Estudo investiga por que Parque do Estado, em São Paulo, tem jararacas 'gigantes'
Em uma área de Mata Atlântica aberta à visitação, na zona Sul de São Paulo, é possível encontrar jararacas (Bothrops jararaca) de porte “gigante”. As fêmeas habitantes do Parque Estadual das Fontes do Ipiranga, mais conhecido como Parque do Estado, podem chegar a 1,5 metro de comprimento, sendo que indivíduos de 1,1 metro já são considerados grandes entre essa espécie (na qual fêmeas são maiores que machos).
Em seu trabalho de mestrado no Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Unesp (Universidade Estadual Paulista), o biólogo Lucas Henrique Carvalho Siqueira pesquisou durante dois anos os motivos que levam essa área a ter mais jararacas “gigantes”. Publicado em julho no “Journal of Herpetology”, o trabalho teve bolsa da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e orientação de Otavio Augusto Vuolo Marques, pesquisador do Laboratório de Ecologia e Evolução do Instituto Butantan.
O que explica a presença dessas cobras venenosas maiores, segundo o estudo, é a baixa incidência de predadores de jararacas nesse parque, com cerca de 540 hectares.
“Nas ilhas oceânicas, onde pode ter menos competidores e predadores, determinadas espécies podem ser mais abundantes e apresentam maior porte [serpentes podem crescer por toda a vida]. O Parque do Estado funciona como uma ilha cercada pela cidade, com poucos predadores de jararacas, favorecendo o seu crescimento”, explicou Marques em entrevista por telefone.
Para chegar a essa conclusão, houve uma comparação com as espécies que habitam o Parque Estadual da Cantareira, na zona Norte --o local tem clima e vegetação semelhantes aos do Parque do Estado, porém a área é bem mais extensa (cerca de 7.900 hectares). “Ilhas maiores costumam ter maior riqueza de espécies e, consequentemente, devem ter mais predadores”, continua o pesquisador.
O tamanho médio dessas duas populações de jararacas na cidade de São Paulo é parecido, mas a proporção de fêmeas “gigantes” é maior na zona sul. Foi essa observação que deu origem à pesquisa: geralmente, as jararacas de maior porte recebidas no Butantan tinham como origem o Parque do Estado. Siqueira utilizou em seu trabalho essas serpentes do instituto, vindas das duas áreas já mencionadas, além de dados de outras pesquisas publicadas e também espécies capturadas durante o estudo de campo (quatro indivíduos). No total, seu trabalho considerou 80 amostras.
Jararaca não fica em evidência
Antes de seguirmos com o estudo, é importante saber de quem estamos falando. A Bothrops jararaca é uma serpente venenosa comum em áreas de Mata Atlântica, que se adapta facilmente a regiões alteradas (caso dos parques no meio da cidade).
Segundo os pesquisadores, essa cobra só ataca em última instância. Na maioria dos encontros com humanos, elas fogem --uma informação que deve servir de alívio aos frequentadores. Paulo Lodgero, diretor do núcleo de segurança do Parque Estadual das Fontes do Ipiranga, afirmou que nos últimos anos não houve casos de picada. Além disso, informou que por lá existem “cartazes com informações sobre diversos animais que circulam pelo parque, inclusive as cobras”.
Já a Cantareira registrou dois acidentes com serpentes nos últimos cinco anos, ambos em 2017 e com jararacas. De acordo com a Secretaria do Meio Ambiente, que responde pela área, os dois casos se devem à negligência dos visitantes: “Contrariando as orientações da Unidade de Conservação, o primeiro manipulou a serpente e o segundo tirou o calçado e foi fazer trilha de chinelo”.
O órgão dá as seguintes recomendações ao visitar essas áreas de proteção ambiental: “Permanecer nas trilhas oficiais, usar calçados fechados, caminhar sempre com atenção e evitar contato com qualquer tipo de animal que possa ser encontrado na natureza. Ao avistar uma serpente ou outro animal, não manipular em hipótese alguma, evitar chegar perto e avisar imediatamente um funcionário do parque”.
O veneno da jararaca tem ação local e, segundo o Instituto Butantan, é pequena a possibilidade de morte entre as vítimas que tomarem soro.
“Essa espécie é comum no Brasil: quem invadiu seu espaço fomos nós. As serpentes têm hábitos reservados e noturnos, não gostam de ficar em evidência, então os encontros são extremamente raros”, afirmou Siqueira, que fez o trabalho de campo nos dois parques durante um ano. Sempre de dia, o que ele considera um dificultador para a captura dos animais --depois de medidos, pesados e identificados com um chip subcutâneo, eles foram devolvidos ao ambiente.
Teste com massinha de modelar
Voltemos então ao estudo. A princípio, cogitou-se a hipótese de que no Parque do Estado haveria mais alimento para as jararacas: ratos silvestres e também ratos urbanos, considerando a proximidade com a cidade. Siqueira criou nos dois parques armadilhas para capturar essas presas e constatou, no entanto, que havia menos alimento no Parque do Estado. Além disso, não foi detectada a presença dos ratos urbanos (que poderiam representar maior consumo de calorias entre as jararacas, explicando seu crescimento).
Partiu-se então para a segunda hipótese, depois confirmada, de que a menor taxa de predação seria a responsável pelo gigantismo. Havia, no entanto, um grande desafio. “Se já é difícil encontrar essa serpente em campo, seria realmente muito fortuito presenciar um evento de predação ao vivo. Quem viu um predador comendo uma serpente teve muita sorte”, explica Siqueira.
Diante da dificuldade, optou-se pela criação de modelos semelhantes à jararaca feitos com massa de modelar --aquelas sem cheiro e atóxicas usadas em brincadeira de criança, mesmo.
Essa simulação permite identificar os ataques de predadores (aves e mamíferos, geralmente águias e gambás), pois as marcas de bicos e patas ficam impressas no material. Em cada parque, os pesquisadores usaram 720 réplicas: 60 por mês, todas da mesma cor, que ficavam expostas em cada localidade por dois dias. “Usávamos um apoio de arame para fixá-las nos lugares e não perdê-las. Colocávamos no chão, na vegetação, e os predadores confundiam as réplicas com os animais verdadeiros”, contou Siqueira.
Cerca de 5% dos modelos foram atacados no Parque do Estado, contra 12% na Cantareira --um valor alto, de acordo com os pesquisadores, considerando trabalhos anteriores feitos com serpentes.
Sobre o resultado do estudo, Marques comemora: “A compreensão de como as populações são estruturadas em um fragmento florestal é sempre de grande importância para a conservação. Esse tipo de informação é um subsídio que pode auxiliar na determinação de áreas mínimas ou mesmo no manejo de fragmentos florestais, a fim de preservar o máximo de sua biota [conjunto de seres vivos de uma região]”.
*Com Agência Fapesp
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.