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Tragédia em Brumadinho

Brumadinho: relatório sísmico afasta chance de tremor ter afetado barragem

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

02/02/2019 12h00

Um relatório do Observatório Sismológico da UnB (Universidade de Brasília) aponta que a região onde fica a barragem do Córrego do Feijão da mineradora Vale, em Brumadinho (MG), não registrou tremor de terra em um período de seis meses anterior ao rompimento capazes de afetar a estrutura e influenciar no acidente. Segundo boletim divulgado pelo Corpo de Bombeiros nesta sexta-feira (1º), ao menos 115 pessoas morreram na tragédia.

O UOL teve acesso ao documento produzido a pedido da Promotoria da Justiça de Minas Gerais que investiga o rompimento. O relatório foi produzido com base nos eventos detectados pela Rede Sismográfica Brasileira. Para isso, foi considerada uma distância de até 100 km do eixo da barragem de rejeitos da Mina do Córrego do Feijão, que se rompeu no dia 25.

O documento aponta que 754 tremores de "causas artificiais" --que se referem a explosões para extração mineral na região-- foram percebidos em um período de seis meses anterior ao acidente. Desses casos registrados, 84% tiveram magnitude entre 2 e 2,6 graus na escala Ritcher. Entretanto, pela baixa intensidade, eles só poderiam ser capazes de causar danos à barragem caso ela apresentasse problemas estruturais como rachaduras ou fissuras.

Ainda segundo o estudo, um tremor foi registrado quase no mesmo horário do rompimento da barragem de Brumadinho. Tratou-se de uma detonação realizada a 90 km, mas que "não é capaz de causar qualquer efeito na estrutura da barragem". 

Já em relação a tremores naturais, o estudo identificou apenas um registro nos últimos seis meses, de magnitude de 1,6, ocorrido na cidade de Betim (MG) no dia 6 de agosto. O documento assegura que o tremor não era capaz de danificar a barragem e não pode ser associado ao incidente.

Dano improvável

O responsável pelo estudo e coordenador do Observatório de Sismologia da UnB, George Sand França, disse ao UOL que a possibilidade de pequenos sismos causados por explosões gerarem danos é pequena e só pode ser levada em conta caso a barragem tenha tido algum problema estrutural anterior --o que não foi informado pela Vale sobre a barragem 1 de Brumadinho.

"A possibilidade de isso acontecer é muito remota. Não digo impossível, porque não é, mas são explosões normalmente superficiais para desmonte", afirma. "Geralmente, a energia das detonações é muito pequena --isso, claro, quando está tudo nos padrões normais."

A região do quadrilátero ferrífero é conhecida por ter uma série de minas, que precisam constantemente realizar detonações para a extração de produtos. Essas explosões devem ser monitoradas pelas empresas e órgãos de fiscalização para garantir a segurança das estruturas que sentem o impacto --em especial as barragens.

"Toda mina de ferro tem que explodir rocha. A hipótese de ela ter contribuído foi aventada porque a atividade sísmica pode colocar em risco a estrutura. Mas por tudo posto nesse relatório, vemos que a intensidade dos sismos é muito baixa e não deve ter impactado", afirma Paulo Afonso Luz, professor de engenharia de geotécnica da Universidade Mackenzie e da Fundação Armando Álvares Penteado.

Segundo o meteorologista com atuação na área de Geociências e professor aposentado da Universidade Federal de Alagoas, Luiz Carlo Molion, o provável problema na barragem foi a forma como a estrutura foi sendo expandida, num método chamado de alteamento. 

"Essa técnica é obsoleta. A barragem não aguentou o peso do rejeito. Essas explosões para dinamitar rochas não causam grande impacto em termos de física para movimentar o solo. Precisaria de forças muito maiores para isso", pontua.

Fator coadjuvante

O UOL também mostrou o documento ao geólogo Paulo Rustowisch, do Fonasc-CBH (Fórum Nacional da Sociedade Civil nos Comitês de Bacias Hidrográficas). Para ele, o número de eventos artificiais registrados é alto e chama a atenção. 

"Com certeza esses eventos podem comprometer [a estrutura das barragens].? A origem dos tremores não é relevante. As vibrações é que contam", afirma.

Ele explica que existem estudos que apontam que pequenos sismos contribuíram para o desgaste de barragens que romperam em Minas Gerais, como foi o caso da do Fundão, em Mariana (MG), em 2015; e de Herculano, em Itabirito (MG), em 2014.

"No quadrilátero ferrífero é muito comum esse tipo de sismos, e eles atuam como importantes fatores coadjuvantes para o rompimento das barragens. Estamos já reportando o caso [de Brumadinho] para uma consultoria especializada para mais análises", diz.

Automonitoramento foi alvo de debate

A questão do monitoramento das atividades sísmicas na mina do Córrego do Feijão foi alvo de debate no Conselho de Meio Ambiente de Minas Gerais em 2017. À época, a Vale solicitou autorização para "substituição da rede de monitoramento atual por rede de monitoramento automatizado sismográfico." 

Um parecer obtido pela reportagem, datado de 9 de outubro de 2017, sugeriu a aprovação do pedido da Vale, mesmo sob críticas. Em parecer contrário, do dia 9 de novembro do mesmo ano, o Fonasc-CBH disse ser "inaceitável" acatar o pedido da Vale.

"O FONASC-CBH entende o automonitoramento pelas empresas de mineração como inaceitável, visto que já se demonstrou inadequado e insuficiente, sem falar de inúmeras situações onde não foi devidamente realizado e, assim, foi causa de impactos ao meio ambiente e à população, sendo o rompimento da barragem do Fundão o exemplo de maior magnitude", afirmou à época.

A reportagem entrou em contato, nesta quinta (31) e sexta-feira (1º), com a assessoria de imprensa da Vale questionando sobre as atividades de monitoramento e as detonações na área. Não houve retorno até a publicação desta matéria.

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