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"É um avião caindo todos os dias, mas não comove", diz especialista em segurança sobre homicídios

2.jan.2016 - Quatro pessoas foram mortas a tiros após ataque a um bar na Vila Galvão, em Guarulhos, na Grande São Paulo - Edison Temoteo/Futura Press/Estadão Conteúdo
2.jan.2016 - Quatro pessoas foram mortas a tiros após ataque a um bar na Vila Galvão, em Guarulhos, na Grande São Paulo Imagem: Edison Temoteo/Futura Press/Estadão Conteúdo

Daniela Garcia e Mirthyani Bezerra

Do UOL, em São Paulo

05/06/2018 20h20Atualizada em 06/06/2018 10h13

Em um ano, 171 pessoas morreram por dia, em média, no Brasil vítimas de homicídio. Foram 62.517 mortes violentas intencionais em 2016, segundo o Atlas da Violência 2018, que traz dados do Ministério da Saúde e foi divulgado nesta terça-feira (5) pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O número fez o país bater o recorde de mortes violentas, atingindo a taxa de 30,3 homicídios a cada 100 mil habitantes.

“É um avião caindo todos os dias, e isso não gera comoção social’, afirma Samira Bueno, diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Na avaliação da especialista, a indiferença da sociedade em relação ao crescente aumento de homicídios se deve à “marginalização das vítimas”. “Há uma epidemia de homicídios de jovens negros e pardos e, ao mesmo tempo, uma indiferença da sociedade. Porque as vítimas já estão marginalizadas das políticas públicas como um todo”, analisa.

O estudo revela que, em 2016, a população negra registrou uma taxa de homicídios de 40,2 mortes por 100 mil habitantes; entre brancos, amarelos e indígenas, a taxa foi de 16. 

Para Samira, falta também pressão popular para exigir políticas públicas voltadas para a garantia da vida.

A especialista ainda responsabiliza os governos nos três níveis pelo aumento histórico das mortes violentas intencionais. Samira diz que há uma “omissão” e “incompetência” dos governantes ao não defenderem um plano nacional de segurança pública com metas para a redução das mortes. “A segurança pública tem que deixar de ser um assunto exclusivo das polícias e dos estados”, opina.

Para ela, a inexistência de um plano nacional de segurança pública impede a criação de estratégias efetivas para o combate ao crime organizado. A maioria das mortes, afirma a especialista, são causadas indiretamente pelo tráfico de drogas. “No caso de homens, são execuções sumárias, balas perdidas”, exemplifica.

Vítimas de estupro até 13 anos

O Atlas da Violência deste ano também revelou que o número de notificações de estupro feitas ao SUS (Sistema Único de Saúde) quase dobrou em cinco anos. Dentre os casos notificados, 50,9% das vítimas têm até 13 anos.

Para a promotora de Justiça e coordenadora do Núcleo de Gênero do Ministério Público de São Paulo, Valéria Scarance, aumento no número de notificações de estupro feitas ao SUS é reflexo da melhoria da rede de atendimento às vítimas, das campanhas de conscientização sobre a importância da notificação compulsória e da expansão dos centros de referência.

Scarance afirma que, no caso de menores de idade, o ECA (Estatuto da Crianças e do Adolescente) obriga o profissional de saúde a notificar o caso, independentemente da vontade dos familiares. “Isso leva ao aumento da notificação compulsória. Os médicos estão sendo cada vez mais capacitados, inclusive, para a coleta de provas sobre o crime”, diz.

A notificação tem o objetivo de resguardar a criança, oferecendo a ela toda uma rede de apoio multidisciplinar, e de dimensionar os níveis desse tipo de violência para que o estado construa suas políticas públicas de combate a ela.

A promotora afirma que existe uma maior notificação dos casos de crianças porque, via de regra, nelas os indícios de violência sexual são mais evidentes do que na vítima adulta. “Criança com doença sexualmente transmissível, com lesões no ânus ou genital tem sinais mais evidentes do que uma pessoa adulta. O adulto tem que relatar, criança não”, disse.