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Exército gastou R$ 9,8 mi em operações no 1º mês de intervenção

Luís Adorno

Do UOL, em São Paulo

05/06/2018 04h00

R$ 9.876.269,29. Esse foi o valor total gasto pelo Exército em operações ostensivas durante o primeiro mês da intervenção federal na segurança do Rio de Janeiro. Entre 19 de fevereiro e 25 de março, foram nove ações das Forças Armadas, que envolveram homens do Exército. O gasto, cujo valor foi obtido pelo UOL por meio da LAI (Lei de Acesso à Informação), saiu do orçamento do Ministério da Defesa e não inclui o montante de R$ 1,2 bilhão destinado pelo governo federal à intervenção.

A cifra não inclui gastos de outras forças de segurança que participaram das ações. A maioria das operações teve como objetivo desobstruir vias e fazer cercos a favelas para tentar combater o tráfico de drogas e de armas, além de prender procurados pela Justiça. Segundo o GIF (Gabinete de Intervenção Federal), a meta era restabelecer a ordem e a sensação de segurança dos moradores das áreas afetadas.

A reportagem do UOL ouviu quatro especialistas em segurança sobre o desempenho das operações no primeiro mês de intervenção frente ao montante empregado --três deles criticaram os resultados, enquanto o quarto ponderou que o legado da intervenção não são as operações em si, mas a reestruturação das forças de segurança (leia abaixo).

O valor corresponde apenas às ações emergenciais ligadas à GLO (Garantia da Lei e da Ordem), chamadas pelo Exército de "Furacão". Esse tipo de operação já vinha sendo feita nos últimos anos. A intervenção no Rio é composta de duas frentes que acontecem simultaneamente: as operações emergenciais e as ações estruturais de melhoria das polícias.

Segundo o Exército, os principais gastos incluem alimentação, combustível, material de consumo, manutenção de viaturas e deslocamentos. "Numa análise ampla, todos os objetivos vêm sendo alcançados porque eles constituem etapas intermediárias e necessárias para atingir os objetivos principais da intervenção federal", afirmou o órgão, por meio de nota.

Ainda de acordo com o Exército, os principais objetivos das operações são fortalecer os órgãos de segurança, como Polícia Militar e Polícia Civil, além recuperar a capacidade operacional, o que inclui "organização, formação e capacitação, material, pessoal e infraestrutura".

Na prática, a expectativa da intervenção, decretada em fevereiro, é diminuir os índices de criminalidade. Com a intervenção, a segurança do Rio passou a ser responsabilidade do governo federal, sob comando do interventor Walter Souza Braga Netto.

Com base em reportagens sobre as operações em questão, foi possível traçar seus objetivos e, em alguns casos, os resultados.

Quanto custou cada uma das operações

  • R$ 1.738.429,50 em 19 de fevereiro
    As Forças Armadas, junto com a PRF (Polícia Rodoviária Federal), bloquearam todas as rodovias de acesso à cidade do Rio de Janeiro assim como pontos de maior quantidade de roubo de carga. Foram 11 presos, seis armas, seis granadas e dois simulacros apreendidos, além de dois carros, quatro motos e um caminhão, de acordo com o Observatório da Intervenção --plataforma criada pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania, da Universidade Cândido Mendes, para acompanhar diariamente as ações militares no Rio. 
  • R$ 781.886,40 em 21 de fevereiro
    Varredura na Penitenciária Milton Dias Moreira, em Japeri, na Baixada Fluminense. Foram encontrados 48 celulares, maconha e cocaína, segundo o Comando Militar. Nenhuma arma foi apreendida.
  • R$ 1.028.416,50 em 23 de fevereiro
    Operações conjuntas nas comunidades da Vila Kennedy, Vila Aliança e Coreia, na zona oeste carioca. Os militares destruíram barricadas do tráfico de drogas, revistaram carros e solicitaram documentos de quem entrava na favela. Com alto falantes, caminhões do Exército divulgaram um telefone para denúncias. Segundo setores de inteligência, a ação tinha como objetivo evitar um confronto entre as facções Comando Vermelho e Terceiro Comando, que estaria prestes a ocorrer. Houve 27 prisões, duas pistolas apreendidas e recuperação de 13 motos e 12 carros roubados, segundo o Observatório da Intervenção.
  • R$ 1.348.505,28 em 24 de fevereiro
    Equipes do Exército circularam em blindados por becos e vielas da Vila Kennedy. Durante a operação, os agentes tiraram fotos de moradores com seus documentos para checar se tinham antecedentes criminais. Parte dos moradores aprovou a medida. Outros apontaram que ficaram desconfortáveis, o que gerou mal-estar.

23.fev.2018 - Policial confere RG de cidadão, durante operação na Vila Kennedy, na zona oeste do Rio de Janeiro - Danilo Verpa/Folhapress - Danilo Verpa/Folhapress
Policial fotografa RG de homem, durante operação na Vila Kennedy
Imagem: Danilo Verpa/Folhapress

  • R$ 613.780,00 em 2 de março
    Forças Armadas fizeram operação em favela considerada "quartel-general" do Comando Vermelho em São Gonçalo, região metropolitana do Rio. Houve confrontos entre criminosos e policiais apoiados pelas Forças Armadas. Ao todo, nove pessoas foram detidas, dez vias, desobstruídas e foram apreendidos uma pistola de uso restrito, quatro carros, duas motos, drogas e munições, segundo o Comando Militar.
  • R$ 683.250,00 em 3 de março
    Os militares voltaram à Vila Kennedy para desobstruir vias --um total de 720 pessoas e 617 veículos foram revistados. Dezesseis barreiras e obstáculos que faziam barricadas em vias foram retirados. Cinco pessoas foram presas (uma tinha mandado de prisão em aberto e as outras quatro foram detidas por desacato, desobediência e posse de drogas), segundo o Comando Militar.
  • R$ 1.733.537,61 em 9 de março
    Após um arrastão em uma igreja católica da Vila Kennedy, os militares voltaram à comunidade. Desta vez, servidores da prefeitura do Rio fizeram uma "ação de ordenamento urbano" --a destruição de quiosques de uma praça revoltou comerciantes. Segundo o Observatório da Intervenção, houve violação por excesso do uso de força.
  • R$ 1.475.714,00 de 6 a 15 de março
    O Exército não informou quais foram as ações da operação em específico. Mas, dentre o que foi feito por militares no Rio no período, está a retirada de quatro bases de UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) que ficavam em dois lugares diferentes da Vila Kennedy. O Exército explicou que a medida fazia parte de um novo plano de atuação das UPPs na região.
  • R$ 472.750,00 em 15 de março
    Homens das Forças Armadas e da PM fizeram um cerco à favela do Viradouro, em Niterói, região metropolitana. Segundo o comando conjunto, a ação envolvia "cerco, estabilização dinâmica da área e desobstrução de vias".

Questionado sobre sobre os resultados das nove primeiras operações sob intervenção, o coronel Roberto Itamar, porta-voz do GIF (Gabinete de Intervenção Federal), afirmou que há questões que não se mensuram "apenas com presos e apreensões". Ao citar as ações na Vila Kennedy, ele disse que o objetivo da operação é estabilizar a área e permitir o acesso a serviços, como coleta de lixo, conserto de telefone, água, gás, saúde, e educação.

"Essas operações da Vila Kennedy, por exemplo, tiveram resultados além das prisões e apreensões. Foram avanços na questão social daquela localidade, como, por exemplo, a devolução da tranquilidade para a população, com efeito radiador nos índices de criminalidade, que caíram quase a zero enquanto o Exército esteve presente", justificou Itamar.

15.mai.2018 - O porta-voz do Comando Militar do Leste, coronel Roberto Itamar, no Centro Integrado de Comando e Controle - Fernando Frazão/Agência Brasil - Fernando Frazão/Agência Brasil
Porta-voz do Gabinete de Intervenção Federal, coronel Roberto Itamar
Imagem: Fernando Frazão/Agência Brasil

Além disso, segundo o porta-voz do GIF, houve reestruturação de UPPs.

"A ação da intervenção foi fortalecer o 14º batalhão, da área da Vila Kennedy, e reestruturar as UPPs. Os efetivos foram treinados, adaptados ao policiamento ostensivo e foram transformados em companhias de polícia destacadas. Isso sim é o fato da intervenção. Esses benefícios devem ser associados. A intervenção não gastou nada do R$ 1,2 bi que o governo federal disponibilizou", disse Itamar. 

Ainda de acordo com o porta-voz, tudo que foi feito nos primeiros cem dias de intervenção foi gerencial, de estruturação e com a colaboração do governo do estado.

"O dinheiro está em tela, disponível, mas, para utilizá-lo, demanda um tempo, tem todo um rito. Se exige que faça todo um procedimento como apresentar as necessidades, levantar as características, um levantamento de preço, levar à precificação do mercado, conduzir um processo licitatório, antes de o bem aparecer. A depender dos bens que vão ser adquiridos, leva um tempo", explicou.

"Uma das primeiras compras da intervenção que devem aparecer, de material, é o de coletes balísticos, porque antes da intervenção já tinha as especificações, o processo já estava em andamento. Outros materiais devem demorar um pouco mais", complementou.

Leia também: Com crise financeira, intervenção quer usar PF e Exército para acelerar compra de equipamentos

O dinheiro foi bem investido?

Ao ouvir essa pergunta, o ex-comandante da Coordenadoria de UPPs (2010/2011) e ex-chefe do Estado Maior da PM do Rio (2015), coronel da reserva Robson Rodrigues, é direto: "lógico que não". 

"Se fosse investir em estrutura, esse dinheiro seria pouco, mas daria para começar. Agora, para fazer mais do mesmo, é muito. Ainda mais numa época de crise financeira", complementou.

O ex-chefe do Estado Maior da Polícia Militar do Rio, coronel Robson Rodrigues - Divulgação/Consulado dos EUA-RJ - Divulgação/Consulado dos EUA-RJ
Ex-chefe do Estado Maior da Polícia Militar do Rio, coronel Robson Rodrigues
Imagem: Divulgação/Consulado dos EUA-RJ

"Precisava de uma boa gestão. O que não vai ser com esse governo, porque a intervenção foi uma questão política, imediatista. Não houve uma questão técnica. Esse dinheiro poderia ajudar na estrutura das polícias estaduais. É um erro investir tanto numa intervenção como essa. Um erro de gestão crasso", analisou o coronel, que também é antropólogo.

Segundo ele, a PM do Rio viveu entre 2009 e 2012 um momento de investimentos. No entanto, em questões quantitativas, não qualitativas. Sem treinamento e estrutura reforçada, quando o período de investimento travou, a PM parou junto. "No Brasil, você não tem políticas estratégicas de médio e longo prazo, você tem imediatismo. O estado que agiu no imediatismo ficou com a bomba na mão e explodiu no próprio colo", disse.

Cientista social e coordenadora da plataforma Observatório da Intervenção, Silvia Ramos afirmou que os gastos são "surpreendentes". "Eles comprovam e contribuem para confirmar a nossa impressão de que a intervenção é uma coisa que tem um alto custo para pouquíssimos resultados", disse.

"Esse dinheiro poderia ser utilizado de maneira muito mais inteligente se fosse em coisas estruturais. São valores muito altos por dia, de custos por operação. Quanto custa a intervenção? Pela primeira vez, existe um fator representativo", afirmou a cientista social.

Diretora-executiva do FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública), Samira Bueno também aponta que "os dados de despesas das operações da intervenção revelam um enorme custo aos cofres públicos sem que se tenha clareza sobre sua efetividade ou mesmo a necessidade das operações nestes territórios".

"Como até agora o interventor não anunciou quais são as metas a serem cumpridas e tampouco o plano da intervenção até dezembro, a sociedade fica refém das decisões do governo e com pouca base para monitorar sua ação", analisou.

16.fev.2018 - José Vicente da Silva Filho, ex-secretário nacional de Segurança - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
José Vicente da Silva Filho, ex-secretário nacional de Segurança Pública
Imagem: Arquivo pessoal

Já José Vicente da Silva Filho, ex-comandante da PM de SP e secretário nacional de Segurança Pública na segunda gestão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), a intervenção, apesar de cara, é importante.

"O mais importante da intervenção não são as operações em si. É a reestruturação das forças de segurança. A PM praticamente não tem tenente nas ruas, estão todos em trabalho administrativo. A intervenção é importante para a estruturação e supervisão dos órgãos de segurança."

O especialista avalia que as operações não deram o resultado esperado porque, quando o Exército deixa o território dominado pelo crime, os criminosos voltam a ocupá-lo. "Operação ‘entra e sai’ nunca reproduziu sucesso. Na Rocinha, por exemplo, eu sugeriria cercar por um ano. Todo mundo passaria por revista ao entrar e sair. A gente está vendo que, além de não resolver, custa caro", analisou.