Agricultora disputa terreno em que grupo Fasano quer erguer hotel de luxo na Bahia
Um empreendimento de luxo do grupo Fasano em Trancoso (povoado de Porto Seguro, no sul da Bahia), com custo inicial de R$ 130 milhões e previsão de entrega em junho de 2019, está com seu cronograma de obras comprometido por conta de decisão judicial do Tribunal de Justiça da Bahia na última quarta-feira.
Segundo o site do grupo, o projeto "Reservas Trancoso", lançado em 2016, prevê 19 estâncias (lotes) dentro de um complexo com um hotel de 40 bangalôs e 23 vilas residenciais. O projeto é assinado por Isay Weinfeld, que também responde pelo design dos hotéis Fasano São Paulo e Fasano Punta del Este (Uruguai).
O problema é que, segundo entendimento do tribunal baiano, parte do terreno de 300 hectares onde estão sendo feitas as obras, que têm previsão de ficar prontas em julho de 2019, pertence à agricultora Joaquina Antonia Soares, 74. Ela viveu no local por 46 anos e hoje mora no famoso “Quadrado”, em Trancoso.
Joaquina afirma que sua área de 28 hectares foi invadida em 2010. “Meu filho que me disse dessa invasão. Não me falaram nada, nunca fui procurada por ninguém, nem pra tentar qualquer acordo”, ela disse ao UOL, informando em seguida que teria interesse em negociar a área, “mas por um valor justo”.
A área de Joaquina é fruto de doação feita em 1973, decorrente de processo criminal em que ela figurava como vítima de estupro, aos 16 anos. O terreno foi doado pelo pai do autor do crime como forma de compensar o delito. “Durante o tempo que vivi lá, plantei mais de 1.500 pés de coco, dentre outras frutas”, contou.
Após entrar com ação possessória, o Tribunal de Justiça da Bahia determinou em 8 de maio de 2017 o embargo das obras e multa de R$ 10 mil por dia, caso o empreendimento, que ocupa 300 hectares de mata nativa e 500 metros da praia de Itapororoca, famosa por suas falésias, continuasse a vender lotes.
Continuidade das obras
A incorporadora Bahia Beach, responsável pela construção do hotel de luxo, chegou a entrar com recurso judicial contra o embargo, mas no final do ano passado o Tribunal da Bahia decidiu mantê-lo. Na ocasião, não tinha sido avaliada, contudo, a continuidade das obras, o que configura desrespeito à decisão judicial.
A defesa de Joaquina, então, acionou novamente a Justiça, reclamando do andamento das obras do hotel de luxo e venda de lotes, e por maioria, os desembargadores da Quarta Câmara Cível decidiram na quarta-feira pela manutenção do embargo, e condenação ao pagamento da multa diária de R$ 10 mil.
O valor a ser pago ainda será calculado.
Após analisar o relatório sobre a continuidade das obras, a desembargadora Gardênia Pereira Duarte escreveu, em seu voto, que “a agravada [Bahia Beach] não ofereceu qualquer prova em sentido contrário, limitando-se a invocar, apenas, os pretéritos laudos de vistoria e auto de verificação firmados em junho do ano passado”.
No processo, a Bahia Beach explicou que há dois empreendimentos de sua titularidade: um objeto da licença 78/2016, onde ficarão o condomínio com 19 unidades, e o outro da licença 337/2016, que prevê a construção de um hotel e mais 23 vilas. Ela garante a posse dos terrenos onde estão sendo feitas as obras.
Parte do terreno onde ficará o condomínio é onde estão os 28 hectares da agricultora Joaquina. A Bahia Beach diz que a obra que segue é apenas a do hotel e das vilas, não tendo ainda feito qualquer empreendimento na parte dos condomínios, informação que é rebatida pela ata notarial com o relatório sobre a visita in loco.
Sem distinção
A desembargadora Gardênia Pereira Duarte destaca na decisão desta quarta que a “a liminar recursal [dada ano passado] determinou a paralisação das obras da agravada, sem fazer qualquer distinção entre os vários empreendimentos desenvolvidos na região, alguns dos quais continuam em acelerado ritmo de obra, atingindo, inclusive, a área disputada”.
“Impõe-se reconhecer o descumprimento da liminar deferida por esta Relatora a partir da data aposta na ata notarial (24/01/2018). Em sendo assim, deve a agravada [Bahia Beacch] responder pelas astreintes [multas diárias aplicadas] correspondentes, haja vista a comprovação do descumprimento da ordem liminar”, diz a decisão.
Desta vez, a desembargadora, além de “conceder a proteção possessória perseguida”, limitou “a proibição de construção e venda, comercialização ou qualquer outro ato dispositivo por parte da agravada à área objeto da licença 78/2016 [área do condomínio], devendo ser averbado na matrícula do imóvel o embargo das obras proveniente desta determinação, a fim de prevenir interesses de terceiros e/ou eventuais prejuízos destes.”
Em caso de descumprimento dessa nova determinação, a multa diária será de R$ 5.000. O advogado Nirvan Dantas, que defende a agricultora Joaquina, informou nesta sexta-feira (13) que já na entrou na Justiça com pedido de execução da multa referente a decisão de 8 de maio de 2017, que, segundo ele, “está em quase R$ 2 milhões”.
Ao UOL, o diretor da Bahia Beach Frederico Schiliró informou que as obras da vila e do hotel “seguem de vento em popa”, e que não há obras na área dos lotes no platô relativo ao embargo. "Esta área fica a 1.500 metros do hotel e das villas e tem inclusive outra matrícula", afirmou.
Nos arquivos do processo, a Bahia Beach alega que “as terras nas quais desenvolve o empreendimento Estâncias Fasano nunca pertenceram à agravante [Joaquina], nem mesmo no passado, uma vez que as ‘terras que um dia lhe foram aforadas pela Municipalidade de Porto Seguro eram terras interiores’”.
Diz que "alteraram propositadamente a planta desconsiderando os limites impostos pela Carta de Aforamento e trouxeram, através de planta fictícia, as divisas indicadas no instrumento de aforamento para a beira da encosta, sobrepondo com isso a propriedade” onde vem sendo feito o empreendimento.
Ainda no processo, sustenta possuir títulos legítimos e registrados da propriedade da área, com 43 anos de cadeia sucessória completa, todos originados a partir dos títulos de Moacyr Andrade (cônsul de Portugal em Porto Seguro), Abelardo Moacyr de Andrade e Agro Pastoril Itaquena, “nunca tendo [Joaquina] exercido posse ali, já que nem mesmo junta fotografias, IPTU [Imposto Predial Territorial Urbano] ou ITR [Imposto Territorial Rural] recolhidos”.
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