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Depoimento: "Como consegui ser dispensado do serviço militar obrigatório"

Wellington Ramalhoso

Do UOL, em São Paulo

06/12/2019 04h04

Todo brasileiro que completa 18 anos tem de se alistar nas Forças Armadas para passar pela seleção do serviço militar. O senso comum aponta que isto tem caráter obrigatório. Mas não é bem assim. Alguns jovens são dispensados depois de alegar "imperativo de consciência". O UOL encontrou em Mato Grosso um rapaz que recorreu a este dispositivo previsto na legislação para não participar do processo seletivo. Emerqui da Cruz Aguiar, 20, mora em Juara, interior de seu estado, e contou com o apoio do movimento Livres para obter a dispensa. Confira abaixo o depoimento dele.

Depoimento de Emerqui da Cruz Aguiar:

"O serviço militar nunca me atraiu. Em 2017, quando completei 18 anos e deveria me alistar nas Forças Armadas, eu simplesmente não tinha interesse em servir. Eu não entendia nada de legislação. O que fiz foi faltar no dia da seleção geral. Fiz isto mais por não saber o que fazer. Não sou contra o serviço militar. Sou contra a obrigatoriedade. Tem gente que não entende isto.

Em 2018, tive que pagar uma multa de uns R$ 4 por causa da falta. No mesmo ano, novamente não compareci à seleção. Então, tive que pagar outra multa em 2019 para regularizar minha situação. Quem não paga a multa sofre restrições como ficar impedido de retirar passaporte e fazer matrícula em faculdade.

Foi só em 2018 que comecei a fazer uma pesquisa genérica sobre como ser dispensado do serviço militar obrigatório. É muito difícil encontrar informações na internet a respeito desse tema, até mesmo nas fontes oficiais. fui entender as leis e regulamentações em 2019. O artigo 143 da Constituição, parágrafo 1º, determina que as Forças Armadas devem fornecer um serviço alternativo para os jovens que, em tempos de paz, por motivos de convicção religiosa, política ou filosófica, não desejarem exercer atividade de caráter militar.

O serviço alternativo, previsto na lei 8.239, de 1991, apesar de ter regulamento e tudo, ainda não foi de fato implementado. Como ele não existe na prática, o jovem que alega imperativo de consciência pode ser dispensado.

Para ser dispensado desta maneira, ele precisa apresentar dois documentos: um requerimento assinado por ele solicitando o serviço alternativo mesmo este não existindo e outra declaração de uma instituição filosófica, política ou religiosa provando que ele faz parte dela e tem tais convicções.

No ano passado, vi que o Livres [movimento liberal que chegou a ficar incubado no PSL e saiu do partido com a chegada do então deputado federal Jair Bolsonaro para a eleição presidencial de 2018] tinha uma posição contrária ao serviço militar obrigatório. Entrei em contato com eles por e-mail em junho de 2018. À época, o Livres ainda não tinha como assinar o pedido de dispensa por falta de CNPJ. Foi em maio deste ano que o Livres enviou uma declaração mencionando que sou membro da instituição e reforçando minha solicitação.

Dei entrada no pedido e fui dispensado do serviço militar e do serviço alternativo em 19 de setembro. Em 2 de outubro, fui à Junta Militar para pegar o documento e assinar um tipo de ata.

Estamos em pleno 2019 e ainda existe esta obrigatoriedade do serviço militar no Brasil. Em vários países ela já não existe.

Muitos jovens têm seus planos interrompidos no Brasil por algo que nem sempre vai ao encontro de seus anseios. Eles se apresentam para o alistamento obrigatório mas não têm interesse em estar lá. Acabam interrompendo seus estudos e atividades para servirem ao Exército, à Marinha ou à Aeronáutica.

"Obrigatoriedade é retrógrada e desnecessária"

De que adianta colocar um uniforme em alguém que não está motivado de maneira alguma para isto? Além de literalmente destruir uma etapa na vida do cidadão, o dinheiro público gasto em todo esse processo seletivo de mais de 1,5 milhão de jovens não dará nenhum retorno ao país. A obrigatoriedade é uma ideia retrógrada e desnecessária. O cidadão deve ser livre para fazer suas escolhas sem, claro, afetar negativamente o próximo.

A maior dificuldade para quem quer ser dispensado não é a legislação. O maior obstáculo para ser dispensado pelo imperativo de consciência é a desinformação. Às vezes nem mesmo os funcionários da Junta Militar têm esse tipo de informação.

Sou a favor de uma campanha contra a obrigatoriedade. E não faz nenhum sentido exigir que uma instituição comprove que o indivíduo não tem interesse em servir. O documento assinado pelo próprio cidadão já deveria ser suficiente.

Terminei o Ensino Médio em 2017, já trabalhei como frentista e agora estou cumprindo contrato de experiência como designer gráfico. No ano passado, entrei na faculdade, mas não dei continuidade por falta de condições financeiras. Ainda pretendo cursar Letras.

Está claro que o efetivo que é absorvido pelas Forças Armadas — menos de 10% dos que se alistam — seria suprido por voluntários. Ainda teria muita procura pelo serviço militar, visto que muitos jovens realmente querem servir e vestir uma farda."

Rapazes que sustentam sozinhos suas famílias e jovens com necessidades especiais também podem pedir dispensa do serviço militar Imagem: Roberto Stuckert Filho/PR

Falta de informação

Atualmente, nos sites do Alistamento e do Ministério da Defesa, não há informações sobre a possibilidade de os jovens alegarem imperativo de consciência contra o serviço militar. Também não há menção aos documentos exigidos de quem deseja apresentar esse tipo de alegação. O movimento Livres promete fazer em 2020 uma campanha de divulgação do direito de objeção de consciência.

A PRDC (Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão), órgão vinculado ao Ministério Público Federal do Rio de Janeiro, encaminhou em maio uma recomendação ao Ministro da Defesa para que as Forças Armadas parem de exigir vinculação a entidade religiosa, política ou filosófica de quem alega imperativo de consciência e não deseja fazer o serviço militar.

O Ministério da Defesa informou ao UOL que estuda a atualização da legislação do serviço militar. A pasta também afirmou que, "até o momento, não houve necessidade da implementação dos serviços alternativos".

De acordo com a Defesa, 1,5 milhão de jovens se alistaram no Serviço Militar Obrigatório neste ano, sendo que 80,4 mil foram selecionados para servir as Forças Armadas — o recruta recebe um soldo de R$ 956 por mês e pode estudar fora do serviço militar. A pasta não informou quantos foram dispensados por alegar imperativo de consciência nos últimos anos.

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