BH terá Museu do Sexo das Putas para abrigar memória de sua zona boêmia
Carlos Eduardo Cherem
Colaboração para o UOL, em Belo Horizonte
14/07/2019 04h00
Um casarão da década de 1920 abandonado há mais de 30 anos na região central de Belo Horizonte, onde está instalada a principal zona de prostituição da capital mineira, vai abrigar o Museu do Sexo das Putas, que tem a intenção de contar a história do local e da prostituição na cidade.
No mês passado, a Associação das Prostitutas de Minas Gerais, que reúne 3.500 garotas de programa de 27 hotéis do entorno da rua Guaicurus, instalou uma placa anunciando a reforma do casarão histórico, para implantação do museu. Na quarta-feira, a Associação das Prostitutas abriu um "livro de ouro" para receber as doações necessárias ao projeto: R$ 1,6 milhão.
"Tenho certeza que até os moradores de rua e os catadores de recicláveis da região darão pelo menos R$ 0,01 para a reforma do casarão. Vamos fazer uma propaganda intensa nos hotéis e nos bares. A clientela vai ajudar, tenho certeza", afirma a presidente da Associação das Prostitutas, Maria Aparecida Vieira, 51, a Cida. A conta institucional para receber as doações foi aberta na Caixa Econômica Federal.
No casarão tombado, uma das primeiras casas de prostituição da Guaicurus, funcionou a casa de massagens de Florinda, "nome de guerra" da mulher que habitou e trabalhou no local até a década de 1980. O imóvel ficou abandonado após a sua morte, sendo depois tombado pelo município.
A uma distância que varia entre uma e quatro quadras, a região da rua Guaicurus abrange a rodoviária de Belo Horizonte; a principal estação dos BRTs da região metropolitana, que liga a capital a diversos municípios da região; a principal estação de ônibus municipais; a principal estação do metrô, na praça da Estação, e a principal via da cidade, a avenida Afonso Pena.
Não há estimativas precisas do público que passa pela região. Apinhada de bares e restaurantes, lojas e shoppings populares, transitam diariamente pela rua, de acordo com a prefeitura, centenas de milhares de pessoas. Os hotéis da Guaicurus funcionam das 7h às 23h, todos os dias, inclusive feriados, sábados e domingos.
Museu fazer parte de plano de reabilitação do centro
A Fundação Municipal de Cultura de Belo Horizonte aprovou o projeto de reforma e intervenção no imóvel. Com isso, a Prefeitura de Belo Horizonte incluiu o projeto no Plano de Reabilitação do Hipercentro, iniciativa que pretende revitalizar a região central de Belo Horizonte "por meio do estímulo do uso residencial de prédios vazios e da atração de novos investimentos, além de inclusão social e melhoria da segurança".
De acordo com a Fundação Municipal de Cultura, que destacou o fato de que o investimento de R$ 1,6 milhão será totalmente bancado pela iniciativa privada, a cessão do imóvel que pertence ao município, para instalação do Museu do Sexo das Putas, será feita por meio de um contrato de comodato.
Um museu para desmistificar a prostituição
O Museu do Sexo das Putas começou a ser desenvolvido há três anos pela associação com o objetivo de "desmistificar a prostituição e contar a história da região" do baixo centro de Belo Horizonte. No local também está prevista a construção de uma biblioteca pública, que ficará aberta 24 horas por dia, e atenderá ao público vulnerável, que frequenta a Guaicurus, sobretudo moradores de rua e catadores de materiais recicláveis.
"O Museu do Sexo das Putas não é só o registro histórico da Guaicurus. É também uma forma de falar sobre a necessidade de dar direitos e políticas públicas às profissionais do sexo e também sobre a questão da violência contra as mulheres", afirma Cida Vieira.
"É um direito delas serem vistas como mulheres trabalhadoras. É importante dizer: respeite o trabalho sexual das mulheres. É um trabalho digno como outro qualquer. É com esta renda que elas sustentam a casa, os filhos e a família", diz Cida.
Hilda Furacão terá sala especial no museu
Hilda Maia Valentim (1930-2014), a mais célebre prostituta da Guaicurus, terá uma sala especial no Museu do Sexo das Putas. Ela ficou conhecida na região por sua beleza, ainda na década de 1940, quando morou e trabalhou no Hotel Maravilhoso. Ainda adolescente, foi apelidada de Hilda Furacão por causa do temperamento difícil.
O escritor Roberto Drummond (1933-2002) narrou a juventude da prostituta em Belo Horizonte no romance Hilda Furacão. A história virou uma minissérie da Rede Globo em 1998 com roteiro da novelista Glória Perez e direção de Wolf Maya, com a atriz Ana Paula Arósio no papel principal.
"Com o Museu do Sexo das Putas, as pessoas vão poder enxergar de outra forma as mulheres que vivem e trabalham diariamente como profissionais do sexo. Todas elas têm uma história própria para contar", afirma Cida Vieira.