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Estudiosos têm receio com Lei das Fake News e se dividem sobre sua eficácia

Do UOL, em São Paulo

27/08/2020 16h45

Especialistas e estudiosos que participaram hoje do UOL Debate sobre a disseminação de notícias falsas e a liberdade de expressão enxergam com receio a criação de uma lei para combater publicações consideradas falsas e se dividiram quanto à eficácia do projeto, caso seja aprovado e sancionado. A conversa foi intermediada pelo colunista do UOL Leonardo Sakamoto.

"Essa pergunta é a diferença entre treva e luz", disse Eugênio Bucci, professor o jornalista e professor da ECA-USP (Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo) quando questionado sobre o risco de cravar em lei o conceito de desinformação ou notícia falsa. "Nem a Bíblia resiste a uma investigação factual rigorosa. Sempre existem zonas de sombra, onde só vai funcionar a fé, a razão não alcança", disse Bucci.

Esse caminho de dar ao estado o poder de separar ou indicar quem vai separar a verdade da mentira resulta em autoritarismo, quando não resulta em coisa pior, totalitarismo, etc. Já sabemos disso.
Eugênio Bucci, jornalista e professor da ECA-USP

Para ele, uma lei poderia coibir certas práticas, condutas e comportamentos abusivos. Bucci cita como exemplo o "uso exagerado do anonimato". Veículos de comunicação têm endereço, com pessoas físicas que respondem por aquilo, em contraste com a "indústria da desinformação", que tem a característica da obscuridade, diz o professor.

Para a advogada e professora de direito civil e tecnologia no Ibmec Chiara de Teffé, "boa parte dos juristas entende que o judiciário seria o melhor caminho para avaliar, em razão da imparcialidade, em razão da oportunidade do contraditório e da ampla defesa, da possibilidade de recurso, mas é um caminho bastante complicado".

Ainda que boa parte dos juristas entenda que não cabe a plataformas intervir, essas plataformas têm algumas responsabilidades, que não podem ser ignoradas, que não podem ser afastadas. O ponto é: quais são as responsabilidades? O que cabe ao estado, ao Judiciário? É um debate. Se eu der muito poder a essas plataformas, elas vão criar estruturas que vão prejudicar as liberdades fundamentais? Não vejo uma resposta pronta
Chiara de Teffé, advogada e professora de direito civil

Citado pelos debatedores, o texto do projeto de Lei das Fake News já foi aprovado no Senado e agora está em discussão na Câmara. A norma tem suscitado muitas discussões: por um lado, há a necessidade de se tentar coibir a disseminação de notícias falsas; por outro, o receio de que a lei sirva como pretexto para a censura.

Conteúdo ou comportamento?

Os especialistas que participaram da conversa enxergam que há uma necessidade de debate aprofundado sobre como estabelecer um equilíbrio dentro da ideia de combate às fake news, em especial sobre as diferenças de comportamento e conteúdo. O problema da desinformação, no entanto, é consenso entre eles.

"Por vezes, quando a gente pensa na regulação de comportamento e não de conteúdo, a depender da situação, pode ser uma estratégia interessante. Porque trabalhar alguns conteúdos é algo delicado é algo que é muito subjetivo, mas inibir determinados comportamentos é uma forma de regulação e é uma forma interessante para alguns temas" , diz Teffé.

"Seria voltar as trevas entregar ao governo, ao estado, seja o estado o juiz, seja o estado o poder executivo, entregar esse poder de dizer o que é verdade ou não. Se o estado entrega esse poder a grandes empresas privadas, dá na mesma, é tão ruim quanto. Especialmente quando estamos falando de empresas privadas que têm um quase monopólio do seu mercado. ", diz Ivar Hartmann, advogado, professor e coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV Direito Rio, que também participou do debate.

Ele afirma que a discussão no Congresso, onde tramita um projeto de lei que visa coibir a disseminação das notícia falsas, é pautada sobre um conceito "do que é verdade ou mentira".

Na verdade existe um outro conceito possível, veiculado em um artigo muito famoso na revista Science sobre fake news que não tem nada a ver com o conceito de se é verdade ou mentira. É fake news se apresenta dois critérios: primeiro se aquele post, aquela montagem, aquela foto, se apresenta como se notícia fosse, e segundo se para produção e veiculação daquela informação não foram seguidos standards [padrões] jornalísticos.
Ivar Hartmann, advogado e professor

"A lei você passa muito tempo discutindo, nunca sai do jeito que todo mundo quer, e a lei muitas veses dá uma impressão que resolve as coisas, mas muitas vezes o que ela faz é fazer com que empresas, as pessoas, obedeçam a lei e com isso lavem as mãos" diz Danilo Doneda, advogado e professor do IDP (Instituto Brasiliense de Direito Público).

Não tem uma solução fácil, mas eu temo que a gente esteja perdendo muito tempo com soluções para o passado, para as eleições de 2018.
Danilo Doneda, advogado e professor do IDP