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Justiça determina que secretário do Acre pego em grampos seja investigado

Secretário afastado da Polícia Civil do Acre, Rêmulo Diniz - Arquivo Pessoal
Secretário afastado da Polícia Civil do Acre, Rêmulo Diniz Imagem: Arquivo Pessoal

Luís Adorno

Do UOL, em São Paulo

02/02/2019 10h06Atualizada em 02/02/2019 10h06

A Justiça do Acre determinou nesta sexta-feira (1º) que o delegado Rêmulo Diniz, secretário da Polícia Civil do estado, afastado depois de o UOL revelar uma série de crimes supostamente praticados por ele no ano passado, dentre eles, a ligação com um policial acusado de ser integrante do CV (Comando Vermelho), seja investigado pela Corregedoria e MP (Ministério Público). 

O nome de Diniz apareceu em uma investigação da Promotoria e da Polícia Civil, iniciada em maio de 2018, que visava desarticular ações criminosas praticadas pelo CV no Acre. Interceptações telefônicas apontaram para supostos crimes de falsidade ideológica em boletins de ocorrência, prevaricação, violação de sigilo profissional, formação de quadrilha, abuso de autoridade e fraude processual.

Com os indícios apontados na investigação obtida pela reportagem, de 887 páginas, a Polícia Civil pediu que a Corregedoria e o MP investigassem as condutas do delegado. O que não havia ocorrido até a decisão judicial desta sexta-feira, assinada pelo juiz Raimundo Nonato da Costa Maia. O secretário afastado afirma ser inocente, que houve uma orquestração para derrubá-lo do cargo e que nunca foi intimado a depor. 

"Em relação ao pleito referente à conduta do delegado de Polícia Civil Rêmulo Diniz, em que pese a autoridade policial que presidiu o respectivo inquérito não tenha se manifestado no sentido do indiciamento do delegado relacionado a prática de crimes, entendemos que, neste momento processual, dada a conclusão das investigações, deve ser autorizado o compartilhamento de provas para apuração dos fatos que entenderem pertinentes", escreveu o magistrado. 

Delegados Rêmulo Diniz e Getúlio Monteiro de Castro Teixeira, do Acre - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Delegados Rêmulo Diniz e Getúlio Monteiro de Castro Teixeira, da Polícia Civil do Acre
Imagem: Arquivo pessoal

Horas depois de o UOL revelar o caso, o governo do Acre decidiu afastar o delegado do cargo de secretário. Em seu lugar, foi posto de maneira interina o também delegado Getúlio Monteiro de Castro Teixeira, amigo de Diniz, que deve ficar na posição "até que as investigações que transcorrem no âmbito da Justiça estadual sejam devidamente esclarecidas". 

Diniz havia sido indicado ao cargo pelo vice-governador do estado, Major Rocha (PSDB). À reportagem, o tucano havia afirmado que, caso as informações se comprovem verdadeiras, "medidas graves" seriam tomadas. Rocha também criticou o vazamento das informações e que iria pedir a instauração de inquérito pelo que chamou de "crime".

No Acre, a Polícia Civil é administrada por secretaria própria, não estando abaixo da Secretaria de Segurança Pública, como costuma ocorrer na maioria dos estados brasileiros. A rigidez na segurança foi uma das principais bandeiras para Gladson Cameli (PP) durante a eleição para governador do estado.

Os supostos crimes do delegado 

Josemar Barbosa de Farias, do Bope do AC, preso sob acusação de integrar CV - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Josemar Barbosa de Farias, do Bope do Acre, preso sob acusação de integrar o Comando Vermelho
Imagem: Arquivo Pessoal

A Polícia Civil localizou uma série de conversas de Rêmulo Diniz com o tenente da PM (Polícia Militar) Josemar Barbosa de Farias, considerado até o fim do ano passado como o número dois na linha hierárquica do Bope (Batalhão de Operações Especiais), a tropa de elite da corporação acriana.

MP e polícia transcreveram na investigação que mensagens trocadas entre delegados sobre operações que seriam realizadas contra o crime organizado eram passadas por Diniz a Farias, o que, inclusive, colocava em risco a segurança dos policiais que estavam nas ruas.

Farias foi preso em 27 de dezembro, sob acusação do MP de não só ajudar o CV, mas de integrar a facção criminosa. De acordo com a investigação, o tenente seria uma ponte de informações privilegiadas passadas pelo delegado Diniz ao crime organizado. "As comunicações telefônicas interceptadas evidenciam que o representado [tenente Frias] teria estreitos laços com pessoas ocupantes de posições de liderança do CV", aponta trecho da investigação obtida pela reportagem.

O tenente teria ligação estreita com Agilberto Soares de Lima, conhecido como Juquitaia. Acusado de ter cargo de liderança no CV, Juquitaia tinha como principais objetivos no Acre expandir o grupo do Rio de Janeiro no controle do tráfico de drogas em todo o estado e marcar presença na região da fronteira com Bolívia e Peru.

De acordo com a investigação, Farias cumpriria ordens repassadas por Juquitaia para que integrantes do CV não fossem presos, nem mortos pela polícia, além de agir como uma milícia, fazendo a segurança de áreas dominadas pela facção fluminense, em meio à guerra pelo território contra facções rivais. 

A investigação apontou que, além de facilitar a ação de membros do CV no Acre, o delegado Rêmulo Diniz agia com a finalidade de "arredondar" ocorrências de crimes militares com invasões de casas, lesões corporais e assassinatos de suspeitos, para que nenhuma das ações feitas por policiais de maneira irregular fossem devidamente apuradas, como teria ocorrido em um ocorrência em que um PM fora de serviço teria assassinado um suspeito.

O delegado e o tenente teriam afirmado que a história da morte precisaria sofrer ajustes, para poder ficar caracterizada uma legítima defesa. Diniz se colocou à disposição para ajudar os militares, afirmando que tentaria influenciar o delegado plantonista, e, se não conseguisse, levaria o caso para sua delegacia, onde iria "segurar o BO".

Depois de o tenente Farias afirmar como foi a cena do crime, com a morte do suspeito, o delegado afirmou: "Fez correto". O boletim de ocorrência apresentado apontou versão do PM dizendo que entrou em luta corporal com o suspeito, que teria tentado efetuar disparos contra o policial diversas vezes, e, por isso, o policial teve de efetuar disparos. Versão oposta ao que de fato teria acontecido.

Em outra ocorrência do ano passado, PMs teriam detido um suspeito com pequena quantidade de droga na rua, mas obrigaram o suspeito a levá-los até sua casa, sob suspeita de que encontrariam mais entorpecentes. Na casa do suspeito, encontraram mais vinte trouxinhas de droga. 

Em interceptação telefônica, Diniz reclamou com Farias que não foi registrado um boletim de ocorrência "bem feito", alterando a versão original para poder justificar a entrada na casa sem mandado judicial, forjando uma autorização de entrada em residência, para forçar um flagrante. 

O próprio delegado afirmou, segundo a investigação, que conseguiu que o preso assinasse uma autorização horas depois, já na delegacia, forjando a legalidade da ação dos PMs.

Outro lado

Após a reportagem revelar o que tramita na Justiça do Acre, o delegado emitiu uma nota reafirmando ser inocente, que a divulgação das informações ocorreu "de forma criminosa" e que os fatos, além de provocarem instabilidade da segurança pública estadual, "trouxeram consequências pessoais irreparáveis". 

O secretário afastado alegou que seu nome foi incluso à investigação em 17 de dezembro de 2018, após seu nome já ter sido mencionado como secretário da Polícia Civil a partir de 2019.  "É importante ponderar que o oficial da Polícia Militar mantinha contato por telefone com diversos membros das instituições que integram o sistema de Segurança Pública e o teor dos diálogos que manteve foram apenas consultivos e de orientação", afirmou, em nota.

"Vincularam o meu nome a uma organização criminosa, com ampla divulgação na imprensa, no intuito de me tirarem do cargo de secretário da honrosa instituição Polícia Civil para obterem a possibilidade de ocupar essa importante cadeira na gestão da Segurança Pública do nosso estado", complementou.