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Karnal: Internet apenas colocou em contato pessoas que sempre se odiaram

Karnal diz que internet juntou pessoas que sempre se odiaram

UOL Notícias

Colaboração para o UOL, em São Paulo

17/12/2019 00h18

O historiador Leandro Karnal, 56, disse que o Brasil sempre foi um país violento e com muito ódio, e que a diferença na atualidade é que a internet colocou mais pessoas em contato umas com as outras. A afirmação foi feita durante o Roda Viva desta segunda-feira (16), que contou com Karnal e os colegas Mario Sergio Cortella, 65, Luiz Felipe Pondé, 60, como entrevistados. Os três são autores do livro "Felicidade, modos de usar", que está sendo lançado pela Editora Planeta.

"A nossa história é uma história de extrema violência e extremo ódio. Episódios como Canudos, Contestado, Revolta da Vacina, são de uma violência espantosa, até para os padrões mundiais. Só que a internet colocou em contato pessoas que sempre se odiaram, acabou com uma política de guetos e fez com que as pessoas pudessem se enfrentar, umas contra as outras, e descobrir que não somos tão cordiais, tão simpáticos nem tão afetivos. Ou somos 'cordiais passionais'. Só que a internet colocou o ódio em contato, ela não criou nada, ela apenas colocou em contato esse ódio", disse Karnal, respondendo a uma pergunta da apresentadora Daniela Lima sobre o Brasil ser "um país infeliz" e propondo o debate com os colegas.

Cortella seguiu a linha de raciocínio e disse que o Brasil passou nos últimos quatro anos por um processo de "implosão" da ideia de que o país era harmônico.

"Acho que há um "desfarsar", respeitado que a palavra desse modo escrita não existe. Mas tirar aquilo que era um certo disfarce de nossa parte, enquanto uma convivência nacional que de maneira alguma era marcada por harmonia, ao contrário, ela sofria represamento, tinha em grande medida um abafamento daquilo que eram as grandes paixões, entre elas a raiva, o ódio, a fratura da convivência e nós tivemos a ocasião, nos tempos mais recentes, especialmente nos quatro anos mais recentes para que isso pudesse implodir. Tirou a farsa, "desfarsou", o que significa que nós descobrimos que também somos assim", afirmou.

Pondé concordou, disse que "o Brasil nunca foi um país suave", e afirmou acreditar que "parte dessa felicidade brasileira sempre foi um ativo do turismo brasileiro. Então há uma preocupação dos setores de entretenimento de manter a felicidade como ativo turístico."

Busca pela felicidade vai custar caro aos mais jovens, diz Pondé

Respondendo a uma pergunta do jornalista Ubiratan Brasil sobre felicidade ser "um exercício e não uma meta", Pondé afirmou que considera que a busca por esse sentimento tem causado estresse nas pessoas. Ele usou como exemplo uma cena no cotidiano de São Paulo descrita em uma coluna publicada no jornal Folha de S.Paulo, na qual ele falava sobre uma fila enorme de pais com crianças em um parque que fecharia meia hora depois.

"E aí eu escrevi "Deus me livre de ser feliz" porque fiquei imaginando como alguém fica horas na fila de um parque para entrar lá, quando meia hora depois ele fecha, e me pareceu assim: a felicidade às vezes se transforma numa espécie de demanda, de plataforma, de obrigação, de realização. Eu acho isso brega, acho uma forma bastante boba de querer resolver o seu domingo. Mas a gente vive muito a partir de três ou quatro opções, não tem muito o que você inventar o que fazer com filhos no final de semana, em uma cidade como São Paulo. Você tem que produzir lazer, você tem que produzir a felicidade, e você fica estressado produzindo a felicidade, produzindo o lazer. A busca da felicidade é uma causa do adoecimento, uma causa de você tomar remédio, a obrigação de você produzir sucesso o tempo inteiro, o resultado, aumenta a medicalização e não vejo que isso vai melhorar no futuro. Os jovens vão pagar caro por isso", afirmou.

Cortella também havia chamado anteriormente a atenção para a maneira com a qual os jovens estão lidando com o mundo. "Uma parte dos jovens de hoje, e uma parte dos adultos, quer ter uma vida como se eles vivessem em férias, isto é, ele passeia, vai ao cinema, nada, dança, só não trabalha. Porque está no local onde vive, a infelicidade é onde você tem que fazer esforço, tem que fazer uma dedicação", disse.

Cortella: Paulo Freire aceitaria críticas como as de Bolsonaro

Após Cortella citar Paulo Freire durante uma resposta, a apresentadora Daniela Lima fez uma intervenção para lembrar que o educador foi chamado de "energúmeno" pelo presidente Jair Bolsonaro no mesmo dia. O filósofo afirmou que acredita que Freire, se estivesse vivo, não se revoltaria com as críticas.

"Ele não estranharia, fosse chamado por quem fosse, ele acharia equivocado o epíteto, o apelido a ele colocado, mas ele não acharia estranho que alguém pudesse dizê-lo. E nesse sentido, essa é uma 'boa esperança', a possibilidade de se fazer de outra maneira".

A bancada do Roda Viva, conduzida por Daniela Lima, foi formada por Barbara Gancia (repórter especial do GNT); Tati Bernardi (escritora e colunista do jornal Folha de S.Paulo) e Ubiratan Brasil (editor do Caderno 2 do jornal de O Estado de S. Paulo).

Errata: este conteúdo foi atualizado
Leandro Karnal é historiador e não filósofo, como informado anteriormente na matéria. O texto foi corrigido.