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'Meu luto ainda não fiz', diz filho de líder comunitária assassinada em SP

O designer gráfico Edson Passos ao lado da mãe, Vera Lúcia da Silvia Santos, líder comunitária que foi encontrada morta carbonizada no próprio carro - Arquivo Pessoal/Edson Passos
O designer gráfico Edson Passos ao lado da mãe, Vera Lúcia da Silvia Santos, líder comunitária que foi encontrada morta carbonizada no próprio carro Imagem: Arquivo Pessoal/Edson Passos

Paulo Eduardo Dias

Colaboração para o UOL, de São Paulo

06/09/2020 04h00

Habituado a acompanhar casos de violência na região do Grajaú, periferia da zona sul de São Paulo, o presidente do Conselho Comunitário de Segurança do Jardim Mirna, Edson Rodrigues Passos, 36 anos, não para de pensar em um só crime.

Há cerca de 20 dias, a líder comunitária Vera Lúcia da Silva Santos, de 64 anos, foi declarada morta, após ter sido encontrada carbonizada no próprio carro. Conhecida como Tia Vera, ela era mãe de Edson.

Achada no dia 18 de julho dentro do porta-malas do veículo, que foi incendiado, Vera havia desaparecido dois dias antes. Devido ao estado do cadáver, a confirmação da identidade só saiu um mês depois.

Desde então, Passos equilibra o trabalho como designer gráfico e a administração da ONG Auri Verde, criada pela mãe para administrar seis creches em parceria com a Prefeitura de São Paulo. Ao UOL, ele disse que está sem chão e desnorteado.

A gente já teve o sepultamento, mas a ficha ainda não caiu. Não tem explicação. Não faz sentido. Eu não consigo assimilar. Meu luto eu ainda não consegui fazer. As demandas [da ONG] não param. Minha sensação é de que ela saiu e ainda vai voltar
Edson Rodrigues Passos, designer gráfico

Ele diz que não é o único a ter de conviver com um vazio no peito, a julgar pelos relatos de tristeza que ouve. De acordo com ele, isso acontece com boa parte da comunidade do Jardim Varginha, reduto de lutas vencidas por sua mãe.

Passos está se reunindo com os colaboradores da ONG, que emprega mais de 100 pessoas, para traçar o melhor caminho para continuar com o trabalho de Tia Vera na região.

"A minha mãe dedicou a vida dela inteira ao trabalho social. Para os colaboradores está sendo muito traumatizante, as pessoas estão sem norte. As pessoas próximas me perguntam toda hora se vamos continuar. A gente tem o desejo de continuar o legado dela. Estamos focados nessa missão, até porque os contratos com a prefeitura estão vigentes".

A ONG Auri Verde possui sete contratos vigentes com a Prefeitura de São Paulo, seis para creches e um para a manutenção de um centro para crianças e adolescentes.

Firmados com a Secretaria de Educação, os compromissos para as creches rendem R$ 640 mil mensais e duram até dezembro de 2022, segundo a prefeitura. Já a pasta de Assistência e Desenvolvimento Social repassa R$ 70 mil mensais para os serviços no centro de convivência, parceria com vigência até maio de 2021.

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'Minha sensação é de que ela saiu e ainda vai voltar', diz o designer gráfico Edson Passos, filho de Vera Lúcia da Silvia Santos, líder comunitária que foi encontrada morta carbonizada no próprio carro
Imagem: Arquivo Pessoal/Edson Passos

Estes valores chamaram a atenção da polícia. De acordo com as investigações, uma hipótese é que o assassinato tenha sido motivado pelo dinheiro movimentado pela entidade. Passos, no entanto, afirma que sua mãe já teve de tirar dinheiro do próprio bolso para dar andamento aos trabalhos.

A Auri Verde é muito transparente, tem balancetes publicados em seu site. O valor [dos contratos com a prefeitura] é alto, mas, se comparar com o que a organização faz, com 130 funcionários, se fazer todas as contas e vir o que sobra no final do mês, vai ver que a organização ainda precisa colocar dinheiro para fazer girar

Passos afirma que a mãe "sempre foi muito humilde" e "não tinha porque achar que ela era cheia da grana". "Já parei, já pensei. Eu fico mais pensando mesmo na polícia encontrar quem fez, para a gente poder dar um fim, porque para mim está sendo muito doloroso", diz.

Luta por moradia e saneamento básico

Nascida em Taperoá, no sul da Bahia, Vera chegou a São Paulo em 1975. Veio para ser empregada doméstica em uma residência no bairro do Paraíso, na zona sul de São Paulo, após trabalhar em uma casa de Salvador. Quando se mudou para o Jardim Varginha, criou a ONG Auri Verde em 1992 para lutar pela regularização de lotes para a construção de moradia e saneamento básico para a região às margens da Represa Billings.

Segundo ele, sua mãe nunca contou sobre desafetos ou qualquer pessoa que a fizesse sentir medo. "Tento buscar na memória se ela tinha desavença com alguém, mas eu não lembro. Ela tinha boa relação na política tanto com a esquerda como a direita. Não tinha ideologia, nunca levantou uma bandeira", completou.

Alvo direto da criminalidade, Edson Passos é desde abril presidente do Conseg Jardim Mirna, cuja missão é organizar entre sociedade civil e as policiais civis e militares para discutir temas locais de segurança.

"Foi minha mãe quem me apresentou ao Conseg. Ela dizia que o conselho era importante. O Grajaú não é uma região com bons índices. Alto número de invasões com extrema vulnerabilidade social. Falta escola, saneamento básico, lazer. De fato, a criminalidade no Grajaú vem aumentando, mas não é algo latente como anos atrás."

Em nota, a Secretaria da Segurança Pública afirmou que "o caso segue em investigação pela Divisão de Homicídios do DHPP, que trabalha para esclarecimento do crime". Por sua vez, o Ministério Público alegou que "o caso está sendo investigado pela promotoria de Justiça do 3° Tribunal do Júri e corre em segredo de justiça".