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Homicídio doloso não pode ser descartado no caso do menino Miguel, diz OAB

Miguel Otávio tinha apenas 5 anos - Acervo pessoal
Miguel Otávio tinha apenas 5 anos Imagem: Acervo pessoal

Luís Adorno e Aliny Gama

Do UOL, em São Paulo, e colaboração para o UOL, em Maceió

06/06/2020 13h19

Apesar de a Polícia Civil apontar que o menino Miguel Otávio Santana da Silva, 5, foi vítima de um homicídio culposo (quando o autor do crime não tem intenção de praticá-lo), a OAB-PE (Ordem dos Advogados do Brasil de Pernambuco) indica que as hipóteses de homicídio doloso, quando há intenção, e abandono de incapaz com resultado morte não podem ser descartadas.

O menino morreu na última terça-feira (2) ao despencar do nono andar de um prédio de alto padrão no Recife, de uma altura de 35 metros. Miguel acompanhava a mãe, Mirtes Renata Santana, ao trabalho. Ela era empregada doméstica do casal Sérgio Hacker (PSB), prefeito do município de Tamandaré (PE), e de Sarí Mariana Gaspar Hacker Corte Real. Mirtes não tinha com quem deixar o filho, pois a creche em que ele ficava enquanto ela trabalhava está com as atividades suspensas devido à pandemia do novo coronavírus.

O garoto morreu enquanto estava sob os cuidados de Sarí, quando Mirtes precisou descer para passear com a cachorra dos patrões. Após três dias de silêncio, ela divulgou uma carta de perdão à mãe de Miguel por meio da assessoria de imprensa do prefeito de Tamandaré.

Sarí chegou a ser presa em flagrante por homicídio culposo. O delegado Ramon Teixeira, no entanto, entendeu que ela agiu com negligência, e a liberou após o pagamento de uma fiança de R$ 20 mil.

De acordo com o presidente da OAB-PE, Bruno Baptista, apesar de o delegado de polícia que acompanha o caso da morte de Miguel ter informado tratar-se de homicídio culposo, "nenhuma linha de investigação deve ser descartada, incluindo a hipótese de homicídio por dolo eventual".

"Nenhuma linha de investigação deve ser desconsiderada. A OAB-PE acompanhará o caso para que tenha o melhor desfecho, dentro da legalidade, garantindo-se o contraditório e a ampla defesa", afirmou, de acordo com nota publicada no site da OAB-PE.

A OAB-PE designou a CDH (Comissão de Direitos Humanos) para acompanhar o caso. O presidente da CDH, Cláudio Ferreira, informou que vai se habilitar no inquérito que apura a morte de Miguel.

As investigações do caso, segundo a Polícia Civil de Pernambuco, têm prazo de 30 dias a partir da instauração do inquérito no dia da morte de Miguel. O prazo pode ser prorrogado por mais 30 dias, caso a polícia não conclua o trabalho.

Baptista afirmou em entrevista ao UOL, na tarde de hoje, que as apurações e conclusões sobre a morte do menino devem ser aprofundadas, porque cabem três entendimentos jurídicos diferentes, com penas diferentes. Para ele, neste caso, cabem três linhas de investigação: homicídio culposo (quando não há intenção de matar), que tem pena de um a três anos de prisão; homicídio doloso por dolo eventual (o agente causador assume o risco dos atos com consequência de morte), com pena de seis a 20 anos; e abandono de incapaz com resultado morte, disposto no artigo 133 do Código Penal Brasileiro (abandonar pessoa incapaz e resultado gera morte). A pena é de quatro a 12 anos de prisão.

"É prematuro dizer se é um ou outro, porque tem de investigar todos os meios de prova. É uma investigação complexa. Todo o mundo tem que pedir que o processo ande com todas as linhas, e a OAB quer garantir que a investigação ocorra com imparcialidade para que se faça efetivamente a justiça por direito."

O presidente da OAB-PE afirma, ainda, que a empregada doméstica não cometeu nenhum crime em deixar o filho sob a guarda temporária da patroa, enquanto saiu para fazer um favor à empregadora. "É importante, também, destacar que a conduta da mãe, em deixar o filho sob a guarda da empregadora, não há tipificação de crime. Não tem negligência dela [da mãe]", explica Baptista.

Mirtes Renata Souza, mãe do garoto Miguel - Reprodução/TV Globo - Reprodução/TV Globo
Mirtes Renata Souza, mãe do garoto Miguel
Imagem: Reprodução/TV Globo
A morte de Miguel

Por volta das 13h, o menino foi deixado sob a responsabilidade de Sarí Mariana Gaspar Hacker Corte Real, junto com a filha da patroa, de 3 anos. Mirtes saiu com a cachorra e, na volta, pegaria uma encomenda deixada na portaria do prédio para os patrões. Ao chegar, deparou-se com o filho caído no térreo, agonizando. Ele foi socorrido e levado ao hospital da Restauração, mas não resistiu.

Em entrevista ao UOL, ela disse que confiou em deixar o filho com a patroa, pois a empregadora confiava os filhos a ela. Mirtes, bastante emocionada, afirmou que se for preciso vender o único imóvel da família, uma casa de dois quartos no bairro do Barro, periferia de Recife, ela vai fazer para cobrar justiça pela morte do filho e contratar um advogado.

Nas imagens, Miguel aparece entrando correndo no elevador, e Sarí vem em seguida. Na primeira vez, ela retira o menino do elevador. Ele retorna ao elevador, às 13h10, e a patroa segura a porta, faz gestos de negação ao menino e demonstra chateação, com a mão na cintura. A criança aperta aleatoriamente botões no painel do elevador. Depois, Sarí aperta o botão da cobertura do prédio, libera a porta e deixa o menino sozinho.

Nas imagens, a criança fica dentro do elevador, meio perdida, a porta se abre em um andar superior seguinte. Ele não sai, mas quando as portas se abrem no nono andar, Miguel decide sair, abre a porta da saída de emergência, que dá acesso à área de serviço do andar.

Segundo a polícia, ele procurava a mãe e, possivelmente, a avistou na via pública. Moradores relataram à polícia que ouviram o menino gritar pela mãe. A perícia mostrou que Miguel subiu em uma grade de alumínio e uma barra se rompeu com o peso dele.

Na noite da última quinta-feira (4), personalidades, políticos, artistas e outros internautas se manifestaram nas redes sociais. A hastag #JustiçaPorMiguel e o nome "Sari Corte Real" ficaram entre os assuntos mais comentados no Brasil.

Ontem, ativistas de movimentos sociais protestaram em frente à sede do Tribunal de Justiça de Pernambuco, em Recife, e, depois, seguiram para a frente do condomínio Pier Maurício de Nassau, onde se juntaram a familiares de Miguel. Durante o protesto, os participantes vestiram preto e seguravam cartazes pedindo justiça.

Manifestantes protestam contra a morte do pequeno Miguel no Recife (PE) - Pedro de Paula/Estadão Conteúdo - Pedro de Paula/Estadão Conteúdo
Manifestantes protestam contra a morte do pequeno Miguel no Recife (PE)
Imagem: Pedro de Paula/Estadão Conteúdo

Prefeito investigado

Com a repercussão do caso, o UOL pesquisou no portal da transparência os nomes das empregadas domésticas do prefeito. O nome de Mirtes Renata Santana aparece na lista de cargos comissionados da prefeitura de Tamandaré desde 1º de fevereiro de 2017, com salário de R$ 1.093,62.

A empregada doméstica disse desconhecer que o nome dela estava na lista de funcionários de cargos comissionados da prefeitura e que nunca trabalhou na administração municipal.

Após saber do caso pela imprensa, o Ministério Público Estadual informou que abriu investigação para apurar "possível prática de improbidade administrativa" praticada contra o prefeito de Tamandaré. A prefeitura tem até a próxima terça-feira (9) para apresentar os dados solicitados pela promotoria de Justiça de Tamadaré.