos meninos, que eu trouxe de São Paulo comigo em duas oportunidades com a autorização dos pais deles”, afirmou.

De acordo com a aposentada, a catadora de papelão enviava entre R$ 50 e R$ 150 por mês para ajudar nas despesas da mãe, que ficou viúva há sete anos e vive hoje com a aposentadoria de um salário mínimo deixada pelo marido.

Selma é a segunda filha de uma família de seis irmãos. Junto de Romelita, veio para São Paulo o filho Uilian de Almeida, 31, lavrador e o primeiro a visitar, na terça, o local das buscas. “A gente não aguenta ficar assim o tempo todo. Minha vontade é entrar lá e escavar com a mão para acabar logo com essa espera”, afirmou Uilian.

“Minha filha era muito guerreira, muito amorosa, nunca deixava de ligar nas datas como Natal e aniversário e se preocupava com os filhos. Quando eu soube que o prédio que caiu era o mesmo que ela morava, fiquei tão sem chão que me perdi na estrada no caminho que eu faço todos os dias para buscar água com uma lata. Eu saía caminhando pelas estradas, porque mal conseguia mais ficar dentro de casa”, contou Romelita. “Andar ajudava a lidar um pouco com a angústia e a saudade.“

A avó conta que os netos gêmeos estudam e se destacam em um curso de judô, além de alimentar “planos e uma vida toda pela frente”.

Tudo o que eu quero agora é levar os ossos deles para serem enterrados lá na Bahia

Romelita Almeida Alves, 66

“Mas também não quero que isso tudo caia no esquecimento. Minha filha sonhava com a casa própria, pagava o consórcio de um carrinho, tinha esses filhos, que queria ver crescerem. Quantas Selmas mais precisam morrer para que algo seja feito?”, questiona.

Na capital paulista, Romelita e o filho estão na casa da prima, Ana Maria dos Santos. Até essa quarta-feira, o Corpo de Bombeiros não havia confirmado se os fragmentos de ossos achados nos entulhos eram da mãe ou dos filhos.

Exames do IML mostram, até o momento, que parte de ossos encontrados no começo da semana pertence a um homem adulto. Os bombeiros chegaram a cogitar que se tratasse de uma criança, já que havia brinquedos próximo ao local. O exame derrubou essa possibilidade.

Os trabalhos dos bombeiros entram nesta quinta no 10º dia. Mais de 2.000 toneladas de entulho já foram retiradas do local. A única vítima até agora confirmada na tragédia é o morador Ricardo Oliveira Galvão Pinheiro, 38, que caiu do alto do prédio pouco segundos antes de ser resgatado por um bombeiro.

Na Polícia Civil, o desabamento gerou dois inquéritos até o momento: um que apura as causas do acidente e eventuais responsabilidades, no 3º DP, e o que investiga a cobrança de aluguel entre os moradores da ocupação, comandado pelo Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais).