Com questionário, PCC faz "censo" e avalia comida, atendimento jurídico e de saúde em presídios
Flávio Costa e Luís Adorno
Do UOL, em São Paulo
22/07/2018 04h00
A facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital) criou um questionário com 42 perguntas com o objetivo de mapear e obter informações sobre a rotina e a segurança das prisões brasileiras.
Investigadores da Operação Echelon descobriram o mapeamento ao interceptarem um telefonema ocorrido no dia 6 de setembro de 2017 entre o líder do PCC no Paraná, Jaderson Gonçalves, e um interlocutor não identificado.
Conhecido pelos apelidos "Pitter", "Petter", "Pedro Henrique", "Jon Piter" e "Guaíra", o criminoso está preso e mesmo assim obteve acesso a um celular na Penitenciária Estadual de Piraquara I, localizada na região metropolitana de Curitiba.
Veja também
A lista de perguntas repassada pelo chefe da facção ao subordinado é abrangente e se assemelha a uma espécie de "censo penitenciário" (leia todas as questões no link acima).
Entre as informações requeridas estão a quantidade de membros (irmãos) e simpatizantes (companheiros) do PCC em cada penitenciária e a quantidade de rivais; a lista do material que é permitido ser enviado pelos familiares; e até avaliações sobre a qualidade da comida e dos atendimentos jurídico e de saúde nas unidades prisionais.
Para o juiz aposentado Wálter Maierovitch, especializado no estudo de organizações criminosas, o questionário criado pelo PCC é uma forma de "estabelecer um controle absoluto das prisões" (veja mais abaixo).
Outras questões referem-se à segurança e rotina dos presídios e o nível de corrupção dos agentes:
É favorável [a entrada] de aparelhos celulares na unidade? Qual o valor?
Tem geral (pente fino) constante na unidade?
Perguntas do "censo penitenciário" do PCC
PCC quer saber nomes de diretores de presídios
O questionário também inclui informações sobre os nomes dos chefes de segurança e dos diretores das unidades prisionais.
Somente no Paraná, onde foi descoberta a lista de perguntas, o PCC foi responsável pelo assassinato de três agentes penitenciários, entre setembro de 2016 e maio de 2017, de acordo com investigações policiais: um estadual e dois federais.
Autor da denúncia da Operação Echelon, o promotor de justiça Lincoln Gakyia afirma que a posse dessas informações pelo PCC coloca em risco a vida de agentes de segurança e pode facilitar a ocorrência de fugas nas prisões.
"Eles também usam esses dados para pressionar autoridades para que membros do PCC fiquem em prisões sem a presença de membros de facções inimigas, ou vice-versa", afirma o promotor. Ele é membro do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) do MP-SP (Ministério Público de São Paulo).
Durante as investigações, membros do PCC foram flagrados arquitetando e executando atentados a prédios públicos, como fóruns, em estados como Roraima e Santa Catarina, com o objetivo de pressionar autoridades locais a atenderem suas reivindicações.
As informações obtidas nas penitenciárias também são usadas pelo PCC para realizar denúncias de maus tratos nas prisões contra o Estado brasileiro em organismos internacionais, a exemplo da CIDH (Corte Interamericana de Direitos Humanos) e da ONU (Organização das Nações Unidas).
Essa situação foi comprovada pela Operação Ethos, que desvendou o funcionamento da chamada "sintonia das gravatas", setor formado por advogados cooptados pela facção.
Após analisar o questionário a pedido do UOL, um advogado criminalista com atuação de São Paulo afirmou que o documento mostra não só o grau de periculosidade do PCC como também "o nível de sofisticação" do grupo em relação aos rivais, como o Comando Vermelho.
PCC é uma organização pré-mafiosa, diz magistrado
Wálter Maierovitch afirma que o questionário criado pelo PCC é uma forma de "estabelecer um controle absoluto das prisões".
Essa é uma das características das organizações mafiosas na Itália, por exemplo. Nas prisões sicilianas, a máfia transformava as prisões onde estavam encarcerados seus líderes em verdadeiros quarteis generais
Wálter Maierovitch, especializado no estudo de organizações criminosas
Para o magistrado, o PCC é um tipo de organização pré-mafiosa, pois sua atuação ainda se restringe aos países que fazem fronteira com o Brasil -- Bolívia e Paraguai. Já a máfia é transnacional, ou seja atua para além de suas fronteiras geográficas.
"Foi descoberto, por exemplo, que a (máfia italiana) 'Ndrangheta atuava na bolsa de Frankfurt, na Alemanha, e controlava uma rede de fast food no mesmo país."
Maierovitch considera ainda que a facilidade de comunicação à disposição dos chefes do PCC nas penitenciárias indica que existe um acordo entre a facção e organismos do Estado brasileiro.
"Nós ainda não atacamos o que faz o PCC tão poderoso, que é o fluxo financeiro da organização. Enquanto isso não acontecer, o poder da facção será crescente."
A reportagem não conseguiu localizar a defesa de Jaderson Gonçalves e telefonou e enviou questionamentos por email desde quarta-feira (18) ao Depen-PR (Departamento Penitenciário do Paraná).
O UOL perguntou se o órgão tinha conhecimento da existência do questionário criado pelo PCC e quais medidas foram tomadas sobre o assunto, porém nenhuma resposta foi enviada até o fechamento dessa reportagem.