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Dias de angústia: a luta dos pais para saber como o filho morreu na USP

Filipe Leme, estudante da USP encontrado morto na Poli - Instagram
Filipe Leme, estudante da USP encontrado morto na Poli Imagem: Instagram

Wanderley Preite Sobrinho

Do UOL, em São Paulo

24/07/2019 04h00

Era 18h30 de terça-feira, 30 de abril, quando a dona de casa Ester Varea Leme atendeu com surpresa uma ligação da USP (Universidade de São Paulo). Sem entrar em detalhes, o interlocutor pediu a ela que corresse para o 93º DP (Departamento de Polícia) porque havia acontecido um acidente com seu filho, o estudante de geografia Filipe Varea Leme, 21. Poucos minutos depois, ela receberia a notícia de que o filho havia morrido naquela mesma tarde em um elevador da universidade em circunstâncias que só seriam esclarecidas um mês depois.

Ester ligou para o marido, o empresário do ramo de cervejas artesanais Fábio de Moraes Leme, e, na companhia de um vizinho, correram para a delegacia. Chegando lá, foram comunicados formalmente sobre o óbito de Filipe, filho único do casal. Assim que recebeu a notícia, o pai tentou ir à USP, mas foi impedido. Os policiais explicaram que ele não poderia se dirigir à universidade porque a perícia técnica estava trabalhando para entender como o acidente havia acontecido.

As horas que se seguiram foram de tristeza e sensação de descaso. Ester passou mal e foi levada para o hospital universitário. Fábio pedia detalhes sobre o ocorrido, mas ninguém lhe explicava claramente o que havia acontecido, segundo ele relatou à polícia.

Exaustos, os pais só conseguiram ver o corpo do filho no dia seguinte, já no IML (Instituto Médico Legal). As dúvidas sobre o dia anterior continuaram sem respostas.

Os pais, então, pediram para assistir à reunião de uma sindicância interna da Poli marcada para apurar o acidente. O pedido não foi aceito, sob o argumento de que a presença deles causaria "comoção nas testemunhas". A audiência foi cancelada dias depois. Seu presidente, o professor de direito criminal da Faculdade de Direito da USP Luciano Anderson, renunciou ao cargo "por motivos pessoais", e a Poli dissolveu o grupo definitivamente.

Socorro demorou 40 minutos

A angústia do casal durou mais de um mês, quando as circunstâncias do fato finalmente foram esclarecidas pelo laudo do IC (Instituto de Criminalística), que analisou as causas externas do acidente. De acordo com o documento, concluído em 30 de maio, Filipe teve o pescoço "esmagado" por um armário quando tentava carregá-lo em um elevador utilizando um carrinho para transporte de carga.

Filipe apoiou o carrinho contra o corpo e entrou no elevador de costas. Sem espaço, precisou apoiar a parte de cima do armário, que estava inclinado, com o próprio pescoço. O carrinho entrou completamente no elevador, mas dois parafusos na parte inferior do armário ficaram do lado de fora. Quando começou a descida, os parafusos enroscaram no piso e o armário subiu, esmagando o pescoço de Filipe.

Ao ter acesso às informações que explicavam parte do acidente, o pai ficou estarrecido. Ele soube dias depois que o socorro ao filho só foi prestado depois de 40 minutos a contar do instante em que o elevador travou.

O Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) encontrou o corpo de Filipe ainda em pé, pressionado pelo armário de madeira. Os médicos não chegaram a levar o estudante para o hospital, mas caberá ao laudo do IML (Instituto Médico Legal) informar se Filipe de fato morreu na hora.

Desde então, o casal está inconformado com o que acredita ter sido negligência da Escola Politécnica da USP.

Plano de Trabalho do Monitor descreve funções de Filipe Leme - Reprodução - Reprodução
Plano de Trabalho do Monitor descreve funções de Filipe Leme
Imagem: Reprodução
Em depoimento à Polícia Civil no dia 11 de julho, o pai do garoto levou consigo o Plano de Trabalho de Aluno Monitor. Nele havia as atribuições de Filipe no laboratório de informática. Seu trabalho consistia em "atendimento help-desk, atendimento telefônico, suporte técnico às secretarias da administração".

Fábio citou nominalmente a supervisora responsável por pedir a Filipe e ao colega Edgar que realizassem o transporte do armário. Disse, no entanto, que não conseguiu até hoje indagá-la a respeito do fato. Ele também nomeou o responsável pelo trabalho da supervisora, o diretor do serviço técnico de informática da Poli.

Ele se disse convencido de que a morte do filho poderia ter sido evitada. A escrivã que colheu seu depoimento relata que Leme argumentou que "em primeiro lugar, a ordem dada a seu filho não poderia ter sido determinada, pois, evidentemente, um jovem ou qualquer outra pessoa, por mais forte que seja, não tem condições de carregar um armário cheio de livros sem equipamentos adequados".

Em segundo lugar, a USP tem uma equipe de manutenção que poderia ter sido acionada pela chefe de Filipe, mas não foi
Fabio de Moraes Leme, em depoimento à polícia

Filho único

Ester e Leme namoraram por algum tempo até decidirem se casar, em 1995, quando ele ainda trabalhava como engenheiro mecânico e projetista. Ester ficou grávida algum tempo depois. Em 1997, nascida Filipe. O desempenho acadêmico do filho sempre foi o orgulho dos pais, evangélicos.

Ele estudou no colégio Novo Ideal antes de ingressar no Objetivo, onde conseguiu uma bolsa de estudos graças a seu bom desempenho. "Passou direto na USP aos 17 anos", gostavam de lembrar os pais. Filipe já havia confidenciado a eles que o clima na Poli, onde ganhava R$ 530 por 12 horas semanais de trabalho, era bem diferente do ambiente na faculdade de geografia. As pessoas eram mais "caladas, sisudas", dizia ele à família.

Em seu depoimento à polícia, Leme também lembrou dos planos que o filho fazia para o futuro. "Filipe iria se formar neste ano de 2019, já tinha elaborado a sua iniciação científica e estava até engajado em dar aulas e seguir na carreira de geógrafo."

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