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Medo de demissões e fragilização de sindicatos prejudicam adesão à greve

Bernardo Barbosa

Do UOL, em São Paulo

14/06/2019 20h30Atualizada em 17/06/2019 08h43

O risco de demissão em um momento de alto desemprego, as dificuldades de arrecadação após o fim do imposto sindical e um menor repúdio à reforma da Previdência prejudicaram a mobilização de trabalhadores para a greve de hoje, segundo sindicalistas e professores ouvidos pelo UOL.

O patamar de adesão à greve foi irregular nas capitais brasileiras. Em Belo Horizonte, o metrô parou por completo, assim como o serviço de ônibus em Brasília e Salvador. Mas, em São Paulo, o metrô teve paralisação apenas parcial e os trens funcionaram normalmente. No Rio, nenhum transporte público foi afetado. Os atos de rua convocados para o fim do dia atraíram menos gente, visualmente, do que os protestos contra os cortes na educação, em maio.

"A oposição não tem conseguido se organizar como fazia nos anos 90, por exemplo", diz o cientista político Sérgio Praça, professor da FGV (Fundação Getulio Vargas). "O enfraquecimento dos sindicatos é um fator importante. Os sindicatos estão sem dinheiro para nada, mal conseguem cobrir os custos administrativos."

Segundo Praça, enquanto os protestos contra o contingenciamento na educação mobilizaram diferentes categorias, a greve de hoje teve como alvo a reforma da Previdência, medida que "muita gente já está ciente de que vai acontecer e é necessária".

"A gente já fala de reforma da Previdência há tanto tempo, desde o governo Temer, que as pessoas já se acostumaram com a ideia. É mais uma questão de negociar para tentar ser menos afetado", diz.

Para o diretor técnico do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Econômicos) Clemente Ganz Lúcio, a mobilização de hoje foi "forte", mas é difícil enfrentar a agenda de um governo que está em seu início.

"O governo foi autorizado pela sociedade, de alguma forma, a protagonizar uma agenda", diz. "É bom que se saiba que parte dessa base [de trabalhadores] votou no presidente."

Ainda segundo Lúcio, o desemprego coloca "na defensiva" muitas pessoas que poderiam ter aderido ao movimento. Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), no primeiro trimestre, o desemprego atingiu 13,4 milhões de pessoas.

"O medo do desemprego é uma coisa muito objetiva, ainda mais quando os trabalhadores observam que o problema do desemprego está longe de ser solucionado. Isso traz um reflexo para a mobilização."

O diretor do Dieese também diz que, se os sindicatos tivessem mais recursos no momento, talvez houvesse capacidade maior para investir na mobilização, mas pondera que isto não inviabiliza e "não é determinante" para prejudicar os protestos.

Decisão "estratégica"

Na região metropolitana de São Paulo, a maior do país, uma categoria cuja paralisação afetaria milhares de pessoas --a dos ferroviários-- decidiu se posicionar contra a reforma, mas optou por não desafiar a liminar (decisão temporária) que impunha multa diária de R$ 1 milhão aos sindicatos caso desobedecida.

Segundo Evangelos Loucas, dirigente do Sindicato Sorocabana, que representa os ferroviários das linhas 8-Diamante e 9-Esmeralda, o fato de a Justiça ter classificado a greve como "abusiva" levou à "decisão estratégica" de não parar.

"Isso de imediato dá um aval para que a empresa tome medidas em relação a demissões, retaliações", diz. "Você descumpre uma decisão e coloca em risco o emprego do trabalhador."

No caso do Metrô, cujos funcionários optaram por manter a greve, o governador paulista, João Doria (PSDB), disse hoje que pode haver demissões dos que cruzaram os braços e desrespeitaram a ordem judicial para manter 80% dos serviços funcionando.

Lucas também lembra que a multa, apesar de passível de discussão na Justiça, seria "especialmente difícil" de absorver no atual momento dos sindicatos, depois do fim da obrigatoriedade do imposto sindical. "A arrecadação diminuiu. Os sindicatos estão se ajustando", diz.

O presidente do Sindicato dos Ferroviários de São Paulo, Eluiz Alves de Matos, que representa os funcionários das linhas 7-Rubi e 10-Turquesa da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos), dá outra justificativa. Segundo ele, a categoria não parou por causa da multa, mas porque "entendeu que não estava mobilizada para fazer a paralisação".

Já o Sindicato dos Ferroviários da Central do Brasil, que atua nas linhas 11-Coral e 12-Safira, afirma que decidiu recuar da paralisação depois que os outros sindicatos da classe não aderiram à greve.

"Infelizmente, para a luta pelo direito de se aposentar com dignidade, poucos foram os batalhadores que realmente demonstraram preocupação com o futuro sombrio que se aproxima", diz nota do sindicato.

Centrais comemoram mobilização

Apesar da adesão irregular à greve pelo país, centrais sindicais comemoraram a mobilização de hoje. "Esta greve geral está sendo exitosa, apesar das práticas antissindicais de patrões e tribunais, mesmo com a repressão policial em vários estados. Foi maior do que a greve construída em 2017 contra a reforma de Michel Temer", afirmou o presidente da CUT (Central Única dos Trabalhadores), Vagner Freitas.

Em nota, o presidente da Força Sindical, Miguel Torres, disse que a direção da central "considera que os atos, paralisações e greves, organizados pelas entidades sindicais e movimentos sociais, ocorridos em milhares de cidades do País, atingiram o objetivo de alertar a sociedade e o Congresso Nacional sobre a nefasta proposta do governo de reforma da Previdência".

Na oposição ao presidente Jair Bolsonaro (PSL), a greve também foi incensada. "Com as paralisações de hoje, principalmente nos grandes centros, os movimentos sindicais, sociais e populares demonstraram de forma cabal - diferentemente do que diz o governo - que os trabalhadores e trabalhadoras não aprovam a chamada 'Nova Previdência', um conjunto de medidas que destroem direitos históricos e desmontam a Previdência pública", diz nota da bancada do PT na Câmara.

Segundo a líder do governo no Congresso, deputada federal Joice Hasselmann (PSL-SP), a greve foi um "fiasco".

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