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Investigados poderosos têm mais meios de resistir, diz Jungmann sobre caso Marielle

Wenderson Araujo/Estadão Conteúdo
Imagem: Wenderson Araujo/Estadão Conteúdo

Luciana Amaral

Do UOL, em Brasília

10/08/2018 13h39Atualizada em 10/08/2018 17h10

O ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, afirmou nesta sexta-feira (10) que investigados poderosos têm mais meios de resistir à apuração do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes pela Polícia Civil do Rio de Janeiro. Ambos foram mortos a tiros em 14 de março deste ano no centro da capital fluminense.

A declaração foi dada após questionamento se agentes públicos e políticos investigados pelas mortes, segundo o próprio ministro, estão atrapalhando a resolução do caso. Apesar da afirmação, ele assegurou que o crime será esclarecido e “não há nada” que impeça o trabalho da equipe policial.

“Eu vou responder obliquamente, não vou responder diretamente. Vou dizer que, quando você tem o envolvimento daqueles que detêm o poder, [eles] de fato têm uma capacidade de, digamos assim, uma resiliência e uma capacidade de mobilizar defesas ou mobilizar meios de resistir. Mas, não tenha a menor sombra de dúvida de que não há nada que impeça a intervenção e a equipe que lá está de denunciá-los, a todos”, afirmou.

Jungmann preferiu não citar nomes de políticos e de agentes públicos supostamente envolvidos no assassinato para não atrapalhar o andamento das investigações. O ministro avaliou que o crime é “extremamente complexo” por envolver as categorias e tem reflexos tanto para órgãos públicos quanto políticos. O objetivo do governo, disse, é chegar às provas que indiquem os executores e mandantes.

Sobre as motivações do crime, o ministro afirmou, sem dar detalhes, haver pistas relativas a disputas políticas e ocupação efetiva de cargos.

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Reportagem da revista "Veja" publicada na quinta-feira (9) afirma que a Polícia Civil investiga suposto envolvimento dos deputados estaduais Jorge Picciani, ex-presidente da Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro), Edson Albertassi e Paulo Melo no crime --todos são do MDB e foram presos no ano passado na Operação Cadeia Velha, que apurou esquema de corrupção na Alerj.

Ao UOL, o deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL-RJ), de quem Marielle era próxima, sustentou que os parlamentares são investigados e que ele foi procurado pela polícia para prestar depoimento (no entanto, não há data para a oitiva).

Freixo já lembrou na imprensa que, no final de 2017, entrou com uma ação na Justiça para impedir a indicação de Albertassi a uma vaga de conselheiro no TCE (Tribunal de Contas do Estado). A indicação, feita pelo governador Luiz Fernando Pezão (MDB), foi suspensa e o emedebista teve de desistir do cargo.

Porém, até o momento, nenhuma autoridade responsável pela investigação do assassinato confirmou que as ações estejam interligadas. A Polícia Civil reiterou que o caso corre sob sigilo.

Outro lado

A reportagem procurou as defesas dos emedebistas.

Rafael De Piro e Rodrigo Pitanguy, que respondem pela defesa de Picciani, rebateram, por meio de nota, as informações de Freixo sobre a suposta linha de investigação.

“Marcelo Freixo age de forma irresponsável, sem nenhum limite ético na sua ambição política. Na sua ânsia incontrolada de se promover sobre uma tragédia que abalou o país, atua de maneira abusiva”, disse a defesa.

“Sem nenhum indício, acusa a esmo e de má-fé qualquer opositor político seu no afã de se manter na mídia. É o verdadeiro anjo com tridente. Ele se especializou em atirar contra tudo e todos. Suas balas perdidas atingem quem não deve”, prossegue o comunicado, que afirma também que Picciani apoiou a CPI das Milícias e nega o elo com a indicação de Albertassi ao TCE.

“Não é verdadeiro me vincular à indicação do deputado Albertassi a uma vaga do TCE. Não falei com nenhum técnico do TCE que era candidato e também não buscava fórum no STJ, pois eu não sabia da investigação que ocorria e que estava sob sigilo --mas, ao que parece, a julgar pelo que diz, Freixo sabia do que deveria ser sigiloso”, afirma o texto.

Os advogados informaram também que vão tomar “medidas judiciais cabíveis” contra Freixo.

A defesa de Albertassi também sugere, por meio de nota, que deve ir à Justiça contra a declaração de Freixo.

"A acusação de Marcelo Freixo é mentirosa e faz parte de seu método tradicional de fazer política para aparecer na mídia. A própria cronologia dos fatos envolvendo a indicação do deputado Albertassi a uma vaga do TCE esclarece o assunto. Em momento algum, o TJ [Tribunal de Justiça] concedeu liminar para suspender a votação da indicação pela Alerj. Foi a presidência da Alerj que suspendeu a sessão enquanto respondia a pedido de informações da desembargadora na ação da Associação de Auditores sem relação com a ação movida pelo PSOL. A distorção de fatos é intolerável. Freixo agiu criminosamente e terá de responder por estes atos na Justiça”, afirma o comunicado.

A defesa do deputado Paulo Melo afirmou, também por meio de nota, que "as acusações neste momento só interessam aos setores que desejam desviar o foco das investigações, diante de um crime bárbaro, esconder os verdadeiros mandantes do crime e aos oportunistas políticos, que tentam através de calúnias ganhar projeção, votos e espaço na mídia. Na verdade, os verdadeiros assassinos e difamadores parecem estar de mãos dadas fabricando mentiras".

Recorde de mortes violentas

Nesta quinta (9), o 12º Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostrou que, em média, 175 pessoas morreram a cada dia, em 2017, no Brasil, em decorrência de mortes violentas intencionais. Ao todo, isso representa um total de 63.880 mortes, o maior número desde 2013, quando teve início a série histórica realizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

O dado representa um aumento de 2,9% em relação a 2016 e foi compilado pela entidade a partir de registros das polícias e outras instituições ligadas à segurança pública pelo país. A partir dos números, é possível calcular que, para cada 100 mil brasileiros, 30,8 foram mortos em 2017.

Jungmann afirmou que os números são consequência de “décadas de deterioração”. Ele disse que o governo federal está tomando medidas para diminuir a violência no país, como a implementação até o final do mês do Susp (Sistema Unificado de Segurança Pública), além do programa de ressocialização para presos e egressos, da criação de uma escola nacional de segurança pública e de um centro de pesquisas e estatísticas em conjunto com a ONU (Organização das Nações Unidas).

“Estamos dando resposta a tudo aquilo que vem sendo levantado pelo anuário enquanto propostas. E, na verdade, nós tínhamos já essa direção, lembrando que o anuário reflete os dados de 2017, ano em que justamente foram criados não só o ministério como o sistema único de segurança”, falou.

Nesta semana, o Ministério da Segurança Pública promoveu audiências públicas visando lançar licitações para comprar 110 mil novos coletes a prova de bala a R$ 220 milhões e 8.000 veículos a R$ 1 bilhão para modernizar a frota policial pelo Brasil.

Segundo Jungmann, a nova frota renovará 23% do quantitativo existente, com foco em carros tipo Sedan e caminhonetes. A expectativa é de que sejam entregues até o final do ano. Vinte estados e oito municípios deverão ser beneficiados por meio do financiamento do BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social).

Os próximos pregões serão de drones, armas, scanners, computadores e motocicletas, informou o ministro nesta sexta-feira.