"Não fuzile nossos amigos": ato em escola por aluno morto na Maré expõe medo de ações policiais

Uma semana após a morte de Marcos Vinícius da Silva, 14, baleado durante uma operação da Polícia Civil, estudantes da favela do Complexo da Maré, zona norte do Rio de Janeiro, substituíram a empolgação com o jogo do Brasil na Copa do Mundo por um protesto pela morte do colega, atingido após tentar ir à escola.
Com cartazes que misturam protestos e homenagens a Marcos Vinícius, a manifestação, que contou com um abraço coletivo à escola, ocorreu na manhã desta quarta-feira (27) no Ciep (Centro Integrado de Educação Pública) Operário Vicente Mariano, onde Marcos Vinícius estudava, e reuniu estudantes de ao menos 12 escolas da Maré.
Crianças e adolescentes relataram o medo de que ações da polícia no horário de entrada das aulas os exponham a tiroteios. "Não fuzile nossos amigos", dizia um dos cartazes.
Alunos ouvidos pelo UOL disseram que, em geral, operações policiais ocorrem antes ou depois dos horários de entrada das escolas --por volta de 8h e 13h. Porém, eles denunciam que ao menos quatro casos de tiros nesses horários teriam ocorrido nos últimos meses. Fontes da intervenção federal afirmaram que a polícia segue protocolos para evitar que as operações coincidam com o horário escolar.
"Uma vez aconteceu quando eu estava quase chegando na escola, parecia que as balas estavam passando na minha frente, deu muito medo", disse o estudante Eric, de 13 anos.
A gente procura andar de uniforme da escola pra verem que a gente não é bandido. Mas não funcionou para o Marcos Vinícius.
Walace, 15, estudante
No ato, as crianças exibiram cartazes com dizeres como "Maré de luto, só queremos paz" e "Marcus Vinícius, saudades eternas", entre outros. Em alguns deles, havia protestos contra o uso de helicópteros da polícia em ações na favela. Os disparos efetuados da aeronave contra suspeitos durante a operação provocam críticas desde a semana passada.
"Tenho medo toda vez que começam a atirar. Eu vi um cara com um fuzil passando no helicóptero em cima da minha casa", disse o estudante Artur, de 10 anos, ao lado de sua mãe Fabiana.
"Antes cancelavam as aulas quando ia ter operação, agora isso não acontece mais, ficamos com medo de levar as crianças na escola", afirmou ela.
"Isso deixa a gente com medo. Meu filho tem sete anos. Ele pergunta: mãe, quando vou poder ir para a escola sozinho? E digo, agora de jeito nenhum", disse outra mãe de aluno que pediu para não ter o nome revelado.
Antônio Carlos Costa, da organização não governamental Rio de Paz afirmou que as operações da polícia na região devem ser muito bem planejadas para não expor a população a riscos. "Preservar a vida de cidadãos inocentes é mais importante que prender bandidos", disse.
Uma fonte da intervenção disse ao UOL que em diversas ocasiões a polícia tem preferido não realizar operações em favelas para coibir crimes contra o patrimônio, como roubos de carga, por exemplo, para evitar confrontos com criminosos e não colocar moradores locais em risco. Operações planejadas com antecedência seriam agendadas para ocorrer fora do horário escolar - geralmente antes dos alunos saírem para as aulas pela manhã.
O diretor da ONG Redes da Maré, Edson Diniz, disse na semana passada ao UOL que a entidade verificou mais de cem marcas de disparos no chão do conjunto de favelas da zona norte do Rio após a operação da Polícia Civil. Diniz disse que os tiros partiram do helicóptero usado na ação policial, chamado por moradores de "caveirão voador". Vídeos publicados nas redes sociais registraram o sobrevoo da aeronave na Maré ao som de disparos de armas de fogo.
O pai do menino, o ajudante de pedreiro José Gérson da Silva, 37, disse hoje suspeitar que o tiro tenha partido da polícia devido a relatos de testemunhas. "Acho que foi intencional, não tinha ninguém na rua trocando tiros com eles [policiais]. Como não viram que ele estava de uniforme escolar?", disse Silva.
A ação ocorrida na quarta-feira passada (20) terminou com sete mortos --além do estudante, seis homens foram mortos. A polícia diz que eles receberam os agentes a tiros. O secretário da Segurança Pública, Richard Nunes, determinou que a Polícia Civil apresente na próxima semana um relatório sobre o que aconteceu no momento da morte de Marcos Vinícius.
"Alunos perguntam quem vai ser o próximo", diz professor
Rafael Gurjão, um dos professores de Marcos Vinícius, também relatou que os alunos estão com medo de ir à escola. "Os alunos estão muito tristes e os professores, muito abalados. Os alunos perguntam quem vai ser o próximo."
Segundo o professor de geografia, os alunos se sentem incomodados com publicações em redes sociais que colocam Marcos Vinícius como suposto criminoso. "Bandido vem fazer prova de redação? Ele tinha feito uma prova dias antes. Os alunos ficam com raiva e ficamos explicando que a escola tem talentos e é possível vencer pela educação", disse.
Durante o ato, aos gritos de "Marcos Vinícius presente", alunos, professores e familiares lembraram outros casos recentes de violência, como os assassinatos da vereadora Marielle Franco (PSOL) em março e da estudante Maria Eduarda da Conceição, de 13 anos, morta por bala perdida em uma escola na zona norte do Rio em 2017.
A reportagem do UOL procurou a Secretaria de Segurança sobre o protesto em que as crianças relatam medo de irem às escolas em razão das operações policiais. A pasta ainda não se manifestou.
A Polícia Civil realizará uma reconstituição do momento em que o estudante da Maré foi baleado para tentar determinar quem foi o responsável por sua morte. O órgão disse que está empenhando todos os seus esforços para esclarecer os fatos.
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