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Natal vira rota do tráfico, e apreensão de cocaína sobe 152 vezes em 2 anos

Polícia Federal apreende 2 toneladas de cocaína embaladas em caixas junto com melões - Polícia Federal/Divulgação
Polícia Federal apreende 2 toneladas de cocaína embaladas em caixas junto com melões
Imagem: Polícia Federal/Divulgação

Vinicius Konchinski

Colaboração para o UOL, em Curitiba

09/05/2019 04h00

Resumo da notícia

  • Porto no Rio Grande do Norte não era considerado rota do tráfico no Brasil
  • Sem escâner de contêineres, inspeções de carga têm de ser feitas a olho nu
  • Apreensão na Europa fez autoridades brasileiras investigarem embarque de drogas

Era outubro de 2017 quando a polícia espanhola apreendeu, na Espanha, 290 quilos de cocaína camuflada em meio a uma carga de frutas exportada do Brasil para a Europa via porto de Natal (RN). A quantidade surpreendeu investigadores brasileiros.

O Rio Grande do Norte até então era um local no qual o tráfico internacional de drogas não era considerado um problema. Durante todo aquele 2017, apenas 22 quilos de cocaína foram apreendidos no estado. Em São Paulo, líder em apreensões, foram recolhidos mais de 16 toneladas da droga no mesmo período.

Com a apreensão na Espanha, contudo, uma investigação acabou sendo aberta no Brasil. Um ano e meio depois, Receita Federal e PF estão convictos de que descobriram uma nova rota de comércio ilegal de drogas para o exterior. Por meio dela, pelo menos mais de 10 toneladas de cocaína foram transportadas do porto de Natal principalmente para Holanda.

Com o esquema no radar de autoridades, a quantidade de cocaína apreendida no Rio Grande do Norte aumentou 15.223% em dois anos. Até o final de março deste ano, 3,4 toneladas da droga já haviam sido apreendidos no estado. Isso é 152 vezes mais do que o recolhido em todo o ano de 2017 e quase o dobro do total apreendido nos 12 meses de 2018.

"É um grande esquema de tráfico de drogas", afirma Edvandir Felix de Paiva, delegado da PF e presidente da ADPF (Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal). "O porto de Natal foi usado como base para o envio de uma grande quantidade de droga para diferentes países da Europa."

Três toneladas de cocaína são apreendidas no Porto de Natal

Band Notí­cias

Investigações sobre o esquema ainda estão em curso na PF e MPF (Ministério Público Federal). Ninguém foi preso até agora. Os órgãos não quiseram se manifestar sobre o caso pois ele está sob sigilo.

  • Apreensões de cocaína no RN
  • 2017 - 22,24 kg
  • 2018 - 1.727 kg
  • 2019 (até fim de março) - 3.408 kg
  • Aumento de 15.223% desde 2017
  • Fonte: Polícia Federal

  • Apreensões de cocaína no Brasil
  • 2017 - 48.047 kg
  • 2018 - 79.173 kg
  • 2019 (até fim de março) - 22.233 kg
  • Fonte: Polícia Federal

Falta de escâner e localização privilegiada

De acordo com a Receita Federal e segundo as investigações da PF, a localização do porto de Natal fez com que traficantes escolhessem o local para o transporte da droga. A capital do Rio Grande do Norte fica no extremo leste do Brasil. É, portanto, um das cidades mais próximas à Europa, via oceano Atlântico.

A Sesed-RN (Secretaria de Estado da Segurança Pública e da Defesa Social do Rio Grande do Norte) informou que investigações apontam que a droga exportada via Natal vem de países vizinhos, como a Bolívia, e entra no Brasil via Acre ou Rondônia.

No porto potiguar, os criminosos ainda aproveitaram-se da falta de estrutura para fiscalização das cargas. De pequeno porte, o terminal marítimo não conta com escâner de contêineres. Sem ele, ficou mais difícil para autoridades descobrirem que pacotes de droga estavam sendo frequentemente misturados a caixas de frutas exportadas para a Europa.

Segundo a Receita Federal, o escâner, que custa cerca de R$ 6 milhões, poderia detectar a droga como os equipamentos instalados em aeroportos identificam itens proibidos em bagagens de passageiros. Na falta dele, a fiscalização é feita de forma visual. Ou seja, é difícil encontrar cargas de droga postas estrategicamente no "miolo" de um contêiner.

As apreensões de cocaína feitas no porto de Natal neste ano ocorreram nos dias 12 e 13 de fevereiro. Primeiro, foram 1,2 tonelada da droga escondida em caixas de manga. Menos de 24 horas depois, foram apreendidas outras 2 toneladas da droga, embaladas em caixas junto com melões.

  • Apreensões de cocaína na rota Natal-Europa
  • Outubro/2017 - 290 kg, na Espanha
  • Outubro/2018 - 2,4 toneladas, na Holanda
  • Novembro/2018 - 1,4 tonelada, num depósito em Natal
  • Janeiro/2019 - 408 kg, na Holanda
  • Fevereiro/2019 - 1,3 toneladas, na Holanda
  • Fevereiro/2019 - 1,85 toneladas, na Holanda
  • Fevereiro/2019 - 2 toneladas, na Holanda
  • Fevereiro/2019 - 1,2 toneladas, no Porto de Natal
  • Fevereiro/2019 - 2 toneladas, no Porto de Natal
  • Fevereiro/2019 - 2,4 toneladas, na Holanda
  • Total - 15,2 toneladas
  • Fonte: Receita Federal

Fiscalização encontra container com carga de melão misturada com 2 toneladas de cocaína em porto de Natal - Polícia Federal/Divulgação - Polícia Federal/Divulgação
Fiscalização encontra container com carga de melão misturada com 2 toneladas de cocaína em porto de Natal
Imagem: Polícia Federal/Divulgação
Exportações suspensas

Por conta da descoberta da rota do tráfico de drogas, as exportações para a Europa via porto de Natal chegaram a ser suspensas no final de fevereiro. A suspensão foi uma decisão da CMA CGM, empresa francesa que explora a rota marítima de exportação de frutas do Brasil para a Europa. Na época, a empresa disse que a decisão havia sido tomada por conta "da situação precária do porto de Natal" e do risco de contaminação de cargas.

Uma comissão composta por vários órgãos do governo foi, então, montada para discutir medidas para aumentar a segurança do porto. No início de abril, as exportações de frutas para a Europa foram retomadas pela CMA CGM.

"Um plano de ação, está sendo executado com vários itens de segurança", informa a Codern (Companhia Docas do Rio Grande do Norte), que administra o terminal.

Ainda não há um escâner em funcionamento no porto de Natal.

Questionada sobre as medidas para o combate ao tráfico no Estado, a Seded-RN informou em nota que está trabalhando num convênio de cooperação com a cooperação com a PF contra o crime organizado.